Por Geoffrey Smith
Investing.com – O dia do ajuste de contas das grandes empresas de tecnologia chegou.
O setor surfou uma onda de 12 anos de dinheiro fácil para vender sonhos de riqueza inimaginável, com base em narrativas cada vez mais carentes de substância e cada vez mais repletas de clichês. No momento em que é possível rentabilizar o capital em 4% ao ano sem qualquer risco, aqueles que vendem fortunas prometendo fluxos de caixa em cinco anos se veem em maus lençóis.
E isso não é algo ruim.
Já faz um ano, mais ou menos, que segmentos mais frágeis do setor de tecnologia vêm desinchando. O mais importante em relação às recentes correções é o fato de que ocorreram em empresas que até há pouco tempo eram consideradas pouco vulneráveis, em razão da sua posição de predomínio em novas megatendências da época, seja no streaming, nas redes sociais, no comércio eletrônico ou nos carros com direção autônoma.
A Meta Platforms (BVMF:M1TA34)(NASDAQ:META), dona do Facebook, está cortando 11.000 empregos, ou um a cada sete de seus funcionários, ao redor do mundo. A Amazon (NASDAQ:AMZN) estaria na mesma toada, cortando 10.000 empregos, ainda que seja uma parcela proporcionalmente muito menor do seu quadro de colaboradores, que soma 1,5 milhão de pessoas. O Twitter, sob a direção agressiva do seu novo proprietário, Elon Musk, está cortando metade da sua força de trabalho.
Stripe, Snap (NYSE:SNAP) e Netflix (BVMF:NFLX34)(NASDAQ:NFLX), ao lado da Lyft (NASDAQ:LYFT) e Uber (BVMF:U1BE34)(NYSE:UBER), também estão seguindo no mesmo caminho este ano. A cada dia, a lista aumenta: esta semana, a Cisco Systems (BVMF:CSCO34) (NASDAQ:CSCO) anunciou que cortará 4.100 empregos, enquanto a fabricante de aparelhos de streaming Roku (BVMF:R1KU34)(NASDAQ:ROKU) declarou, na quinta-feira, que demitirá 200 pessoas. Em ambos os casos, isso corresponde a 5% do número total de funcionários.
Um tema comum nessas histórias é o enfraquecimento do setor de publicidade, que possui elementos tanto cíclicos quanto estruturais.
O elemento estrutural é que a Apple (BVMF:AAPL34)(NASDAQ:AAPL), que responde por um quarto de todos os aparelhos móveis do mundo e tem a maior penetração no público de alta renda, tornou praticamente impossível vender anúncios mais caros, após endurecer sua política de privacidade. Os usuários da Apple parecem gostar desse recurso, o que reduz drasticamente as chances de que seja revertido.
O elemento cíclico é basicamente uma reversão à média: os gastos com anúncios, que nada mais são do que uma derivação das rendas dos consumidores, registrou um “boom” durante a pandemia, quando as empresas tiveram uma chance única na vida de bombardear as pessoas entediadas em casa com ideias de como gastar seu auxílio emergencial. O fluxo de dinheiro começou a encolher quando a inflação passou a deteriorar a renda disponível, e esse processo acelerou enquanto a insegurança com o emprego se espalhava pelo mundo.
A confiança do consumidor está agora na mínima histórica em países como Reino Unido e Alemanha.
Outra característica comum é o excesso de confiança gerado pelas políticas extraordinárias e insustentáveis dos anos da pandemia. Muitas pessoas acreditaram que os bons tempos durariam para sempre ou que a pandemia havia trazido tendências irreversíveis no âmbito da digitalização e da automação. Mark Zuckerberg, CEO da Meta, e Andy Jassy, CEO da Amazon, admitiram que exageraram nas contratações.
Uma terceira característica é que muitas apostas de longo prazo no setor acabaram se mostrando longas demais. Embora os negócios principais de empresas como Meta e Alphabet (NASDAQ:GOOGL) continuem gerando um bom dinheiro, novos projetos apoiados em seus balanços estão dando muito prejuízo.
No mês passado, Mark Gerstner, da Altimeter Capital, pediu que Zuckerberg cortasse pela metade os gastos com seus projetos do metaverso para o máximo de US$ 5 bilhões por ano. Chris Hohn, diretor-geral o fundo de hedge britânico TCI, dirigiu a mesma crítica à Alphabet, dona do Google, nesta semana, condenando o CEO Sundar Pichai por gastar US$ 20 bilhões nos últimos cinco anos em sua divisão “Outras apostas”, cujo maior elemento é o projeto de direção autônoma Waymo.
A expansão excessiva das Big Techs não foi ruim apenas para os acionistas das empresas (Amazon, Meta e Alphabet acumulam quedas de 43%, 67% e 32%, respectivamente neste ano), mas também para a economia dos EUA de forma geral, absorvendo talentos que poderiam ter sido utilizados de forma mais produtiva.
“Temos uma escassez de talentos no Vale do Silício”, afirmou Gerstner, da Altimeter. “A Meta e outras grandes empresas dificultaram as contratações por startups”. Gerstner disse que está “confiante de que esses profissionais encontrarão outros empregos e rapidamente voltarão a trabalhar em invenções importantes que promoverão nosso avanço”.
Os dados econômicos, até agora, parecem comprovar que ele está certo. Embora o número de demissões esteja claramente aumentando, o número de pessoas realizando pedidos iniciais de seguro-desemprego não registrou uma alta considerável em relação à mínima de 60 anos. Claramente, quem está sendo demitido está encontrando muitas oportunidades em outros locais. Isso está permitindo que a economia consiga absorver bem os impactos do aperto monetário.
Essa realidade explica em grande parte a resiliência do consumo nos EUA nos últimos meses, ainda que a perspectiva tenha ficado bastante nebulosa. Mais consumidores estão perdendo seus empregos, mas se tiverem confiança suficiente de que encontrarão um novo rapidamente, sentirão menos medo de recorrer às suas poupanças para manter seus níveis de consumo.
Nesse contexto, apesar do óbvio estresse humano, há boas razões para não ver com maus olhos a redução de pessoal das Big Techs. O que vimos até agora é mais um exercício de disciplina de capital e uma correção de excessos, e não um sinal de um ciclo vicioso de baixa. Com o passar dos dias de ajuste de contas, o mercado já viu coisas muito piores.