Por *Paula Chimenti, **Antonio Batista e ***André Fonseca
O burburinho do lançamento do ChatGPT, amplificado pelo investimento de USD 10B da Microsoft (NASDAQ:NASDAQ:MSFT) na OpenAI e por disputas internas na empresa entre board e CEO, certamente foi um dos maiores do ano de 2023.
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O Google (NASDAQ:GOOGL), por exemplo, nunca havia enfrentado ameaça tão forte em seus 25 anos de existência, como documentou a mídia especializada. O boom superou até a febre das redes sociais: o Instagram, da Meta/Facebook (NASDAQ: META) levou mais de 2 anos para atingir 100 milhões de usuários mensais. O TikTok, 9 meses. O ChatGPT, apenas 2 meses.
Pode-se alegar curiosidade, euforia ou outros fatores para o avanço e polêmicas em torno do ChatGPT. Mas ele é apenas parte de uma categoria mais ampla: as inteligências artificiais generativas. Elas geram ou criam textos, códigos, figuras, vídeos e muito mais apenas com um comando em linguagem comum – basta falar ou digitar “crie uma foto inédita assim e assado”, por exemplo, e elas o fazem imediatamente.
Embora curiosidade e euforia estejam no pacote, não explicam a totalidade do fenômeno. Nesse sentido, outros fatores – inclusive confiança – são ignorados por boa parte dos analistas ao tratar sobre inteligências artificiais. Na verdade, desconfiança, nem sempre bem fundamentada, é um ingrediente frequente entre alguns analistas.
De fato, uma das propriedades emergentes de grandes modelos de linguagem como o que está por trás do ChatGPT é que às vezes eles alucinam, isto é, dão respostas que não correspondem à realidade. Talvez seja isso a impulsionar maior desconfiança no momento atual. Dito isso, tal possibilidade de erro vem diminuindo na medida em que os modelos se aperfeiçoam e a maneira de interrogá-los (prompts) fica mais sofisticada. Olhando processos de amadurecimento tecnológico que ocorreram no passado, é provável que em pouco tempo esse aspecto perca relevância.
Falando em confiança (essencial nas relações, inclusive econômicas), mesmo análises ou recomendações de investimentos feitas por humanos podem ter – e frequentemente têm – uma carga expressiva de dados, gráficos, correlações, cálculos, longitudinais e afins que são organizados e processados por não humanos.
Como é que comparações e cálculos entre centenas de ações e outros ativos da Bolsa de Valores, ao longo de décadas, com milhares de pregões e bilhões de reais negociados em apenas um dia, são processados e demonstrados graficamente em fração de segundo nas telas dos investidores e dos mesmos analistas que “desconfiam” de IA e de outras tecnologias?
Mesmo recomendações “humanas” e “analógicas” podem se valer (e frequentemente se valem) de dados que não foram calculados por humanos. Isso vai desde a automação do “ticker” na hora de se comprar ou vender uma ação até o extrato bancário de uma década inteira que você obtém imediatamente. Sua confiança parece ser maior no “sistema” que envia no mesmo segundo... Ainda que o “sistema” seja criado e operado por humanos, há camadas e processos automatizados, sem falar nos sistemas (e nos opcionais de inteligências) com supervisão própria.
Uma olhada simples no Home Broker, especialmente em sua parte gráfica e todos os dados e operações envolvidos, já sinaliza que não são apenas humanos a atuar ali. Assim, a influência da automação e outras estratégias tecnológicas pode ser em princípio mais forte nas chamadas análises gráficas ou análises técnicas de investimentos (fortemente alicerçadas nos gráficos mostrados no Home Broker, por exemplo, e usadas em muitos estudos e recomendações).
