Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O comandante do Exército, general Edson Pujol, mais uma vez tentou demarcar a distância entre o governo do presidente Jair Bolsonaro e as Forças Armadas, e afirmou que os militares da ativa não querem fazer parte da política, em meio a diversas falas polêmicas do presidente.
"Não queremos fazer parte da política governamental ou do Congresso Nacional, e muito menos queremos que a política entre no nosso quartéis", afirmou o general em uma live organizada pelo Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) sobre defesa, na quinta-feira.
"O fato de eventualmente militares serem chamados para exercer cargos no governo é decisão exclusiva da administração do Executivo", acrescentou.
O general foi questionado sobre o tema pelo ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, que mediava a live. Pujol disse ainda que um militar pode ser chamado para o governo pela sua experiência e seu currículo, como acontece com civis, mas isso não significa uma participação política.
O incômodo dos militares da ativa com a identificação do governo Bolsonaro com as Forças Armadas tem crescido. Hoje, nove dos 23 ministros do governo têm origem militar. Mais do que isso, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello --chamado para atender uma situação de emergência e que acabou sendo efetivado no cargo-- é da ativa e não tem planos de ir para reserva, o que incomoda os militares.
O mesmo aconteceu com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política do governo, que ficou mais de um ano como ministro e militar da ativa, mas terminou por ceder à pressão e ir para a reserva.
O fato de ter nomes da ativa em cargos de primeiro escalão passa ainda mais a impressão de um governo do qual os militares são parte essencial, não apenas como gestores, mas como políticos.
Nesta sexta, o vice-presidente Hamilton Mourão --ele também um general da reserva-- comentou e apoiou a fala do comandante do Exército, mas negou que haja um movimento orquestrado de tentar distanciar as Forças Armadas do governo.
"Quantas vezes você já me ouviu falar nisso? Várias vezes, né. Política não pode estar dentro do quartel. Se entra política pela porta da frente, a disciplina e a hierarquia saem pela dos fundos. O comandante do Exército coloca claramente o que é a nossa posição", afirmou.
Perguntado se o cidadão comum tinha como fazer a distinção em um governo com tantos militares no primeiro escalão, Mourão reforçou a ideia da diferença entre ativa e reserva.
"Nós que somos da reserva é uma outra situação. Os militares da ativa esses realmente não podem estar participando disso. A nossa legislação foi mudada no período de 64 porque, exatamente, o camarada era eleito, participava de processo eleitoral e depois voltava para dentro do quartel. Isso não era salutar", disse.
Depois de um período fora dos holofotes, o vice também tem demarcado possíveis diferenças de Bolsonaro, mesmo que diplomaticamente e sem confrontar diretamente o presidente.
Nos últimos meses, já defendeu a volta da CPMF, propostas mais rígidas para o combate ao desmatamento e, nesta sexta, afirmou que via a vitória do democrata Joe Biden nas eleições norte-americanas como irreversível. Bolsonaro até agora não cumprimentou o presidente eleito e ainda espera uma posição de Donald Trump para acatar a derrota do republicano.
"FANFARRONICE E DESRESPEITO"
Na reserva, militares que passaram pelo governo já deixaram clara sua visão do que se tornou a Presidência de Jair Bolsonaro, que é capitão da reserva.
Ex-ministro da Secretaria de Governo, o general Santos Cruz, um dos mais respeitados pelas tropas, fez críticas pesadas às últimas falas no presidente em suas redes sociais.
"Cansado de show. O Brasil não é um país de maricas. É tolerante demais com a desigualdade social, corrupção, privilégios. Votou contra extremismos e corrupção. Votou por equilíbrio e união. Precisa de seriedade e não de show, espetáculo, embuste, fanfarronice e desrespeito", escreveu em sua conta no Twitter, na quinta-feira, um dia depois de Bolsonaro ter dito que o Brasil devia "deixar de ser um país de maricas", em referência às preocupações das pessoas com a Covid-19.
Também na quarta, o presidente gerou desconforto nas Forças Armadas ao afirmar, em indireta a Biden sobre a Amazônia, que "quando acaba a saliva, tem que ter pólvora".
Quando Bolsonaro comemorou a suspensão dos testes da vacina chinesa CoronaVac e uma suposta vitória dele sobre o governador de São Paulo, João Doria, Santos Cruz também reagiu.
"Ganhou de quem? Vacina, qualquer que seja, é saúde pública. É para a população. Não é assunto particular. O trato tem ser técnico e dentro da lei. Fora disso é irresponsabilidade, falta de noção mínima das obrigações, desrespeito pela saúde dos cidadãos. Vergonha! Sem classificação!", disse.