Parece que o mercado financeiro exagerou novamente no rali, ao antecipar um fim rápido para o impasse sobre estímulos adicionais nos Estados Unidos e ao subestimar o alerta de uma segunda onda de contágio de coronavírus, com muitos países na Europa reforçando as medidas de isolamento social. Aqui, a dose de realidade com o risco fiscal até atrapalhou os ativos em acompanhar a euforia externa e, mesmo assim, o perigo pode ser real e imediato.
Apesar do malabarismo feito pelo Banco Central em parceria com o Tesouro Nacional para reduzir a pressão sobre as condições de financiamento da dívida pública, permanece a desconfiança dos investidores em relação à trajetória das contas nacionais. E se agenda de reformas não avançar ou a regra sobre o “teto dos gastos” for desrespeitada, abandonando o ajuste fiscal, a medida por ter sido meramente paliativa.
Os investidores se mostram menos propícios em manter o risco Brasil em suas carteiras por prazos mais longos, com o receio de ficar com um “mico na mão”, o que tem levado o Tesouro a emitir títulos com prazos mais curtos. Tal estratégia é fundamental para arrecadar recursos e financiar o enorme déficit público, diante do aumento de gastos com as medidas emergenciais de combate aos efeitos econômicos da pandemia.
Este mecanismo, no entanto, é perigoso, pois ao encurtar o prazo da dívida pública em um cenário de elevada incerteza fiscal, a rolagem desse débito fica mais difícil. Ou seja, o Tesouro tem menos tempo e condições mais adversas para conseguir honrar suas obrigações. Não é à toa, portanto, a insistência do BC, do Tesouro e da equipe econômica em evitar despesas extraordinárias no ano que vem que possam “furar” o “teto dos gastos”.
Mas a insistência do governo Bolsonaro em criar o Renda Cidadã, substituindo e ampliando o alcance do Bolsa Família em 2021, apesar de não haver verba para bancar o novo programa social, continua sendo o principal entrave do mercado doméstico. Esse risco fiscal tem descolado o desempenho dos negócios locais em relação ao exterior, bem como impedido que os ativos reflitam a perspectiva mais positiva dos dados econômicos.
Exterior sem brilho
Lá fora, porém, os mercados internacionais amanheceram sem brilho, com a paralisação das negociações no Congresso dos EUA a apenas 20 dias das eleições e o aumento no número de casos de covid-19 na Europa encurtando o fôlego dos ativos. O revés no desenvolvimento de uma vacina e casos de reinfecção da doença completam o ambiente mais hostil ao risco.
Ainda assim, os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram em alta, ensaiando uma recuperação, após as perdas da véspera. As principais bolsas europeias tentam acompanhar esse sinal positivo, mas as preocupações quanto ao impacto de um novo surto de coronavírus na retomada econômica reduzem o ímpeto dos negócios. Com isso, o dólar ganha terreno em relação às moedas europeias. O petróleo cai.
Na Ásia, a sessão também foi sem brilho, com leves altas em Tóquio e Hong Kong, mas queda de 0,6% em Xangai e em Shenzhen, cada, apesar do discurso do presidente da China, Xi Jinping. Ao comemorar os 40 anos da primeira Zona Econômica Especial (ZEE), em Shenzhen, o também secretário-geral do Partido Comunista chinês (PCCh) reiterou o plano de abertura e reforma econômica, em vigor desde 1978, concentrando-se agora no mercado de capitais e na alta tecnologia.
Dia de atividade e inflação
A agenda doméstica traz o desempenho do setor de serviços em agosto (9h), que deve manter o ritmo de recuperação, além dos dados semanais do fluxo cambial, sobre a entrada e saída de dólares (14h30), que deve seguir com um volume recorde de capital estrangeiro deixando o país.
No exterior, saem índices de preços ao produtor (PPI) dos EUA (9h30) e da China, além do consumidor (CPI) chinês, ambos no fim do dia. Na safra norte-americana de balanços, hoje é a vez do Wells Fargo, Bank of America e Goldman Sachs, antes da abertura do pregão. Também merece atenção o resultado da indústria na zona do euro em agosto, logo cedo.