Por José de Castro
SÃO PAULO (Reuters) - A eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia e seus desdobramentos no mundo podem impor mais um vento contrário à economia do Brasil via canal de inflação e juros mais altos, mas o salto dos preços de algumas commodities exportadas pelo país pode servir de contraponto e até mesmo proteger a atividade de impactos mais severos, avaliaram economistas nesta quarta-feira.
Os profissionais ressalvaram que ainda é cedo para se determinar efeitos precisos da guerra na Europa, num momento em que as cadeias de abastecimento ainda seguem prejudicadas pela pandemia de Covid-19.
Mas com os mercados russos se juntando à lista de emergentes problemáticos, que inclui Turquia, o Brasil pode atrair ainda mais as atenções de investidores ávidos por retornos, movimento já em curso desde o começo do ano e que pode ganhar um pouco mais de fôlego diante do atual contexto.
Uma métrica do menor "estresse" da comunidade financeira --o que indicaria, por ora, menor urgência de mudança de projeções-- poderia ser o comportamento dos preços dos ativos no Brasil.
Depois de dois dias fechados por causa do Carnaval, os mercados domésticos até esboçaram reação mais negativa na volta dos negócios nesta quarta-feira, num aparente ajuste inicial à turbulência vista nos dias anteriores. Mas logo o dólar, que chegou a saltar 1,32%, passou a cair, fechando em queda de 0,9%. O Ibovespa saltou 1,8%.
"Fica mais difícil ter certeza de um resultado líquido dos impactos da guerra considerando que o Brasil tem muitos setores 'commoditizados'. A renda, o lucro desses setores pode se beneficiar", disse Ivo Chermont, economista-chefe da Quantitas, fazendo contraponto ao tradicional choque de oferta e todo o impacto potencialmente negativo na atividade mundial que um evento como uma guerra traz.
No fim do ano passado, pouco mais de 40% do total exportado pelo Brasil teve origem nas indústrias extrativa e agropecuária, conforme dados do governo. No Ibovespa, Vale (SA:VALE3) e Petrobras (SA:PETR4) puxaram quase sozinhas o índice para cima nesta sessão.
"Até agora, o Brasil vem se beneficiando. O fluxo de capital estrangeiro para ações brasileiras atingiu 25 bilhões de reais em fevereiro (parcial), acumulando 58 bilhões de reais no ano --mais da metade dos ingressos do ano passado. Investidores estrangeiros têm migrado para o Brasil em busca de exposição a commodities e múltiplos ainda atrativos", disse a XP (SA:XPBR31).
Um impulso adicional nas exportações poderia aumentar os ingressos de recursos ao país, elevando a liquidez em moeda estrangeira e, assim, ajudando a baixar o dólar. Mesmo diante do nervosismo global por causa do conflito bélico, o real tem mostrado resiliência.
Estudo do UBS mostra que os spread entre a previsão do banco e a taxa embutida em contratos a termo é de apenas -3,3%, enquanto no caso do rublo russo chega a -48%. O UBS, contudo, considera que mais posições favoráveis ao câmbio precisam de melhores pontos de entrada.
No geral, os entendimentos de uma performance mais resistente dos ativos locais são válidos, segundo os analistas, considerando que o mundo não deve viver uma crise financeira.
"A Rússia não tem peso relevante no PIB global", disse Stephan Kautz mailto:stephan.kautz@eqiasset.com.br, economista-chefe da EQI Asset. Kautz pontuou, no entanto, que uma queda no PIB russo da ordem de 7% --como, segundo ele, algumas casas já estão prevendo-- puxaria a economia mundial para baixo, o que poderia afetar o Brasil.
Uma medida dos fluxos Brasil-Rússia, a conta de comércio entre os dois países somou 7,3 bilhões de dólares em 2021, contra 138,3 bilhões de dólares com a China, maior parceiro comercial brasileiro.
GUERRA, COMMODITIES, JURO, INFLAÇÃO
Uma das consequências da guerra entre Rússia e Ucrânia poderia ser mais visível do lado da inflação e seus impactos consequentes nos juros e na atividade.
Kautz, da EQI Asset, disse que sua estimativa de expansão do PIB brasileiro em torno de 1,5% para 2023 já entrou em viés de baixa à medida que o cenário da casa passou a ser de juro perto de 12,5% por mais tempo --a EQI Asset antes via espaço para cortes da Selic entre o fim deste ano e o início do próximo.
"Juros mais altos neste ano afetam crescimento do ano que vem. O impacto (do cenário geral) será na inflação em 2022 e na atividade em 2023", afirmou. Para 2022, o economista calcula variação perto de zero para a economia.
Ele vê chances "em algum momento" de aumentos de preços dos combustíveis pela Petrobras à medida que o spread entre o barril do petróleo no exterior --que já supera 110 dólares-- e os preços aqui já se aproxima de 18%, contra média de 12% dos últimos 15 dias.
Além disso, os custos de commodities como trigo, milho e soja também estão em alta e podem impactar toda a cadeia alimentícia.
O economista Otto Nogami, do Insper, também vê viés altista para a inflação com a guerra e estima que a Selic terá de ir para além de 12,5% no novo ambiente de commodities em forte alta e de câmbio que, em sua avaliação, tende a desvalorizar com a continuidade do conflito.
"Na última ata o Banco Central já sinalizava uma redução no nível de aumento da taxa de juros e acredito que agora, em função desse novo cenário, ele vai ter que manter a mesma dosagem para a próxima reunião", afirmou.
Ele pondera que, ainda que o país possa ter ganhos com a valorização de produtos importantes de sua pauta de exportação, a dependência externa de derivados de petróleo e do trigo vai falar mais alto, e o efeito líquido será desfavorável, inclusive sobre o crescimento.
O índice CRB de commodities --uma referência global-- dispara 24,4% em 2022, depois de saltar 38,5% em 2021. O índice está nos picos desde setembro de 2014, depois de apenas nesta semana subir 9,3%, em meio ao agravamento da guerra na Ucrânia.
"Embora alguns setores (no Brasil) possam se beneficiar do cenário de nova alta preços das commodities, o aumento da aversão global ao risco e o potencial de piora das condições financeiras, problemas adicionais na cadeia de suprimentos e inflação ainda mais alta (portanto, menor renda familiar real) nos levam a manter a projeção de taxa de crescimento nula para o PIB de 2022", disse a XP em relatório.
(Reportagem adicional de Isabel Versiani)