Na época do governo militar brasileiro, os EUA e outros países associados à OTAN eram conhecidos como “primeiro mundo”. Enquanto a União Soviética e seus aliados formavam o “segundo mundo”, nós éramos relegados à categoria de “terceiro mundo”. Anos depois esses termos caíram em desuso e passamos a ser chamados de “país emergente”. Criado em 2001, o acrônimo BRIC apadrinhou-nos e, pouco depois, viríamos a figurar entre os quatro principais países sob os holofotes dos investidores internacionais.
Os juros reais negativos nos EUA da década de 1970 certamente contribuíram para o milagre econômico brasileiro, trazendo para cá mais capital estrangeiro. A partir de 2002, a mesma situação de juros reais negativos por lá, e maior entrada de capital estrangeiro por aqui, se repetiu. Mais uma vez, o Brasil se beneficiou com outra notável melhora no desempenho econômico nacional, permitindo a ascensão das classes C e D.
Escrevendo um texto anterior sobre a taxa dos juros norte-americanos, eu não havia me preocupado em comparar estes avanços econômicos nos dois governos, militar e petista. Procurei então alguns dados que me ajudassem a quantificá-los. Com tanta inflação entre um e outro, adotei como medida o PIB real brasileiro (já descontada a inflação) convertido para dólares (pelo câmbio de 2005 e ajustados em valor constante do seu poder aquisitivo no ano 2000). Os dados utilizados são do Banco Mundial e podem ser visualizados no gráfico abaixo:
O gráfico acima, do PIB real brasileiro dolarizado, está em escala logarítmica, ou seja, a inclinação da linha torna-se de fato relevante. Distâncias iguais no eixo vertical refletem ganhos percentuais iguais.
Já o gráfico de barras mais abaixo mostra o crescimento do PIB real total e PIB real per capita na média anual de ambos os governos.
O nosso PIB real (em dólares constantes) durante o governo militar apresentou um crescimento médio anual de cerca de 6,0% (entre 15/abril/1964 e 15/março/1985), enquanto a taxa per capita ficou na média de 3,5% ao ano. Durante o governo petista (de 1/janeiro/2003 a 31/dezembro/2012) o crescimento médio anual foi de 3,6%, já o crescimento per capita ficou na média de 2,53% ao ano.
Na história de Portugal, o golpe militar de 25 de abril de 1974 teve como objetivo acabar com o regime político autoritário que já vigorava lá havia 41 anos, a fim de restituir a democracia ao país. Contudo, o golpe militar brasileiro que aconteceu dez anos antes teve objetivo diferente, cerceando o estado democrático de direito em nosso país e tomando para os militares o poder de conduzir o país. Para aqueles que não me conhecem pessoalmente, gostaria de deixar bastante claro que nunca simpatizei com o governo militar autoritário. Muito menos com suas atrocidades cometidas contra a liberdade política e de expressão no Brasil. Entretanto, a redemocratização brasileira não foi conquista ou mérito do PT. Foi algo muito mais amplo e que aconteceu quase duas décadas antes do partido dos trabalhadores chegar ao governo em 2003. Mas minha abordagem aqui é puramente econômica, sem considerar quaisquer outras implicações, qualificações ou desqualificações pertinentes a qualquer dos regimes.
Eu me concentrei apenas nesses dois governos, pois foram neles que as taxas de juros reais negativas nos EUA causaram uma fuga da renda fixa de lá, aumentando a oferta de capital estrangeiro para o Brasil. Vale lembrar que, de 2002 até agora, os juros reais negativos foram mais constantes e prolongados do que na década de 1970. Outro fator que merece ser salientado é que o crescimento no governo militar já havia se mostrado bastante forte desde 1968, vários anos antes dos juros reais serem negativados nos EUA.
É evidente que no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) o crescimento foi menor que no governo petista, mas ele não teve qualquer ajuda de juros reais negativos nos EUA que estimulassem o aporte de capital estrangeiro aqui. Pelo contrário, Fernando Henrique Cardoso teve que lidar com a alta dos juros norte-americanos atraindo para lá parte do capital internacional. Também houve um maior temor dos investidores internacionais em relação aos países emergentes, como consequência de repetidas adversidades econômicas envolvendo várias dessas economias menores. Apenas lembrando, FHC tomou posse dias depois da crise mexicana assustar os investidores internacionais em dezembro de 1994, exigindo que o governo dos EUA intervisse com um massivo auxílio financeiro ao México (a crise “tequila” do peso mexicano estava relacionada à alta dos juros nos EUA em 1994). Dois anos e quatro meses depois da séria crise mexicana, veio a crise asiática, iniciada em maio de 1997 na Tailândia e se alastrando por Malásia, Filipinas, Indonésia, Cingapura, Hong Kong e Coréia do Sul. No rastro, logo vieram a crise da Rússia em 1998 e, depois, a nossa própria crise do real em 1999. A bolha de tecnologia e internet nos EUA veio na sequência, no ano 2000. Por fim, o ataque às torres gêmeas de NYC em 11/set/2001 também gerou receios na economia internacional. Para o azar do governo de FHC, essas crises diminuíram o investimento estrangeiro nos países emergentes. Os juros reais negativos nos EUA e o aumento da liquidez financeira global para os emergentes só se iniciaram ao fim de 2002, bem no final do seu mandato.
