Já tínhamos abordado neste espaço que, assim como na "Era Dilma" da fase de impeachment, os mercados seriam primordialmente sensibilizados pelo caminho político. Já na fase de Bolsonaro, nos seus melhores momentos, a área econômica e o projeto liberal tinham dado o tom para os investidores.
Pois bem, faz tempo que temos novamente alertado para o aspecto político influenciando decisões de investimento no Brasil, e o cenário não se mostra tão atraente. Primeiro que Bolsonaro tende sempre a chamar a atenção para coisas menos relevantes, para tirar o foco do essencial que seria um projeto de governo para a economia, mas também sobre as críticas para ele e as investigações envolvendo seus familiares e agregados.
Juntamos a isso o quadro político onde a base de apoio do governo é fluída, não determinações e sugestões de projetos importantes para a economia e, mais recentemente, atravessamos época de recesso e, principalmente de eleição para às duas casas do Congresso, com intensa disputa e envolvimento do presidente, o que acirra os ânimos. Bolsonaro teve que interferir para tentar emplacar Arthur Lira na Câmara e Rodrigo Pacheco no Senado.
Mas os discursos recentes de ambos trouxeram mais dúvidas aos investidores. Lira e Pacheco parecem favoráveis à extensão do auxílio emergencial, abriram com isso espaço para carta de secretários de Fazenda dos Estados para estender por mais seis meses, mas a dura realidade é que não existe espaço fiscal para tal sem comprometer ou alterar o teto de gastos, situação que afastaria ainda mais os investidores externos tão necessários, e quase que certamente levaria ao downgrade pelas três principais agências de classificação de risco de crédito em prazo razoavelmente curto, após sinalizado.
As entrevistas dos candidatos do governo para Câmara e Senado já fizeram a primeira baixa, na figura do presidente da Eletrobras (SA:ELET3), incansável defensor da privatização da empresa que precisa ser capitalizada e o governo não tem margem de manobra para fazer. Wilson Ferreira, ex- CPLF, pediu demissão da presidência da companhia, e com isso, deixou ainda mais distante a privatização. Leitura também num plano geral para outras privatizações de muito menor importância, como os Correios, e a conclusão que nesse governo será difícil alguma privatização mais importante.
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Esses são somente alguns detalhes. Investidores começam a ser cáusticos com reformas. A reforma tributária pode até andar e ser aprovado um arremedo bem menor que o desejável, a administrativa não tem muitas condições de andar, pois falta apoio do Congresso e a PEC 45 também será muito alterada. Certas situações, com autonomia do Bacen, podem prosperar, mas seriam situações de menor importância diante das reformas e ajustes requeridos.
Lembramos que a janela factível para dar seguimento em reformas e ajustes na economia deve começar a se encerrar lá para o final do ano, digamos outubro ou novembro, por conta de parlamentares já começarem a ficar envolvidos com a eleição majoritária e estadual. Aí, novamente, deixaremos de ter clima favorável para aprovar qualquer mudança mais substancial, principalmente aquelas que não tenham relação com a vertente populista.
Lamentavelmente o Brasil não pode esperar tanto tempo para reformas e ajustes de vulto, sem ficar absolutamente prejudicado na condução da política econômica. A falta de endereçamento objetivo do que fazer já começa a ocasionar estragos na percepção de todos e tende a forçar o governo para uma vibe mais populista, já que Bolsonaro vem mostrando tendência de queda consistente na aprovação de seu governo. Se perder apoio popular e o nível de aprovação cair muito, abre brecha para que os ruídos sobre impeachment aumentem e poder ser possível a instauração de processo, notadamente pela postura sobre pandemia, vacinas negadas, aglomerações; até pelas mortes que vão chegando a 215 mil e que podem ser jogadas no seu colo.
A Nau Brasil está sem rumo, mas como diz o ditado chinês, “eu não posso alterar a direção do vento, mas posso mudar a as velas”.