Olá pessoal! No meu último texto desta coluna, abordei características adequadas e inadequadas de estratégias de investimento. Argumentei que o investidor vitorioso na bolsa tem uma estratégia consistente e bem pensada, com foco no longo prazo e alinhada com sua tolerância a risco e seus objetivos de investimento. Este investidor não se deixa influenciar pela volatilidade de curto prazo, pois compreende que haverá períodos com maiores oscilações e que, principalmente, estes períodos são passageiros e não podem impactar sua estratégia de longo prazo. Para ele, o que realmente importa é a rentabilidade (e a volatilidade) no longo prazo.
Para mostrar como o risco de se investir em ações no longo prazo ganha interpretações bastante distintas da volatilidade de curto prazo, tive o cuidado de calcular as rentabilidades anuais dos índices Ibovespa e S&P 500 (convertendo este para reais), ambos acima da inflação brasileira medida pelo IPCA. O gráfico abaixo mostra tais rentabilidades a juros reais, ou seja, acima da inflação, desde 1995. Escolhi este ano pois tivemos a implementação da moeda brasileira em 1994, com o Plano Real, e o contexto do país na época era bastante diferente do atual. O ano de 2020 é truncado ao final do mês de novembro.
Uma inspeção visual do gráfico já mostra que há forte assimetria para retornos positivos em relação aos retornos negativos: em outras palavras, a figura acima parece mostrar um jogo favorável ao investidor, não importa se aqui com o nosso Ibovespa ou lá fora com o S&P500. De fato, a rentabilidade geométrica média do Ibovespa nesses quase 26 anos foi de 6,1% ao ano (e acima do IPCA), ao passo que o S&P500 atingiu a incrível marca de 8,9% de juros reais ao ano.
Para se ter uma ideia do que isto representa, suponhamos que uma pessoa tenha investido R$ 1.000,00 por mês em um desses índices desde o início de 1995 (em moeda atual, portanto muito menos que esse valor ao iniciar sua estratégia há 26 anos atrás). No Ibovespa, ele teria acumulado um total de R$ 638 mil dos quais mais da metade seriam oriundos da rentabilidade acima da inflação. Já se o nosso investidor tivesse apostado no S&P500, teria acumulado mais de R$ 1,1 milhões de reais (dos quais 72% seriam oriundos dos juros e apenas 28% do seu trabalho/esforço). São números interessantíssimos, não é mesmo?
Mas, quero dividir algo a mais com vocês. Imagine se olhássemos para o que aconteceu nas duas bolsas a cada dois ou mesmo a cada cinco anos. As figuras que representam estes períodos seguem mais abaixo. Notem que agora fica claríssimo que se trata de um jogo que vale a pena ser jogado. Afinal, boa parte da volatilidade de curto prazo se dissipa com o tempo. Os ganhos são nitidamente compensadores em relação às perdas, que ocorrem inclusive com bem menos frequência que os períodos com ganhos. Em outras palavras, é o melhor dos mundos, pois as perdas, além de em patamares menores que os ganhos, ainda são menos frequentes. Esses resultados ganham ainda mais representatividade ao lembrar que são rentabilidades realizadas acima da inflação, ou seja, mantendo o poder de compra.
É isso que eu tenho em mente quando sugiro ter uma estratégia de longo prazo. Não deixem que o curto prazo tire o foco de vocês. Como falei antes, boa parte da volatilidade de curto prazo se esvaece com o tempo. No longo prazo, investir na bolsa é um jogo com muito menos risco do que parece. Um olhar aflito às oscilações de curto prazo da bolsa gera uma ansiedade desnecessária e ainda pode levá-lo a decisões incoerentes com seus verdadeiros objetivos ao investir. Não se esqueçam jamais: o que realmente importa é a rentabilidade no longo prazo.
E já está mais do que comprovado na literatura acadêmica que o principal value driver do enriquecimento de uma carteira de ações não se origina de movimentos táticos, ou seja, que tentam descobrir os melhores ativos a cada período do tempo. O principal value driver é simplesmente estar no mercado, de maneira contínua e de forma que você não perca nenhuma alta. Em outras palavras, a gestão passiva responde, no longo prazo, pela maior parte da rentabilidade de uma carteira de ações.