Mas mesmo a análise fundamentalista (que costuma mirar mais nos fundamentos da companhia do que propriamente nos gráficos e suas oscilações) pode se valer de diversos dados dificilmente calculados apenas por humanos. Ainda que tenham supervisão geral humana, imagine quanto de automação existe, por exemplo, em balanços de companhias multibilionárias, ao longo de décadas? E algumas empresas listadas na Bolsa existem há mais de um século! Além disso, muitos materiais utilizados para estudos e para tomada de decisão são cada vez mais produzidos por IA generativa ou outras tecnologias. São relatórios, extratos, muitos dos principais bancos de dados do mundo e até telejornais em alguns países, que são apresentados por robôs que por vezes leem matérias escritas por... robôs (inclusive no Brasil também há matérias jornalísticas escritas por robôs).
Tem mais: além da automação de operações (uma velha conhecida), existem também os chamados “robôs investidores” já faz um tempinho. Eles operam via algoritmos, são ofertados especialmente por fintechs (startups da área financeira) e se integram a corretoras, bancos etc.
Os desenvolvedores de robôs investidores defendem (quando ainda precisam) a segurança e confiabilidade da tecnologia, que consegue gerir patrimônio e fazer recomendações, inclusive quanto ao momento certo de comprar ou vender um ativo. O investidor configura perfil e metas e os robôs passam a gerir a conta.
Apesar de criados na década de 1990 para auxiliar as Bolsas de Valores, os robôs investidores ou robôs de investimento se popularizaram mais recentemente. Inclusive, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) editou, lá em 2021, a Resolução 19 e a atualizou em 2023 (via Resolução 179). Mas, desde 2021, a CVM já classificava esses robôs entre robôs traders e advisors (consultores e gestores).
Recomendar investimentos e gerir portfólios é algo que já vem sendo feito por robôs no Brasil e em outros países, mas, com os avanços gráficos e comportamentais, especialmente de IAs generativas, mídias sintéticas e outras tecnologias, a próxima fronteira pode ser a ampliação das possibilidades e dos papeis desses robôs. Aqui convém falar dos finfluencers, influenciadores humanos na área de finanças/investimentos. A ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) desenvolveu estudos sobre eles e, no final de 2023, anunciou novas regras para contratação de influenciadores digitais para publicidade de produtos de investimento, enquanto a CVM divulgou, também em 2023, a intenção de regulamentar sua atuação. Mas, com o crescimento recente de influenciadores não humanos (alguns são “VIs”, ou Virtual Influencers, com boa carga de IA e altamente humanizados), vem mais uma pergunta-provocação: haverá também ascensão de finfluencers não humanos?
Numa visão mais próxima dos ecossistemas de inovação, não é raro ampliar tecnologias e plataformas para oferecer operações financeiras, investimentos e outras possibilidades, ao mesmo tempo alcançando mais do que a vida financeira dos usuários. Isso vai desde apps que se tornam super apps (com operações financeiras embarcadas), tais como: Mercado Livre (NASDAQ:MELI) (B3 (BVMF:B3SA3): MELI34 (BVMF:MELI34)), Magalu (B3: MGLU3 (BVMF:MGLU3)) e WhatsApp, da Meta (NASDAQ: META), por exemplo, até o SouGov e o PIX, que vêm sendo apontados como fortes potenciais para também se tornarem super apps ou plataformas amplas de serviços.
Mas a pergunta-provocação final envolve uma pesquisa da Universidade do Sul da Califórnia que mostrou, ainda em 2020, que robôs terapeutas pareciam despertar mais abertura e confiança em humanos do que terapeutas de carne e osso. E isso antes de os robôs terem a riqueza imagética dos VIs e terem toda a desenvoltura de um ChatGPT da vida. O robô investidor foi só mais uma etapa – já superada – na ampla transformação da confiança da humanidade em diferentes tecnologias, no mundo dos investimentos e em outras camadas nossas de cada dia. A pergunta é: você está preparado para os avanços que substituirão o seu robô investidor de estimação?
*Professora e coordenadora do Centro de Estudos em Estratégia e Inovação do COPPEAD/UFRJ
** Professor e coordenador do Centro de Empreendedorismo, Inovação e Startups (6 COM C/UFRN) e Pesquisador no COPPEAD/UFRJ
*** Professor do MBA Executivo e Pesquisador no COPPEAD/UFRJ