Investing.com – Após o encontro dos Brics nesta semana, que tratou de cooperação internacional, entrada de novos membros, conflitos e relações geopolíticas, entre outros assuntos, um tema esteve entre os destaques: a desdolarização. O argumento dos países é de que seria necessário reduzir a dependência do dólar americano nas atividades internacionais – e essa pauta pode avançar, mas não somente por causa dos Brics.
“Acreditamos que o bloco tem o maior potencial para avançar com a sua agenda de desdolarização nas reservas cambiais e no comércio de combustíveis”, apontaram analistas do ING em relatório divulgado a clientes e ao mercado nesta semana. O documento é assinado pelo economista-chefe, Dmitry Dolgin, e pelo chefe global de mercados e chefe regional de pesquisa para Reino Unido e CEE, Chris Turner.
Esse movimento não seria motivado somente pela vontade dos Brics, segundo o ING, que argumenta que as próximas eleições americanas também poderão ser um fator direto ou indireto para menor uso do dólar, sendo este último por meio de um possível declínio do papel dos EUA no comércio global.
A desdolarização representaria uma menor participação do dólar americano nas relações globais, com alterações em seu uso em reservas internacionais, empréstimos bancários internacionais, títulos de dívida internacional, derivativos e transações de pagamento, elenca o documento.
No entanto, os analistas do ING argumentam que as tendências de longo prazo indicam que outras moedas de mercados desenvolvidos seriam "os alvos mais prováveis de competição dos Brics e de outras moedas de mercados emergentes em um futuro próximo”, não o dólar americano, ressalta o ING.
Como o Brics pode avançar na agenda de desdolarização
Fazem parte do grupo Brics+ cinco membros plenos: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Agora são mais quatro participantes adicionais, sendo Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos. Mas novos países possuem interesse em entrar no bloco informal e 13 devem ser convidados para eventual adesão futura. Em 2025, o Brasil assumirá a presidência do bloco.
Como os países que fazem parte do Brics controlam mais de 40% das reservas cambiais de autoridades monetárias a nível global, eles podem influenciar esse processo de desdolarização, principalmente nas reservas cambiais dos bancos centrais e no comércio global de combustível.
Entre as alternativas ao dólar americano, está o ouro, e alguns países têm apostado no aumento das compras, mas o metal dourado ainda representa uma fatia de cerca de 10% das reservas. Desde 2021, as reservas gerais de ouro estariam estáveis, apesar de fortes compras da China, pois estas teriam sido compensadas pelas vendas do Brasil, Rússia, Índia e África do Sul. Como a média global é de 20%, ainda haveria espaço para aumento dessas participações, ainda que uma expansão mais robusta teria como entrave a capacidade de produção global.
“As perspectivas de diversificação global em direção às moedas do Brics+, mesmo uma sintética, são limitadas pelos passivos externos muito modestos dos países membros. Portanto, a desdolarização das reservas cambiais globais beneficiará amplamente o mercado desenvolvido em vez da esfera cambial dos mercados emergentes”, avaliam os analistas do ING.
Além disso, os países buscam aumentar o comércio regional entre os participantes do grupo, reforçando os laços comerciais entre mercados emergentes – com destaque para os combustíveis.
Os países que compõe o Brics+ respondem por 37% do comércio de combustível dos mercados emergentes, detalha o ING, que considera este fato “uma área-chave de interesse para a desdolarização”.
Como a participação na produção de petróleo a nível mundial é de cerca de 30%, e do comércio geral em 20%, o poder do bloco seria limitado, no entanto. O comércio de combustíveis é considerado como a área com maior potencial para desdolarização pelos analistas do ING.
O ING detalha ainda que mesmo com um “papel global estagnado, os países-membros estão se tornando cada vez mais focados em negociar uns com os outros (principalmente a China), com a participação dos membros no volume de negócios comercial combinado do bloco crescendo continuamente e atingindo 28% agora, contra 22% em 2008”.
O grupo avança na desdolarização dos fluxos financeiros, mas possui presença global muito menor nessas áreas, o que limita o impacto de medidas do tipo. Outro assunto frequente quando se fala em desdolarização é a estratégia de países de adotarem moedas digitais, os chamados CDBC. Estes poderiam representar outro canal de desdolarização que, na visão do ING, representam uma ameaça superestimada no curto prazo, mas subestimada no longo prazo.
Nestes casos, todos os participantes precisariam estar de acordo com uma estrutura legal, sendo que o progresso nas plataformas pode levar mais tempo do que o esperado anteriormente.
Apesar das tentativas dos países que fazem parte do Brics de colocar a desdolarização em pauta, os especialistas ponderam que são diversas as limitações, tendo em vista que mais de 95% do comércio exterior nas Américas é dolarizado.