Publicado originalmente em 25/08/2020
Está ficando cada vez mais difícil conciliar os rendimentos dos títulos do tesouro americano nas mínimas históricas com os preços recordes das ações nos índices mais amplos. A corrida para os treasuries em meio à incerteza causada pela covid-19 e a rápida expansão do mercado acionário parecem estar em desacordo.
O S&P 500 estabeleceu seu terceiro recorde em cinco pregões, fechando a 3.431,28 na segunda-feira, com a aprovação do uso de plasma convalescente pela Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) para tratar a covid-19.
O Nasdaq também registrou nova máxima recorde na segunda-feira, fechando a 11.379,72.
A nota de 10 anos do tesouro americano, enquanto isso, está rendendo cerca de 0,65%, uma queda de 1% em relação ao patamar de fevereiro.
Com isso, uma corrente cada vez maior de pensamento defende que as duas tendências estão relacionadas e que as ações estão registrando novas máximas históricas justamente porque os títulos governamentais estão rendendo muito pouco.
A participação do Federal Reserve (Fed) na criação dessa confusão é central. O compromisso do banco central americano de manter as taxas de juros de curto prazo perto de zero por tempo indeterminado e suas constantes compras de ativos estão se conjugando para suprimir a rentabilidade dos treasuries.
Fed induziu a inversão já que ambos os mercados sobem em paralelo
A intervenção do Fed está desarticulando a tendência história em que os investidores se desfazem dos títulos públicos – impulsionando seus rendimentos, pois estes se movem de maneira oposta aos preços – e acumulam ações quando estão em alta. Em vez disso, os preços estão agora subindo em ambos os mercados, já que o Fed dá suporte aos títulos com suas ações.
Em suma, os investidores não devem encarar o declínio da rentabilidade dos treasuries como um sinal de que as ações estão prestes a corrigir, como afirmou Mark Haefele, diretor-geral de investimentos da UBS Global Wealth Management.
A métrica-chave em tudo isso é o prêmio de risco na renda variável, que mede a diferença entre a taxa sem risco dos treasuries e o retorno das ações. Essa métrica subiu quase 1%, para 6,3%, nos últimos seis meses, de acordo com um cálculo, sendo mais um indicador altista para as ações.
Mesmo com a queda nominal dos rendimentos, a medida das expectativas de preços derivada os ativos do tesouro americano protegidos contra a inflação – a diferença entre o rendimento dos TIPS e a rentabilidade nominal dos treasuries – subiu.
O declínio no rendimento dos TIPS de 10 anos de -0,2% para -1,00% em março restaurou as expectativas de inflação para o nível pré-pandemia a 1,7%. Isso contribui para a alta das ações, haja vista que os investidores esperam que os dividendos cresçam com a inflação, ao mesmo tempo em que os preços dos títulos caiam.
Essa inversão induzida pelo Fed em tendências de mercados tradicionais pode durar algum tempo, desde que o banco central americano mantenha sua política de juros baixos.
Haefele recomenda que os investidores que compartilham dessa visão prestem atenção ao que o Fed diz e se preparem para mudar devidamente sua visão sobre os preços dos ativos.
O papel dominante do Fed na condução dos mercados dessa maneira tem aumentando o interesse no pronunciamento de Jerome Powell, presidente do Fed, previsto para esta semana sobre a revisão da estratégia da política monetária.
Durante o simpósio virtual de Jackson Hole, a expectativa é que Powell anuncie uma mudança na estratégia do Fed no sentido de deixar os preços ultrapassarem a meta de inflação de 2%, uma promessa que garantiria dinheiro fácil por algum tempo, na medida em que tenta estimular a economia.