O mercado financeiro sofre de um grave problema: a difusão da ideia de que para investir bem você precisa atuar ativamente no mercado financeiro. Seja por conta própria ou com auxílio ou intermédio de profissionais, a ideia é que você precisa saber escolher bons ativos, acertar o preço na hora de comprar e de vender, de forma consistente, ao longo de vários anos. Dessa forma, conquistaria, ao prazo de vários anos, um retorno muito acima da média.
Acontece que, apesar de atraente, esse modelo não se sustenta e as evidências acumuladas por estudos científicos são praticamente unânimes em dizer que a gestão ativa é inútil. Não só ela aumenta significativamente o risco da carteira, como fracassa de forma generalizada em seu propósito de “vencer” a média do mercado global ou um índice amplo, como o S&P 500.
Entretanto, a gestão ativa é altamente lucrativa para instituições financeiras que ganham com as altas taxas de administração e performance, corretagens, bonificações, rebates... Quando se pensa por esse lado, faz muito sentido vermos o quanto corretoras e seus escritórios estimulam o giro de carteira – afinal, tudo que você gasta para investir vira receita para a instituição.
Isso não significa que você não deva investir em ações ou buscar bons ativos de renda fixa, mas sim que você não deve gastar tempo, energia e dinheiro tentando vencer o mercado. Se nem os melhores e mais capacitados fundos conseguem, não há razão para achar que você será a exceção.
O que você pode fazer é acatar as sugestões dadas pela comunidade científica da área de finanças e gestão de portfólio, após décadas de pesquisas realizadas em todo o mundo. A principal delas é que, ao invés de tentar superar os índices amplos de mercado, você simplesmente busque replicá-los com o menor custo possível através de ETFs ou fundos de investimento.
Disciplina e paciência, nesse caso, se tornam as virtudes fundamentais para uma vida financeira saudável. Notadamente, a disciplina de manter as contas em dia, fazer seus aportes regularmente, controlar os gastos. Por outro lado, a paciência de continuar acumulando recursos, esperar os rendimentos de longo prazo e não buscar soluções rápidas, cujo sucesso depende quase que exclusivamente da sorte.
O que é a média do mercado
Tanto na renda variável quanto na renda fixa, o retorno médio de um mercado é dado por um universo representativo da maioria dos ativos que o compõe, com a composição da média refletindo o peso de cada ativo. Por exemplo, a média do mercado global de ações inclui mais de 9 mil ações negociadas em dezenas de países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, de acordo com a proporção do mercado total que representam.
A razão para que essa seja a melhor alternativa em termos de um investimento em renda variável é que ela traz o maior grau de diversificação possível. Isso é fundamental porque sabemos que uma minoria das ações é responsável por praticamente 100% dos ganhos do mercado acima da taxa livre de risco e não há forma nenhuma de saber, de forma antecipada, quais serão essas ações. Logo, o caminho mais racional é ter, em alguma medida, todas as ações.
Não apenas porque isso nos permite ter um ganho próximo a média do mercado como um todo, mas porque o preço que se paga por não ter essas ações é altíssimo. No caso do mercado americano, 96% das cerca de 25 mil ações listadas para negociação entre 1926 e 2016 tiveram um rendimento acumulado que é o mesmo do tesouro americano com vencimento de um mês, considerado livre de risco. O artigo completo, por Hendrik Bassembinder, está disponível aqui.
Como um número muito pequeno de ações, no longo prazo, é que definirá o ganho médio do mercado acima da taxa livre de risco, isso nos permite fazer um questionamento um pouco mais profundo. Ganhar da média do mercado, num horizonte de quinze ou vinte anos, significa antecipar quais serão as empresas que se darão muito bem num futuro totalmente incerto, ao mesmo tempo que se desfaz daquelas que terão performance mediana ou ruim.
Tudo isso de forma consistente e antes do resto do mercado fazer o mesmo, afetando a média total para cima, incluindo-se aqui o fato de que existem milhares de empresas, dezenas de países, custos de negociação, impacto cambial e, claro, eventos imprevisíveis de natureza política, climática, corporativa, etc.
Isso é o que faz com que a média total do mercado, ou dos mercados, seja praticamente impossível de ser batida. Mas também, o que faz com que a paciência e a disciplina sejam muito mais importantes para uma jornada de sucesso do que a capacidade, cientificamente inexistente, de antecipar o futuro ou se manter vários anos na frente do mercado como um todo.
Como construir uma carteira passiva
Carteiras passivas são fáceis de serem administradas e podem ser implementadas por qualquer pessoa, mas isso não significa que tal processo seja simples. Na raiz da questão está a definição de quanto irá para a renda fixa e para a renda variável, visto que a segunda precisa ter foco no longo prazo (acima de dez anos). E ainda assim, há o risco de uma grande crise ou declínio global afetar de forma grave o rendimento.
Daí que a atividade de consultoria de investimentos, na atualidade, esteja se voltando cada vez mais para aspectos comportamentais do que para a busca por retornos que, em tese, superam o mercado no longo prazo. Esse processo visa tanto educar quem vai investir sobre sua relação com o dinheiro, com o tempo e com seus objetivos pessoais, quanto fornecer as bases para uma carteira adequada ao perfil de investimento individual, culminando num plano de curto, médio ou longo prazo.
Como a parte técnica, ao menos para quem acompanha a literatura científica, é largamente definida por investimentos passivos, o papel de quem oferece consultoria vai no sentido de educar as pessoas e de mantê-las com foco nos resultados de longo prazo. Mais ainda, estimulando-as a encarar as finanças como algo que pode e deve contribuir para a qualidade de vida, através do planejamento, da preparação, do alinhamento de expectativas, etc.
*André Salmerón é consultor de valores mobiliários autorizado pela CVM, além de colaborador do Investing.com Brasil. Nenhuma das informações prestadas deve ser considerada recomendação de investimento.