E agora para dar coerência a esse texto em relação ao seu título, dividirei com vocês uma estratégia que julgo ser vitoriosa. Todo início de ano investir 50% do capital disponível para bolsa em ETF de Ibovespa (temos cinco disponíveis na B3 (SA:B3SA3)) e 50% em ETF do S&P500 (temos dois disponíveis na B3). Notem que essa é uma estratégia completamente factível e muito simples atualmente, pois: (i) os ETFs mencionados possuem liquidez satisfatória para este propósito; (ii) a estratégia possui custo de administração extremamente baixo (por se tratar de apenas dois ETFs); e (iii) a estratégia implica em apenas duas transações por ano e nada mais, uma vez que o rebalanceamento é anual e com apenas dois ativos na carteira.
Analisem o gráfico abaixo, que mostra a evolução em juros reais, ou seja, acima da inflação de R$ 100,00 investidos ao final de 1994 no Ibovespa, no S&P500 e na estratégia 50%/50%:
O que mais salta aos olhos é que a estratégia vencedora é exatamente aquela que coloca anualmente 50% da carteira no Ibovespa e 50% no S&P500. Palmas para a diversificação! Caso estejam achando estranho que uma estratégia 50%/50% tenha rentabilizado mais do que as duas estratégias individualmente, posso garantir que é isso mesmo. Esse efeito se dá exatamente pelo rebalanceamento anual.
Para ilustrar esse efeito, imaginem dois investimentos A e B que tenham rendido em dois anos, respectivamente: (A) -10% e 10% e (B) +10% e -10%. Notem que ao investir R$ 100,00 em cada um deles você terá R$ 99,00 ao final dos dois anos tanto no investimento A quanto no B, obtendo uma perda de 1%. Investindo R$ 50,00 em cada um, ao final do primeiro ano terá R$ 45,00 em A e R$ 55,00 em B, mantendo o total de R$ 100,00 que serão repartidos igualmente para o segundo ano. Ao final do segundo ano, o investimento A acumulará R$ 55,00 e B, R$ 45,00 de forma que você terá ao final os mesmos R$ 100,00, perfazendo uma rentabilidade nula, mas ainda assim superior à rentabilidade individual de cada uma das estratégias (-1%). Este é o efeito do rebalanceamento periódico. Vocês já conheciam esse efeito?
Um outro motivo que me faz ser simpático à estratégia 50% Ibovespa e 50% S&P500 é o efeito da diversificação na volatilidade. Em crises mais agudas no Brasil ou mesmo no mundo, tal como vimos agora nessa pandemia, o dólar tende a subir. Este efeito cambial atenua as perdas nas bolsas. De fato, se vocês notarem no primeiro gráfico, em apenas três anos ambas as bolsas caíram (mesmo em juros reais) e a bolsa norte-americana sempre caiu menos que a bolsa brasileira (nessas três ocasiões). Em outras palavras, a diversificação da carteira 50%/50% nos ajuda quando mais precisamos, ou seja, quando nossa bolsa cai. E, como vimos neste último gráfico, ainda nos permite rentabilizar mais do que se estivéssemos 100% investidos em qualquer uma das duas bolsas. Abaixo, apresento as rentabilidades anuais realizadas desta estratégia e, como sempre, acima da inflação medida pelo IPCA.
Interessante, não? Reparem que ao longo dos últimos 26 anos, em apenas seis a rentabilidade dessa carteira foi negativa e mesmo assim em patamares reduzidos com relação aos anos positivos (exceção feita ao fatídico ano de 2008). Concordam que com um gráfico deste o risco de perder dinheiro na bolsa no longo prazo torna-se muito reduzido?
Percebi esses resultados há alguns anos, dentro do meu dia a dia de pesquisas. E agora divido com vocês. Espero realmente que tenham gostado! Se este foi o caso, peço gentilmente que comentem abaixo. A participação de vocês é muito importante para mim!
Por fim, convido a todos para me seguirem no Instagram @carlosheitorcampani e se inscreverem no meu canal no Youtube. Nestes espaços, procuro dividir conteúdos relevantes em finanças pessoais, investimentos e previdência. Ajudem-me a espalhar finanças por todo esse Brasil!
Forte abraço a todos vocês.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal (link no perfil do autor) e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na sexta-feira.