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Tudo o Que os Russos e Sauditas Querem É Ver o Petróleo Americano Abaixo de Zero

Publicado 23.04.2020, 11:00
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Donald Trump chama pelo menos um deles de “amigo” e já falou ao telefone com o outro quatro vezes só neste mês.

Mesmo assim, poucos poderiam estar mais felizes do que o príncipe saudita Mohammad bin Salman, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, com a histórica queda do petróleo americano abaixo de zero dólares. Finalmente, algo que há anos era esperado pelos dois líderes com estreitos laços com o presidente norte-americano parecia possível: a lenta e garantida destruição da indústria de shale oil nos EUA, que levará muitos anos para se levantar.

WTI May Contract Price Chart

A pandemia de coronavírus reduziu a demanda petrolífera como o mundo jamais poderia ter imaginado, uma vez que cerca de quatro bilhões de pessoas, ou metade da população do planeta, enfrenta algum tipo de restrição de mobilidade.

E não é só o petróleo americano West Texas Intermediate que está tendo dificuldades para encontrar compradores: o Arab Light (SA:LIGT3) LIGT3, da Arábia Saudita; o Dubai, dos Emirados Árabes Unidos; o Bonny, da Nigéria; os Urais, da Rússia; e o Brent, do Mar do Norte no Reino Unido, estão sendo sufocados em um mercado cada vez mais inundado por uma produção que está caindo a um ritmo muito mais lento do que a demanda.

Mas o desafio enfrentado pelo WTI é muito maior do que as frações concorrentes, na medida em que o espaço de armazenagem de petróleo nos EUA parece estar se esgotando mais rápido do que em qualquer outra parte do mundo.

Até a segunda-feira passada, o centro de Cushing, Oklahoma, que serve de ponto de entrega dos contratos futuros do petróleo americano, registrou cerca de 60 bilhões de barris em estoque, contra uma capacidade de 90 milhões.

Pesadelo dos estoques

Se os estoques de Cushing continuarem nesse ritmo de acúmulo – uma média semanal de 16 milhões de barris ao longo das últimas três semanas –, analistas afirmam que o centro pode atingir sua plena capacidade em meados de maio ou nas primeiras semanas de junho, no mais tardar.

Existem outros meios de armazenar o WTI, como oleodutos, vagões de trens e até mesmo a Reserva Petrolífera Estratégia do governo americano que, de acordo com Trump na segunda-feira, poderia acomodar outros 75 milhões de barris. Mas, até mesmo se incluirmos tudo isso, a capacidade atual dos EUA giraria em torno de 150 a 200 milhões de barris, segundo a Rystad Energy, uma consultoria sediada em Oslo, Noruega.

Depois que a capacidade de Cushing se esgotar no início de junho, seriam necessárias de seis a oito semanas no máximo para que todos os outros meios de armazenamento se esgotassem no mercado americano, onde a produção está caindo mais rápido do que em qualquer outra parte do mundo, embora não na velocidade necessária para fazer frente à destruição de demanda da Covid-19.

Até a semana passada, a produção havia caído apenas 800.000 barris por dia (bpd) em relação à máxima recorde de 12,3 milhões de bpd em março. O número de sondas nos EUA em operação caiu 35% no mesmo período, embora seja um indicador atrasado que só fornecerá informações pertinentes daqui a cinco semanas.

Tudo isso fez com que o WTI se tornasse uma presa fácil para russos e sauditas em busca de uma participação de mercado maior assim que a pandemia arrefecer. A estratégia é fazer o jogo de Trump, pedindo um corte de produção, mas sem chegar a prejudicar seus mercados e clientes.

Riad também está empregando táticas mais inteligentes que o Kremlin, ao oferecer generosas condições de crédito às refinarias que adquirissem o petróleo da estatal Saudi Aramco (SE:2222), além de grandes descontos a clientes asiáticos, ao mesmo tempo em que tranquilizava Trump ao subir os preços do petróleo enviado aos Estados Unidos.

As “bombas” sauditas

Não obstante a isso, a expectativa é que vinte petroleiros sauditas cheguem aos portos de Louisiana e do Texas no fim de maio para descarregar ao todo 40 milhões de barris de petróleo, de acordo com fontes das empresas de inteligência de mercado Vortexa Ltd. e Kpler Inc., em entrevista ao periódico Wall Street Journal.

O petróleo saudita chegará a um mercado que já está praticamente nadando em petróleo americano. Os carregamentos que estão chegando aparentemente já têm compradores predefinidos. Embora o jornal não tenha identificado os clientes, a Motiva, maior refinaria dos EUA, localizada em Port Arthur, Texas, e com capacidade para processar 630.000 barris por dia, pertence aos sauditas.

