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Ancoragem: o Viés Psicológico Capaz de Afundar Seus Investimentos

Publicado 17.06.2020, 09:07
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Analisar investimentos que poderíamos ter feito no passado com a informação que temos no presente é a receita perfeita para a infelicidade e o autoengano. É claro, olhando em retrospecto, é fácil ganhar dinheiro em qualquer cenário, mesmo no conturbado ano em que estamos vivendo: bastaria vender bolsa na sua máxima histórica em janeiro, quando o Ibovespa se aproximava dos 120 mil pontos, para depois recomprarmos em março, quando o índice atingiu as mínimas do ano, próximo à região dos 60 mil pontos.

De março até hoje a bolsa sobe mais de 50%, num rali motivado não apenas pelo otimismo diante da coordenação dos bancos centrais ao redor do mundo para contornar a recessão através de estímulos monetários e fiscais, mas também de perspectivas de que a pandemia perca força graças às medidas de isolamento social, além do desenvolvimento de tratamentos para a doença e do andamento de pesquisas para uma possível vacina.

O comportamento do mercado nessa crise serviu para reafirmar algumas das máximas já tão conhecidas: se for entrar em pânico, entre em pânico cedo; compre quando estiver barato. Mais do que me concentrar no momento ideal para entrar em pânico, me preocupo com a máxima de comprar quando estiver barato, principalmente se o “barato” for algum preço referencial recente.

Amargando uma queda de cerca de 50%, parece óbvio que o Ibovespa estivesse barato a 60 mil pontos, mesmo porque diversos gestores e analistas renomados estavam otimistas, comprando bolsa poucos meses atrás a 120 mil pontos. Então o investidor pessoa física fez o que seria esperado diante deste cenário: foi às compras.

É verdade que a história recente do Brasil trouxe bons exemplos de compras após quedas de 50% no índice: após a crise de 2008 o índice chegou a subir mais de 130% de suas mínimas até as máximas em 2009; na crise econômica recente, desde sua mínima em 2016 até a máxima em janeiro deste ano, o índice acumulou mais de 220% de alta.

Felizmente, por ora, a estratégia de comprar nos sessenta mil pontos vem funcionando muito bem, porém preciso reiterar que a máxima estabelece para comprar quando está barato, não para comprar quando cai. As duas coisas podem ser bem diferentes e receio que muitos investidores de varejo não tenham consciência sobre a distância que pode separar uma da outra.

É fundamental que o investidor compreenda que se a bolsa havia caído 50%, o nível de risco havia mudado completamente, afastando investidores institucionais. Não é nada similar com uma promoção que acontece na feira ou no supermercado, como alguns influenciadores podem comparar. No período, o VIX, índice que mede a volatilidade da bolsa americana, sendo popularmente conhecido com “o índice do medo” praticamente quadruplicou, atingindo valores não vistos desde a crise de 2008, tamanho era o grau de temor pelos quais passavam os mercados.

Muitos podem acreditar que talvez pudesse ser arriscado comprar uma ação em específico, mas que não haveria como errar comprando um índice amplo como o Ibovespa. Infelizmente a história não é tão generosa, nos dando exemplos como o Nikkei, principal índice da bolsa japonesa que mesmo após trinta anos ainda não recuperou sua máxima histórica:

Índice Nikkei ao longo dos anos. Fonte: TradingView

É natural e intuitivo acreditar em reversões à média, mas é preciso ter em mente que o mercado é um processo não-estacionário: os noventa mil pontos hoje não são os mesmos noventa mil pontos de alguns meses atrás, o mercado mudou em diversos aspectos, seja para o bem, com a redução de taxas de juros, seja para o mal, com o temor de uma das piores recessões da história batendo à nossa porta. O cenário muda o tempo inteiro.

A tendência de nos agarrarmos a preços anteriores é conhecida no campo das finanças comportamentais como ancoragem e pode causar grandes danos ao seu patrimônio. A informação de preços passados nos ajuda a entender como um papel se comportou ao longo do tempo, porém por mais que esse tipo de análise, como a análise técnica tenha seu uso, precisamos estar sempre preparados para lidar com a possibilidade de que ela não consiga nos dizer o que deve acontecer de agora em diante, que é o que realmente nos importa para decidirmos se devemos ou não fazer um investimento.

Como então deveria se comportar um investidor que deseja ter sucesso a longo prazo? Minha opinião é que é contraproducente acreditar que os mercados ou uma ação devam retornar a preços anteriores, já que muitas das vezes essa reversão à média não ocorre como esperado. Também não acredito que para se tornar um investidor de sucesso seja necessário conseguir detectar topos e fundos como ilustrado no início deste artigo: basta comprar quando está barato.

O que exatamente é comprar barato vai depender de uma série de fatores, como a sua abordagem de avaliação (análise técnica ou análise fundamentalista) e seu perfil de risco, mas seja adepto da abordagem que desejar, é possível afirmar categoricamente que havia empresas brasileiras baratas até mesmo quando a bolsa estava nos 120 mil pontos. Cabe ao investidor selecioná-las e ir rigorosamente adicionando-as a seu portfólio de investimentos ao longo do tempo.

Para se livrar das sedutoras armadilhas da ancoragem, como CEO e co-fundador de duas plataformas de automação de investimentos, a SmarttInvest (para carteiras de ações) e a SmarttBot (para traders), gosto de poder contar com soluções automatizadas, que evitam que meu patrimônio seja prejudicado não apenas pela ancoragem, mas também de uma série de outros vieses cognitivos que podem ser danosos aos investimentos.

As soluções automatizadas eliminam boa parte das chances de que os vieses comportamentais prejudiquem o investidor no mercado financeiro, porém o primeiro passo na eliminação destes problemas pode ser feito munido apenas de papel e caneta. Registrando quais são suas metas, objetivos e risco máximo (percentual de queda) aceitos antes de realizar cada uma de suas operações, o investidor já consegue criar uma estratégia para driblar a sedução da ancoragem.

É claro que na vida real pode ser tentador não respeitar os limites de ganho ou de perda que estabelecemos para cada operação, mesmo que nos confrontemos com nossos registro, e é justamente por isso que eu prefiro confiar nos robôs para executar minhas estratégias. No entanto, o fundamental é que o investidor tenha um método para resistir ao canto da sereia, pois apesar de ser muito atraente, a ancoragem pode afundar os seus investimentos.

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