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Gap de gênero em cargos de liderança de empresas listadas na B3 reduz lentamente

Publicado 12.12.2022, 15:40
© Reuters
ELAS11
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Por Jessica Bahia Melo

Investing.com - Enquanto as empresas caminham para diminuir a desigualdade em órgãos de maior representatividade, os avanços ainda são lentos.  Das 8.048 vagas em colegiados de liderança nas empresas brasileiras listadas na B3 (BVMF:B3SA3), a bolsa de valores, somente 15,5% são ocupadas por mulheres. Esse gap tem diminuído, mas houve um aumento de apenas 5,9% na representatividade feminina nos últimos cinco anos, com nenhuma melhora trimestral, segundo o estudo Mulheres na Liderança, desenvolvido pela Teva Indices desde 2019.

Com quase 70 empresas, o índice é ponderado pelo valor de mercado das companhias. O estudo ainda revela que mais de 56% das empresas não contam com nenhuma mulher na diretoria, no conselho fiscal ou no comitê de auditoria.

Os avanços em cargos de alta gestão

Ao todo, 68,3% das empresas possuem ao menos uma mulher no conselho de administração. Este tipo de órgão apresentou a maior evolução no período de 12 meses, com alta de 6,2% - e desde o início do estudo, com elevação de 32,9%. Para conselhos fiscais, o indicador foi de 38,1%, aumento de 3,3% em 12 meses (6,4% desde o início da análise). Para diretorias, 36,7% possuem ao menos uma mulher, alta anual de apenas 1,3% (e de 6,6% na comparação desde o início da medição). Além disso, nenhum órgão de liderança das empresas listadas tem mais de 20% de mulheres em relação ao total de participantes.

“Baseado em ciência de dados, nós realizamos a leitura de todas as empresas listadas por meio de um software proprietário. Olhamos todos os órgãos de governança reportados pelas empresas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Via inteligência de dados, podemos definir o gênero e analisar 150 mil cargos desde 2016. A cada rebalanceamento, analisamos todos os cargos de todas as empresas listadas”, explica Solly Sayeg, sócio-fundador e Index Manager na Teva Indices.

De acordo com Sayeg, houve uma melhoria no indicador, mas não no nível de aceleração que é necessário. “Quando olhamos presidência de conselho de administração, o indicador é menor ainda, com 7,1% do total dos assentos ocupados por mulheres”, completa.

Representatividade de Mulheres no Conselho

A empresa com maior evolução no último rebalanceamento do ranking da Teva Indices foi o Grupo Carrefour/Atacadão, com uma elevação de 6,23 para 28,12 pontos no score. O  resultado reflete o ingresso de 4 mulheres nos colegiados de liderança, atingindo a marca de 23,1% de participação feminina, contra 9,1% em julho deste ano. Somente no conselho de administração, 3 mulheres foram eleitas, o que fez com que a participação feminina subisse de 10% para 30,7%.


Score Teva Mulheres na Liderança

Representatividade de mulheres no conselho

Fonte: Teva Indices

Ao comparar o cenário brasileiro com a situação internacional, Mara Turolla, Gerente de Learning & Development e Head de Diversidade e Inclusão na Consultoria Global LHH, concorda que a evolução na diminuição da desigualdade de gênero em cargos de liderança tem sido menor do que o esperado. “As grandes pesquisas e a ONU Mulheres consideram que faltaria mais de cem anos para que os indicadores cheguem à equidade de gênero. Não dá para esperar tudo isso”, reforça. Por isso, governos começam a se mobiliar, a nível mundial. As últimas pesquisas indicariam em torno de 30% das mulheres em posição de liderança, o que coloca as empresas de capital aberto do país bem abaixo desse patamar. “As grandes corporações têm papel importante porque elas acabam influenciando a sociedade como um todo, na medida em que elas colocam o assunto em pauta, têm visibilidade na mídia”, destaca.