“Imagine que sejam 20 ‘bombas’ em direção aos EUA, como nos romances de Tom Clancy”, declarou John Kilduff, sócio fundador da consultoria de energia nova-iorquina Again Capital.

“Esse é o nível de destruição que esses petroleiros podem gerar aos produtores de shale oil em um mercado que já está inundado de petróleo americano.”

“Depois disso, a expectativa é que os sauditas continuem oferecendo seus grandes descontos aos clientes asiáticos e um prazo creditício de 90 dias a outras refinarias com base em sua política de terra arrasada”, disse ainda Kilduff, referindo-se à estratégia militar que busca destruir tudo o que possa ser útil ao inimigo durante um recuo de uma posição.

A ironia é que isso está acontecendo apesar do acordo de corte de produção da chamada aliança Glopec entre a Opep, liderada pelos sauditas, e um grupo mundial de produtores, que conta com a participação da Rússia e dos Estados Unidos.

O próprio Trump intermediou esse pacto para recuperar o preço do petróleo norte-americano, que estava sendo cotado abaixo de US$ 20, ao ligar para o príncipe Mohammad, a quem descreveu como seu amigo, e depois para o presidente Putin. Trump e o líder russo se falaram ao telefone por quatro vezes em abril, a fim de discutir esforços conjuntos contra a crise do coronavírus.

Para fins de registro, a Rússia e a Arábia Saudita haviam firmado três pactos de produção entre si nos últimos quatro anos, antes do desacordo em março provocado pela guerra de preços e produção, a qual, em conjunto com a Covid-19, gerou uma tempestade perfeita nos preços do petróleo.

Corte absolutamente inadequado

O objetivo declarado da Glopec de remover 9,7 milhões de bpd do mercado mundial ficou bem abaixo da queda de demanda estimada, que deve ficar entre 20 e 30 milhões de barris diários nos próximos meses.

Além da queda do consumo, é preciso considerar ainda uma recessão amplamente esperada nos EUA – senão em todo o mundo – no segundo semestre do ano, em razão das dezenas de milhões de empregos perdidos pelos americanos.

Embora os russos tenham demonstrado maior aderência ao espírito da Glopec ao manter seus planos de produção em segredo, Dmitry Medvedev, vice-presidente do conselho de segurança do Kremlin, declarou, na segunda-feira, que Moscou estava pronto para vender petróleo em contratos com preço fechado, uma medida que buscava proteger sua participação de mercado.

Os vinte navios-tanque sauditas com destino aos Estados Unidos foram aparentemente enviados antes do acordo Glopec de 20 de abril, o que dificultou uma ação de oposição por parte do governo Trump.

Kevin Cramer, senador do partido republicano do presidente, vinha pressionando nas últimas semanas para que o governo impusesse tarifas sobre qualquer petróleo que entrasse em território americano, incluindo o saudita e o russo, a fim de proteger a indústria do país. Trump, ao ser questionado por repórteres no início da semana, afirmou que estava analisando as tarifas, mas sem se aprofundar muito no assunto.

Pouca escapatória para a indústria norte-americana

Até mesmo esses encargos de importação contribuiriam pouco para salvar a indústria de shale oil dos EUA.

“Hipoteticamente, qualquer tarifa sobre as importações petrolíferas poderia afastar os petroleiros sauditas dos EUA, mas o petróleo continuará sendo um estoque flutuante em águas internacionais, o que não ajuda nada o cenário geral do petróleo", declarou Tariq Zahir, gerente da consultoria de petróleo Tyche Capital Advisors em Nova York.

“[O espaço de armazenagem de] Cushing com certeza vai se esgotar antes de maio. Os produtores americanos podem começar a ficar sem espaço para estocar seu petróleo até lá, sendo que muitos podem interromper a produção e entrar em falência”, afirmou Zahir.

"Basicamente, tudo o que os russos e sauditas fizeram nas últimas semanas foi tripudiar de Trump. Se a demanda voltar em dezembro ou janeiro, os russos e sauditas terão ganhado uma tremenda participação de mercado ao vender todo o seu petróleo em estoque, inclusive o flutuante, por todas as partes".

Ele disse ainda que o shale oil se recuperará, mas de maneira muito mais fraca e diferente.

“Empresas vão falir. Haverá um dano permanente na indústria de fraturamento e perfuração offshore e em águas profundas. Como existe um excesso de oferta muito grande, levará um ou mais anos para que isso seja solucionado. Voltarão a surgir concorrentes mais fracos, e grandes players como Exxon (NYSE:XOM) e Chevron (NYSE:CVX) ficarão preocupados com seu balanço patrimonial se o petróleo passar muito tempo cotado em torno de US$ 20.”

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