Por Ana Carolina Siedschlag
Investing.com - As articulações nos bastidores para a escolha dos sucessores das presidências da Câmara e do Senado brasileiros, que acontece em fevereiro, apontam para uma retomada do protagonismo histórico dos partidos do chamado bloco de centro à medida que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e os aliados antiestablishment perdem terreno político.
No início de dezembro, os ministros do Supremo Tribunal Federal barraram a possibilidade de reeleição dos atuais presidentes das casas, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), dando um caráter oficial para o pontapé inicial para as articulações em torno das sucessões.
A partir daí, as conversas, atrasadas pelo ano atípico da pandemia, ganharam um senso de urgência que acabou por atrapalhar as poucas chances de pautar algumas das reformas escalonadas pela equipe do ministro Paulo Guedes.
Agora, com o Congresso entrando em recesso, Maia, atual presidente da Câmara, deve correr contra o tempo e, a princípio, contra o Centrão, para alçar o nome do deputado Baleia Rossi (SA:RSID3), líder nacional do MDB, indicado oficialmente nesta quarta-feira (23) como seu candidato à sucessão da casa. O candidato do Centrão é o deputado Arthur Lira (PP-AL), que anunciou candidatura poucos dias depois da decisão do STF.
“Maia foi sendo pressionado por setores de partidos para definir rapidamente esse nome, mas encontrou dificuldades em razão das forças que se juntaram e por ser um grupo heterogêneo. Essa hesitação dificulta a coesão desse bloco e ajuda o Arthur Lira, que já era um protagonista e recebe apoio do Governo Federal”, disse Thiago de Queiroz, analista político da Queiroz Associados.
Já para Alexandre Bandeira, analista político da Strattegia Consultoria, apesar da demora na escolha do nome por Maia, o desenho das articulações na Câmara parece, até agora, desfavorável ao governo.
“A tendência parece até certo ponto ser de um político mais independente ao Planalto. O presidente [Bolsonaro] perde por uma situação simples: não tem uma bancada de sustentação nem na Câmara, nem no Senado. Precisou se juntar ao Centrão para passar pautas de interesse e barrar outras”, diz.
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No Senado, o atual presidente, Davi Alcolumbre, saiu na frente e apadrinhou Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a candidatura à sucessão. Do outro lado, do MDB, surgem nomes como Eduardo Braga (MDB-AM), Eduardo Gomes (MDB-TO), Fernando Bezerra (MDB-PE) e Simone Tebet (MDB-MS), mas ainda sem indicativo de definição por uma espera de mais negociações na outra casa.
“O que não falta no Senado são nomes favoritos, mas vai depender do balanço partidário nas duas casas, mais da Câmara do que no Senado”, diz Thiago Vidal, analista político da Prospectiva.
Centrão ganha força
O casamento dos partidos de Centro com o presidente Jair Bolsonaro, eleito em 2018 com duras críticas ao presidencialismo de coalizão, vem no momento em que ele segue sem partido e sem perspectiva de abraçar uma legenda nos mesmos moldes que refutaram a chamada política tradicional na época.
As eleições municipais de novembro deste ano mostraram a força do bloco, que retoma o protagonismo histórico e deve testar o tamanho da força na decisão para as presidências do Congresso. Os partidos do Centrão vão comandar quase metade dos municípios do país a partir de 2021.
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“Independentemente quem ganhar, o Centrão está mais forte hoje do que estava há dois anos. O governo está enfraquecido e eles não precisam de Bolsonaro. Se a conjuntura tornar necessário, o descolamento não gerará maiores danos. Isso torna o bloco mais forte, com presidência ou não”, diz Vidal.
A aposta é que o governo promova algum tipo de reforma ministerial no início de 2021 para abrir espaço para indicações das legendas que influenciariam na corrida às presidências. A saída recente de Marcelo Álvaro Antônio do ministério do Turismo, após acusar a Secretaria do Governo de pedir a Bolsonaro para entregar o cargo ao Centrão, foi um dos primeiros movimentos mais claros neste sentido.
Lira x Rossi
Se o indicado do presidente tiver êxito, o xadrez de nomeações não deve ficar restrito somente à campanha: ao menos Arthur Lira já sinaliza uma postura mais pragmática em relação ao jogo político, apontaram os analistas.
“Arthur Lira, embora tenha convergência com as pautas econômicas do governo, ressaltaria o protagonismo do ministro [do Desenvolvimento Regional] Rogério Marinho dentro da disputa de espaço do Governo Federal. Esse perfil mais pragmático pode significar mais cargos, liberação de emendas ou liberação de infraestrutura para as articulações, batendo de frente com Guedes”, diz Queiroz.
Segundo ele, se Lira for eleito presidente da Câmara, também pode ter mais facilidade em aprovar um possível imposto digital dentro da Reforma Tributária, já que alguns dos partidos que apoiam o chamado grupo Maia não cogitam se quer negociar a ideia. Na agenda de privatizações, os dois grupos, em tese, estão alinhados.