O que causa essa desigualdade

Segundo Liliane Furtado, Professora de Comportamento Organizacional, Liderança e Gestão de pessoas do Coppead/UFRJ, mesmo que nem toda diferença observada entre homens e mulheres em indicadores relevantes reflete necessariamente uma desigualdade de gênero, os dados trazem evidências suficientemente fortes que sugerem que esse é o caso. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BGE), as mulheres representam mais da metade da população brasileira, são mais instruídas e têm mais acesso ao ensino superior do que os homens. “Se mesmo assim elas estão subrepresentadas em posições de topo nas empresas, a explicação passa então pela desigualdade de gênero, que emerge de uma série de preconceitos de gênero e normas sociais já documentados em diferentes estudos e que acabam por restringir, direitos e oportunidades das mulheres, particularmente no que se refere ao desenvolvimento na carreira”, detalha a professora.

Furtado reforça que os dados também revelam que o fenômeno do “teto de vidro” (glass ceiling, em inglês), metáfora proposta em 1978 pela consultora Marilyn Loden para explicar a existência de uma barreira invisível que impede mulheres de alcançar posições no topo da hierarquia nas organizações, permanece uma realidade no contexto brasileiro mesmo passados mais de 40 anos da sua formulação.  Os dados também escancaram a existência de obstáculos enfrentados por mulheres na vida profissional.  “Conforme proposto pela psicóloga Alice Eagly, professora emérita da Northwestern University, a carreira das mulheres pode ser metaforicamente associada a um labirinto, que é marcado por uma série de complexidades, desvios, becos sem saída e caminhos incomuns, normalmente devido ao preconceito e ao pensamento estereotipado (think leader, think male). Conforme uma série de estudos conduzidos por Eagly revelaram, o estereótipo dos homens é mais semelhante ao estereótipo que as pessoas carregam de líderes”, explica.  

Dessa forma, surge então um desafio difícil de ser vencido, tendo em vista que as pessoas esperam que mulheres líderes tenham as qualidades tanto de líderes quanto de mulheres. “E isso pode gerar uma dupla penalidade. Se forem duras demais, elas podem ser rechaçadas por agirem de forma incongruente com o estereótipo do gênero feminino. E se adotarem um estilo mais brando, podem ser vistas como fracas ou incompetentes”, conclui a professora do Coppead/UFRJ.

Por que é urgente reduzir esse gap

A promoção de justiça social já seria uma razão forte e suficiente para o enfrentamento da desigualdade de gênero no Brasil. Mas a promoção da igualdade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho e particularmente no acesso a cargos de liderança vai além disso, aponta Liliane Furtado. A especialista avalia que a falta de representatividade pode criar um ambiente ameaçador para as poucas mulheres que conseguem alcançar as posições de liderança no alto escalão, causando uma série de resultados adversos – psicológicos, motivacionais e fisiológicos. “Estudos têm documentado aumento da pressão arterial, ansiedade e depressão entre indivíduos que trabalham em ambientes nos quais o seu grupo está subrepresentado. Há também pesquisas que revelaram um impacto negativo da sub-representação para a confiança e o comprometimento das pessoas com suas organizações, fatores estes que sabemos estar diretamente associados à maior rotatividade voluntária”, elenca a professora.

Furtado aponta que, cada vez mais, o sucesso e a sustentabilidade das empresas residem nas capacidades dinâmicas de inovação e disrupção do mercado.  Para avançar nesse sentido, reduzir a desigualdade é essencial, segundo ela, pois diversos estudos têm demonstrado que criatividade e inovação estão relacionadas à diversidade. “Pessoas diversas trazem experiências e perspectivas únicas, que são importantes para a construção de soluções inovadoras. E isso se torna particularmente relevante no topo da organização, onde as decisões estratégicas são tomadas”.

Quando maior a cobrança da sociedade como um todo, o avanço pode vir mis rápido. As especialistas reforçam que existe uma pressão maior, principalmente das novas gerações, o que tem levado acionistas e investidores a escolherem empresas que priorizam diversidade e igualdade de gênero. Além disso, fundos de investimentos contam com carteiras compostas com empresas com alta representatividade feminina e diversidade. O ranking feito pela Teva, por exemplo, serve como índice financeiro para o ETF (BVMF:ELAS11), gerido pela Safra.

Consumidores e governos precisam se aliar, segundo as especialistas. A União Europeia, por exemplo, definiu uma cota de 40% para mulheres nos conselhos até 2026 – e as companhias de capital aberto que não seguirem as regras devem sofrer penalidades.

“A gente precisa ter metas. Principalmente no Brasil, muitas empresas não querem falar de cotas, como se as que entrassem por elas não tivessem mérito”, completa Turolla.

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