A mudança de tom do presidente Jair Bolsonaro, que agora defende a vacinação contra a covid-19 e a volta “para ontem” do auxílio emergencial para a retomada econômica, mostra a pressão do Centrão no governo e acende o sinal de alerta no mercado financeiro. Depois do mal-estar envolvendo a política de preços da Petrobras (SA:PETR4), que afundou o Ibovespa ontem, Bolsonaro admitiu, em entrevista na TV, que uma nova rodada do benefício social pode ocorrer sem exigir contrapartidas, furando o teto dos gastos.
Com o Executivo adepto de vez ao chamado “toma lá, dá cá” - tendo de atender aos inúmeros anseios de diferentes aliados, fazendo nomeações de indicados em troca de apoio, para manter a “velha política” de influência funcionando em Brasília - o foco dos negócios locais está concentrado no Congresso. Ao que tudo indica, quem irá decidir como o retorno do socorro financeiro aos mais vulneráveis será custeado são os presidentes eleitos para a Câmara e o Senado, com o respaldo do governo.
As declarações ontem de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, de que o pagamento do auxílio emergencial será feito de forma “excepcional” no Orçamento, não estando atrelado a corte de gastos, preocupam os investidores, que voltam a vislumbrar riscos fiscais no horizonte. Esse receio, somado ao aceno de Bolsonaro aos caminhoneiros para reduzir os preços dos combustíveis, que resgatou o fantasma da interferência do governo nas estatais, eleva a aversão ao risco por aqui.
Diante disso, merece atenção hoje a instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que deve dar início à discussão sobre o auxílio emergencial. Também deve começar a ser discutido hoje o projeto de autonomia do Banco Central. Entre os indicadores, saem a primeira prévia deste mês do IGP-M (8h) e a inflação oficial ao consumidor brasileiro (IPCA), às 9h, que deve desacelerar fortemente em janeiro.
Juntos, esses eventos políticos e a agenda econômica doméstica devem calibrar as expectativas em relação ao rumo da taxa básica de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em março, depois de o BC sinalizar que uma alta da Selic pode ocorrer em breve. Por isso, os desdobramentos do cenário local tendem a manter os ativos brasileiros descolados do interminável apetite por risco no exterior.
Tudo que é Sólido...
Hoje, porém, os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram com leves oscilações, em compasso de espera por mais estímulos fiscais aprovados em Washington. O Congresso dos Estados Unidos deve trabalhar nos detalhes do novo pacote trilionário para aliviar o impacto econômico causado pelo coronavírus e combater a pandemia no país. A temporada de balanços também agita os negócios em Wall Street.
As principais bolsas europeias também caminham para uma abertura na linha d’água, alternando leves altas e baixas, sem viés definido. Na Ásia, porém, as principais bolsas da região pegaram carona nos ganhos da véspera do S&P 500, que fechou em novo recorde. Apesar da sensação de que os índices acionários globais podem estar muito ‘esticados”, tendo subindo muito rápido, o otimismo dos investidores mantém o ímpeto dos negócios.
Contudo, a expectativa por mais estímulos continua pressionando o mercado norte-americano de bônus, com o rendimento (yield) do título dos Estados Unidos de 10 anos (T-note) rondando ligeiramente abaixo da faixa de 1,20%. O ímpeto por trás do tema “reflação”, com o governo Biden fortemente inclinado à expansão monetária e fiscal, continua sendo uma força a ser enfrentada.
Esse aumento significativo das taxas de juros de longo prazo nos EUA, com a diferença no rendimento entre o papel de cinco e de 30 anos atingindo o maior nível desde 2016, sustenta o dólar forte, ao mesmo tempo em que favorece o desempenho das commodities cíclicas. A moeda norte-americana mede forças em relação às rivais nesta manhã, enquanto o barril do petróleo segue flertando a faixa de US$ 60.
Portanto, no cenário macroeconômico tudo parece sólido. Mas o comportamento contraintuitivo dos ativos de risco nos EUA - com alta das ações, das taxas de juros e da moeda local - mostra que, abaixo da superfície, há sinais fortes de exuberância irracional no mercado financeiro, gerada pela liquidez sem precedentes jorrada pelos bancos centrais. E essa bolha que vem sendo formada pode, em breve, se desmanchar no ar...
China em destaque
O calendário econômico no exterior está mais fraco durante o dia, trazendo apenas o relatório Jolts, com os dados sobre as contratações e demissões nos EUA em dezembro, às 12h. À noite, a China entra em cena para informar os índices de preços ao consumidor (CPI) e ao produtor (PPI) em janeiro.