A maior abertura de capital deste ano na Bolsa brasileira trouxe uma mudança na geografia de trabalho dos bancos de investimento. A estreia do Grupo Mateus (SA:GMAT3) na B3 (SA:B3SA3) - quarto maior atacarejo do País, com forte presença no Norte e Nordeste e até então pouco conhecido no eixo Rio-São Paulo - tem levado as instituições financeiras a colocarem o pé na estrada em busca de gigantes do mundo corporativo a quilômetros de distância da Avenida Faria Lima, coração do mercado financeiro da capital paulista.
O movimento acontece após um longo período em que as empresas da região Sudeste do Brasil eram praticamente as únicas a buscarem recursos na Bolsa de Valores. Depois da oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) de R$ 4 bilhões da varejista com sede em São Luís (Maranhão) e receita anual de R$ 10 bilhões, outras empresas de regiões espalhadas pelo território brasileiro prometem seguir o mesmo caminho.
No processo de preparação para a abertura de capital do Grupo Mateus, que aconteceu no mês passado, um trio de pesos pesados do mercado financeiro viajou, em fevereiro, de São Paulo para Teresina (Piauí) para a inauguração de uma loja do Mix Atacarejo, uma das marcas da rede. Na comitiva, estavam Guilherme Benchimol, da XP (NASDAQ:XP); André Esteves, do BTG Pactual (SA:BPAC11); e Marcelo Noronha, responsável pelo banco de atacado do Bradesco (SA:BBDC4). Os executivos foram recebidos pelo fundador da rede, Ilson Mateus. Em outubro, no IPO, as três instituições financeiras estavam na coordenação da oferta. No dia da precificação da ação, o dia D para uma abertura de capital, não foram os executivos do Mateus que vieram para São Paulo, mas uma equipe da XP (responsável pela coordenação da operação) que foi a São Luís. O grupo incluía o fundador Benchimol.
Para o sócio diretor institucional da XP Investimentos, Rafael Furlanetti, a dimensão do IPO do grupo maranhense tem servido como uma vitrine para atração de mais empresas por todo o País. "É o efeito Grupo Mateus", comenta. Habituado a viajar para conhecer companhias e empreendedores, para ele o ponto crucial é a relação de confiança. "Quando você conhece um empresário, precisa entender a sua história, até para propor se o melhor negócio será a venda, atrair um sócio ou mesmo abrir o capital", afirma. "Queremos levar o mercado de capitais para todo o País", completa o executivo. Apenas nesta semana, Furla, como é conhecido, já foi para o interior do Rio Grande do Sul, do Espírito Santo e amanhã colocará o pé na estrada para o interior de São Paulo.
Uma das empresas que programa sua estreia para o próximo ano é a fabricante de sementes de soja Boa Safra, de Goiás, que mira aquisições com os recursos provenientes da oferta. Outra na fila, já com pedido de registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é a mineira do setor de construção Canopus, que poderá retomar sua oferta em 2021. Outra candidata é a rede de farmácias Nissei, do Paraná.
Essa ida ao interior do Brasil deve trazer não só empresas grandes como o Mateus, mas empresas menores, que podem ser beneficiadas com uma nova abertura do mercado brasileiro para ofertas desse tipo. Para o diretor executivo do Bradesco BBI, Felipe Thut, essa tendência de diversificação dos nomes das empresas listadas também reflete esse movimento e ofertas de empresas menores - algo que até pouco tempo era raridade no mercado local, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo. "Hoje, o mercado-alvo é muito diferente e o acesso ao mercado atinge muito mais empresas. É um desenvolvimento", observa.
Boas histórias
O chefe do mercado de capitais de renda variável do BTG Pactual, Fábio Nazari, lembra que os bancos locais, com penetração pelo interior do País, começaram a identificar uma gama de empresas que vêm ganhando porte e que, por trás, têm uma história de empreendedorismo, um objeto de grande apetite dos investidores tanto locais como estrangeiros.
Segundo Nazari, esse foi o caso do Grupo Mateus, criado do zero por um ex-garimpeiro e que chegou à B3 valendo cerca de R$ 20 bilhões, pouco mais do que o GPA, dono do Pão de Açúcar (SA:PCAR3). "Os investidores querem ser sócios de empreendedores dessa natureza", comenta o executivo do BTG.
Mas o caminho é muito longo para diminuir a concentração regional de empresas listadas na Bolsa brasileira. Hoje, a B3 tem 435 empresas - sendo que 320 são de São Paulo ou Rio de Janeiro, ou seja, quase três quartos do total. Se tirar da conta Minas Gerais e Rio Grande do Sul, sobram apenas 59 empresas das demais regiões do País. Do Norte e Nordeste, são apenas 18 companhias e, entre elas, quatro estreantes de 2020: o Grupo Mateus; a rede de farmácias Pague Menos (SA:PGMN3) e a fabricante de pás eólicas Aeris (SA:AERI3), ambas do Ceará; e a construtora Moura Dubeux (SA:MDNE3), de Pernambuco.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.