No meu último artigo publicado aqui no Investing.com eu destaquei aquela que talvez seja a principal conclusão que eu alcancei em nível pessoal após quase seis anos de pesquisa, sendo quatro anos no âmbito do meu doutorado no COPPEAD/UFRJ em Julgamento e Tomada de Decisão e em Economia/Finanças Comportamentais: o Homo Sapiens que emerge das descobertas científicas das últimas décadas é um ser que é muito menos hábil do que se imagina para tomar decisões complexas, porém muito mais capaz do que se supõe em se aprimorar nesta atividade crucial.
Descobrir que somos extremamente falíveis na tomada de decisões complexas é chocante e frustrante, sobretudo para alguém como eu com formação originalmente em Ciências Exatas e que sempre acreditou na supremacia da lógica e da razão. Contudo, isto não foi completamente surpreendente para mim após, ao longo de muitos anos, eu mesmo protagonizar uma série de erros decisórios graves (e não apenas em investimentos) e também testemunhar o mesmo fenômeno ao meu redor numa miríade de contextos financeiros e não financeiros, em alguns casos envolvendo milhões de reais.
Por outro lado, a segunda parte da conclusão acima – a nossa notável e subestimada capacidade de nos aprimorarmos na tomada de decisões – oferece a oportunidade de iniciarmos e empreendermos um processo pessoal de melhoria contínua. Como isto exige conhecimento, autoconhecimento, perseverança e disciplina em níveis que muitos investidores em particular e indivíduos em geral não dispõem ou não têm condições de obter, quem se dedicar adequadamente a esta empreitada se diferenciará cada vez mais. A abordagem que eu detalhei nos meus primeiros artigos publicados aqui no Investing.com é um dos caminhos possíveis para isto.
A nossa limitação na tomada de decisões complexas resulta basicamente de dois fatores: a “racionalidade limitada” e as heurísticas e vieses decorrentes da mesma; e o descasamento crescente entre o ritmo da nossa evolução cognitiva como espécie e o aumento cada vez mais acelerado da complexidade do mundo que habitamos e, por consequência, também das decisões que necessitamos tomar. Como na Ciência a racionalidade de um processo decisório é avaliada de acordo com a consistência entre as decisões tomadas, é fundamental compreendermos dois aspectos determinantes do comportamento de cada indivíduo e que, conjugados, limitam a nossa consistência decisória: a questão “nature” vs. “nurture” e a ação combinada do “efeito posição” com o “efeito disposição”.
NATURE VS. NURTURE
O proeminente e, por vezes, acirrado debate histórico sobre em qual medida o comportamento humano é determinado por características inatas – originárias da “natureza” (“nature”) – e por características adquiridas – originárias da “criação” (“nurture”) – remonta, pelo menos, ao período clássico da Grécia Antiga com Platão. Não somente a Filosofia, mas diversas outras áreas, tais como a Biologia, a Psicologia, a Neurociência, entre outras, trataram e continuam a tratar deste relevante tema.
A visão predominante atualmente, fundamentada principalmente nos significativos avanços científicos das últimas décadas, é a de que somos o resultado de intrincadas interações entre a nossa “natureza” (genética individual) e a nossa “criação” (ambiente físico e sociocultural com o qual interagimos ao longo da vida). Cada uma delas apresenta um grau de influência que varia consideravelmente de acordo com a característica estudada. Por exemplo: a inteligência é fortemente condicionada pela genética – estudos identificam uma correlação de até 74% no Q.I. de gêmeos idênticos criados separadamente –, enquanto que no que se refere aos traços de personalidade há um maior equilíbrio entre genética e ambiente.
EFEITO POSIÇÃO E EFEITO DISPOSIÇÃO
O “efeito posição” consiste na influência do contexto (ambiente circunstancial, como p.ex. a posição de alguém em uma determinada transação financeira) exercida sobre o comportamento momentâneo de um indivíduo. Já o “efeito disposição” é a influência das características pessoais inatas (“nature”) e adquiridas (“nurture”) sobre este mesmo comportamento. Ou seja, o “ser” (“efeito disposição”) é condicionado pelo “estar” (“efeito posição”).
RESULTADO: DECISÕES INCONSISTENTES
Portanto, as nossas decisões tendem fortemente à inconsistência – e, assim, a nos levar a algum grau de “irracionalidade” sob o critério científico citado acima – tanto a curto quanto a longo prazos.
A curto prazo porque o “efeito posição” varia frequentemente, inclusive dentro de um mesmo dia. Há numerosas pesquisas demonstrando o quanto até mesmo pequenas variações no contexto – forma e ordem nas quais as informações são apresentadas, horário do dia, se estamos sozinhos ou em grupo, etc. – influenciam a tomada de decisões.
A longo prazo porque o componente “nurture” do “efeito disposição” também varia à medida que o ambiente com o qual interagimos sofre alterações ao longo da nossa vida e o seu efeito cumulativo resulta em mudanças contínuas nas nossas características pessoais. Deste modo, é perfeitamente possível que aquela decisão de investimento que você tomou há dois anos fosse distinta se fosse tomada hoje, mesmo que ambos os contextos fossem rigorosamente idênticos.
Diante de tudo isto, a Ciência nos força a admitir que “estamos” muito mais do que “somos”, ou seja, temos uma natureza volúvel e fluida que implica uma permanente transformação das nossas características mais essenciais.
“A melhor definição que posso dar de um homem é a de um ser que se habitua a tudo.” (Dostoiévski).
Para lidar com tamanho desafio e aumentar a nossa consistência decisória, dois dos quatro componentes primordiais da abordagem que tenho apresentado aqui no Investing.com possuem papel ainda mais destacado do que os demais: o “processo decisório” e a “implementação”.
* Ronaldo Deccax é Doutor em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, Mestre em Administração com ênfase em Estratégia, pesquisador e professor convidado no COPPEAD/UFRJ e consultor em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn em linkedin.com/in/ronaldo-deccax-phd-169217.