No mundo real, quando gastamos uma nota de cinquenta reais, não há como rastrear esse dinheiro. Quando pensamos em corrupção, pensamos em malas de dinheiro justamente por isso: a materialidade garante anonimidade. Essa propriedade, chamada fungibilidade, não está presente na maioria das criptomoedas. Quando a blockchain tradicional armazena todas as transações, temos como consequência que, uma vez identificada uma conta, é possível seguir facilmente o dinheiro que passa por ela.
As criptomoedas são ligadas umbilicalmente ao movimento cypherpunk. Uma das grandes preocupações de alguns dos membros dessa comunidade é a resistência a censura e independência de governos. A privacidade em relação ao dinheiro não seria diferente, e propostas mais libertárias e irrastreáveis foram desenvolvidos. O Monero é uma das criptomoeda que visa ser irrastreável e plenamente anônima, resolvendo o problema da fungibilidade. Com uma tecnologia que mistura o caminho das transações – mais ou menos um doleiro automatizado –, o Monero consegue oferecer segurança e privacidade para quem quer que queira.
O problema é que, dentre quem quer, há criminosos e grupos interessados em lavagem de dinheiro. A atual regulação tende a não favorecer ativos que permitam atividades do tipo. Nesse caso, há riscos para os investidores dessas criptomoedas. No passado, eu fiz um bear case para privacy coins, que continuo acreditando (e pode ser conferido nesse link). Atualmente, continuo razoavelmente bearish, com essas criptomoedas sendo as potencialmente mais reguláveis e, no pior cenário, baníveis.
O banimento de uma criptomoeda depende da capacidade do governo impor sanções aos seus usuários. As sanções são possíveis apenas em camadas “centralizadas”. A explicação é simples: é mais fácil atacar apenas uma organização que centenas de entidades distribuídas. Se uma criptomoeda é descentralizada de fato – isto é, todos podemos minerar num nível individual, com nossos computadores – temos que não é possível proibir todos facilmente. Para fechar mineradores centralizados, basta, parafraseando o filho de nosso presidente, um cabo e um soldado para cada entidade.
Os desenvolvedores do Monero percebem isso e focam profundamente em descentralizar sua tecnologia. Recentemente, dois pesquisadores de universidades europeias publicaram um artigo que mostra esse caráter: 5% do Monero foi minerado através de vírus em computadores. Isso mostra que há incentivos para minerar em máquinas comuns (as que justamente foram hackeadas). Nessa camada, portanto, há uma descentralização efetiva. O problema é que essa não é a única frente que deve ser descentralizada para a moeda ser bem sucedida. São necessárias exchanges anônimas descentralizadas e/ou uma rede de usuários adotando a moeda.
As exchanges serviriam de maneira óbvia: ao facilitar troca anônima entre Monero e outras criptomoedas, há a possibilidade de converter Monero em, por exemplo, Bitcoin, e Bitcoin em dinheiro corrente. Se a exchange for descentralizada de fato, não haveria como um governo fechar a companhia que realiza as trocas. De maneira análoga, se houver a possibilidade de trocar monero por objetos físicos diretamente, ele assume papel de meio de troca facilitador de “escambo”. Nesses casos, há a impossibilidade de regulação. É fácil ver que ambos os cenários são irreais com a atual tecnologia e interesse em minerar.
Apesar de ser a criptomoeda mais digna de ser chamada de criptomoeda, os riscos do Monero são altos. A descentralização, na sua forma atual, é prova de que o Monero provavelmente será mais atacada regulatoriamente que os criptoativos com menor urgência a respeito de privacidade. Além do mais, há competição entre moedas. Apesar do lead ser do Monero, se outras moedas de maior capitalização entrarem no mercado, pode haver perdas. Esse artigo que trata da mineração do Monero felizmente saiu num mercado já bear onde as preocupações regulatórias arrefeceram; caso contrário, possivelmente causaria alguma atenção nos reguladores. Para haver descentralização efetiva, precisamos de muito mais do que está feito; portanto, o artigo, por agora, representa apenas maior risco de cauda.