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Investimento de Retorno Rápido: Mais Esperto Que o Diabo?

Publicado 12.02.2021, 12:00
Atualizado 09.07.2023, 07:32

O fato de este (sem o ponto de interrogação ao final) ser o título do livro mais vendido no Brasil em 2020 é, quando considerado juntamente com numerosos outros fatos intrigantes mas não surpreendentes, revelador de uma faceta desconcertante existente em todos nós. Em graus muito variáveis entre indivíduos e situações (“contextos”), porém intrínseca à nossa natureza humana: a quase que irresistível atração por “atalhos” ou, em um nível mais profundo, pelo uso de heurísticas – artifício simplificador do pensamento intuitivo para facilitar a tomada de decisões – e pela obtenção de soluções rápidas, simples e agradáveis.

Uma modesta, porém, contundente amostra dos “numerosos outros fatos” citados anteriormente é a popularidade dos “influenciadores” e outras “celebridades” em Finanças; a quantidade crescente de pessoas que investem de forma amadora; a atratividade de “dicas” de investimento com resultados “certeiros” e “milagrosos”; a disseminação de canais e de ferramentas para investir de forma fácil, instantânea e até mesmo “gamificada”; etc.

“O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota.” (Nelson Rodrigues).

POR QUE NÓS SOMOS ASSIM?

A questão é muito mais complexa e profunda do que poderia supor Nelson Rodrigues, como genial intelectual das artes e não cientista que ele era. Kahneman, agraciado com o Prêmio Nobel em Economia em 2002,  abordou a questão de forma apropriada:

“A evolução não nos preparou para o mundo em que vivemos.”

O cérebro do Homo Sapiens, não obstante ser uma das mais notáveis obras já conhecidas da Natureza pelas verdadeiras proezas que é capaz de realizar, possui uma dificuldade crescente para lidar com um mundo cada vez mais complexo e “não natural”. O fenômeno da civilização – iniciado pelos nossos ancestrais por meio da agricultura, da escrita, dos primeiros povoados e de outras inovações revolucionárias – é extremamente recente, representando apenas cerca de 5% da nossa história como espécie.

O descompasso crescente entre o ritmo da evolução da nossa espécie, incluindo o das capacidades cognitivas, e o ritmo vertiginoso da nossa evolução civilizatória e, principalmente, tecnológica está agravando o problema. Este possui “nome e sobrenome”: “racionalidade limitada”. Conceito pioneiro de autoria de Herbert Simon e que resultou no Prêmio Nobel em Economia com o qual foi laureado em 1978, foi definido por ele desta forma:

“Quando os indivíduos tomam decisões, sua racionalidade é limitada pela capacidade de modelar o problema, as limitações cognitivas de suas mentes e o tempo disponível para tomar a decisão. Os decisores nessa visão atuam buscando uma solução satisfatória e não a ideal.”

Kahneman, que a partir do trabalho pioneiro de Simon e com o seu parceiro de décadas de pesquisa Amos Tversky realizou as mais relevantes descobertas nas áreas de Julgamento e Tomada de Decisão e de Economia/Finanças Comportamentais, destaca outros aspectos essenciais:

“Quando tomamos uma decisão, enxergamos apenas o que queremos, ignoramos possibilidades e minimizamos riscos que enfraquecem nossas esperanças. O pior é que muitas vezes somos confiantes mesmo quando estamos errados.”

Todos os mais de 180 vieses e heurísticas decorrentes da “racionalidade limitada” e já mapeados pela Ciência originam-se de mecanismos cognitivos envolvidos no processo decisório. Estes mecanismos ocorrem em regiões específicas do cérebro – tais como a amígdala e o córtex pré-frontal – e foram representados de forma sintética pelos revolucionários conceitos mutuamente complementares de “Sistema 1” (automático, rápido, intuitivo, em grande parte inconsciente e muito vulnerável a vieses) e “Sistema 2” (voluntário, relativamente lento, racional, consciente, analítico e responsável pelo autocontrole e por cálculos complexos) introduzidos por Stanovich e West (2000).

A atuação conjunta de ambos os sistemas foi moldada e aperfeiçoada ao longo de milhares de anos de evolução da nossa espécie, nos tornando perfeitamente adaptados ao ambiente que habitávamos quando ainda éramos nômades. Contudo, a sua eficácia é cada vez menor à medida que nos deparamos com situações crescentemente mais complexas, como, por exemplo, investir visando a futura aposentadoria ou em um novo negócio, escolher uma nova carreira profissional, etc. Questões impostas pelo mundo que nós próprios criamos ao longo dos últimos cerca de 10 mil anos da nossa história. 

O QUE PODEMOS FAZER A RESPEITO?

O Homo Sapiens que emerge das descobertas científicas das últimas décadas, sobretudo da Neurociência, de Julgamento e Tomada de Decisão e de Economia/Finanças Comportamentais, não é o “idiota” tão menosprezado por Nelson Rodrigues. Mas, sim, um ser que é muito menos hábil do que imagina para tomar decisões complexas, porém muito mais capaz do que supõe de aprimorar-se nesta atividade crucial. Esta constatação, cientificamente embasada, é a chave para qualquer indivíduo iniciar e empreender um processo de melhoria contínua.

Nunca é demais enfatizar: não há aqui “atalho” disponível, ou seja, não é possível recorrer a nenhuma heurística “salvadora” e a quaisquer soluções rápidas, simples e agradáveis que só servem para os “mercadores de ilusões” lucrarem como já fazem há séculos. Contudo, agora com muito mais poder graças às redes sociais e a outros recursos tecnológicos modernos.

A abordagem que eu tenho detalhado desde o meu primeiro artigo publicado aqui no Investing.com – baseada nos componentes primordiais “conhecimento”, “autoconhecimento”, “processo decisório” e “implementação” – exige esforço considerável, mas os resultados (não apenas a longo prazo) mais do que compensarão.

“Genialidade é esforço.” (Johann Goethe).

 * Ronaldo Deccax é Doutor em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, Mestre em Administração com ênfase em Estratégia, pesquisador e professor convidado no COPPEAD/UFRJ e consultor em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn em linkedin.com/in/ronaldo-deccax-phd-169217.

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