Lula já iniciou seu governo em janeiro de 2003 com um cenário bem mais benigno para o Brasil. Os juros reais negativos nos EUA e a popularização da sigla BRIC estavam começando a estimular o ingresso de muito capital estrangeiro em nossa economia. Seu maior mérito foi manter a política econômica que herdara de FHC. E se a crise iniciada em 2008 foi de fato uma das mais sérias da história recente, ela não se originou em qualquer economia emergente, mas sim nas economias avançadas dos EUA e Europa. A retomada das políticas de afrouxamento monetário nos países mais avançados só veio a prolongar ainda mais os juros reais negativos por lá e o ingresso de capital estrangeiro por aqui.
Lamentavelmente, o governo não preparou o Brasil durante os anos de fartura. Nossa infraestrutura está sucateada. Nossos impostos continuam abusivos, abocanhando uma fatia enorme da renda nacional, sem que sejam revertidos em benefícios para o desenvolvimento do país e da população brasileira. Parafraseando aquilo que já foi dito e repetido muitas vezes: no Brasil, temos impostos a níveis suecos e retornos públicos a níveis africanos...
O governo petista de Dilma, em vez de consolidar o setor produtivo e os investimentos estrangeiros, propiciando um ambiente de maior coerência e confiança, tentou foi dominar a economia no braço! Interferiu nos juros básicos, nas tarifas de energia, na lucratividade das operações de empresas estatais, na maquiagem criativa das contas públicas, no represamento de preços controlados... E sua política vem se mostrando frequentemente equivocada e improdutiva.
Talvez a visão dos gráficos acima possa nos dar uma melhor percepção da situação brasileira, e nos auxilie a votarmos de forma consciente em 2014. Os dois longos períodos de juros reais negativos nos EUA foram de fato excelentes chances para o Brasil se financiar de forma fácil e farta. Apesar de termos tido um crescimento mais dinâmico durante o governo militar da década de 1970, a elevação dos juros norte-americanos atraiu rapidamente o capital estrangeiro de volta, para fora do Brasil, a partir de 1981. Nosso PIB per capita se retraiu por 3 anos seguidos: 1982, 1983 e 1984. A reversão econômica foi tão rápida e séria que os próprios militares não quiseram segurar o abacaxi e permitiram a redemocratização da política brasileira.
Infelizmente, o governo PT não foi melhor no campo econômico. O generoso financiamento externo deveria ter sido investido com responsabilidade e visão de longo prazo, de forma a nos fortalecer antes que os ventos favoráveis deixassem de soprar. Tanto falatório em torno dos BRICs parece ter nos dado a contraproducente sensação de que, doravante, tudo seria muito fácil em matéria de capital estrangeiro. Mas nosso país corre o sério risco de ver pela frente outro forte êxodo de capital. O inchaço do governo, com 39 ministérios e um número abusivo de assessores, funcionários e despesas, em vez de contribuir para o dinamismo, contribui apenas para maiores gastos e inflação no Brasil (ironicamente quando a deflação tem sido a maior ameaça em boa parte da economia global). A falta de investimentos inteligentes em infraestrutura, apoio à indústria e a todo o setor produtivo (sem favoritismos) enfraquece a produtividade. Com a oferta debilitada e frequentes estímulos do governo ao consumo, a inflação insiste em permanecer bem acima do centro da meta (4,5%) e muito próxima do teto (6,5%).
O cenário brasileiro se aproxima de uma estagflação: estagnação do crescimento econômico, com persistente inflação do custo de vida. Se, mesmo com os juros reais nos EUA ainda negativos, já sentimos essa desaceleração econômica marcante no Brasil, o que será da nossa economia quando os juros lá fora voltarem a subir e causarem uma inversão no fluxo do capital estrangeiro?
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Texto de Sebastião Buck Tocalino. Direitos autorais protegidos pela lei 9.610/98.
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