Por Geoffrey Smith
Investing.com -- No Tour de France político de 2022, Emmanuel Macron conquistou uma importante vitória de etapa.
O mais jovem presidente da Quinta República tem agora a chance de se tornar o primeiro presidente a vencer a reeleição desde Jacques Chirac, há 20 anos.
Isso é importante. Com o retorno da guerra à Europa, a França e a União Europeia encontram-se numa encruzilhada. Movido por uma perspectiva liberal e internacionalista, Macron posicionou-se de forma decidida em solidariedade com a Ucrânia, forçando a Europa a aplicar sanções mais duras que o continente está preparado para aprovar. É inconcebível que a França sob Marine Le Pen - uma confessa admiradora e de grande afinidade com Vladimir Putin, tendo inclusive aprovado sua anexação da Crimeia há oito anos - se comportaria da mesma forma.
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Independentemente da invasão da Ucrânia, quem governará a França durante os próximos cinco anos é muito importante para a Europa. Macron implantou importantes reformas no seu primeiro mandato e, embora a pandemia possa ter destruído suas tentativas de acabar com os déficits orçamentários crônicos da França, isso não o impediu de baixar a taxa de desemprego - o perene calcanhar de Aquiles francês - de 9,5% no início do seu mandato para apenas 7,4%. O desemprego entre os jovens recuou para 16%, contra mais de 24% no mesmo período.
Não que ele tenha recebido muito crédito por isso. Na verdade, toda faixa etária com menos de 60 anos preferiu Le Pen a Macron na pesquisa de domingo. E quase três quartos dos eleitores do primeiro de domingo votaram pela ruptura com a visão de mundo e ordem mundial liberal que Macron representa.
É o bastante para se fazer pensar que o grau em que a sociedade francesa aceita ser governada está numa queda permanente. Os partidos tradicionais da direita e da esquerda desmoronaram, reunindo menos de 7% dos votos. O candidato Verde também contou com menos de 5% na pesquisa de boca de urna. A diferença em relação à outra grande potência do continente, a Alemanha, onde, em setembro do ano passado, os partidos mainstream recuperaram o terreno perdido para extremistas desde a Grande Recessão, dificilmente poderia ser mais gritante.
Macron pode destacar o fato de que o percentual de 27,8% dos votos que ele teve no domingo foi, na verdade, superior aos 24% que ele recebeu no mesmo momento cinco anos atrás. Mas Le Pen também pode se voltar para avanço semelhante, de 21,3% para 23,4%. Cinco anos atrás, Macron derrotou Le Pen no segundo turno por uma margem de 66% x 34%. As pesquisas de hoje sugerem que ele perderá, no mínimo, 10 pontos desse patamar. Um pesquisa chega a colocar Le Pen dentro da margem de erro para uma vitória geral.
Por isso, não é de admirar que Macron esteja tentando neutralizar tardiamente os pontos de discussão que direcionaram a campanha de Le Pen. Numa entrevista para a BFM TV na segunda-feira, ele deixou em aberto a possibilidade de um referendo sobre os seus planos de reforma da previdência, independentemente da forma final que vierem a tomar. A sua atual proposta – de aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 65 anos – pode estar suficientemente enraizada na realidade econômica, mas é um alvo fácil para populistas que não se incomodam com a pressão para equilibrar as contas.
E as contas precisam ser equilibradas, de um jeito ou de outro. A pandemia desfez quase todo o bom trabalho das reformas de Macron. Depois de diminuir para 1,6% do PIB em 2018, o déficit orçamentário estrutural da França - a parcela que não pode ser explicada pelo ciclo de negócios - se expandiu para 7,5% do PIB à medida que Macron, assim como os chefes de muitos outros governos de todo o mundo, simplesmente jogou dinheiro recém-impresso para enfrentar os problemas causados pela Covid-19. A dívida da França é hoje avaliada em 115% do PIB, o que significa que um ataque sustentado de inflação e taxas de juros mais altas poderia facilmente travar o crescimento - e os ganhos associados nas folhas salariais.
O modo como Le Pen lidaria com uma situação assim está aberto a especulação. Pelo menos na superfície, os mercados têm menos razão para ter medo da vitória de Le Pen que há cinco anos. Os grandes planos para abandonar o euro e a União Europeia desapareceram da sua plataforma (o que explica por que ela conquistou tantos votos entre os Républicains, conservadores tradicionais). Mesmo assim, "com a sua agenda de protecionismo, desmantelamento de reformas, subsídios e medidas duras contra a imigração, ela provavelmente desencadearia conflitos barulhentos dentro da UE", afirmou Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank, em relatório aos clientes.
"Barulhento" pode ser um eufemismo. Pouco da agenda de Le Pen é compatível com o orçamento ou as regras antitruste da UE. No entanto, para os mercados, pelo menos, dado que o seu partido ainda precisaria ganhar o controle da Assemblée Nationale em junho para conseguir avançar com essa agenda - o que parece improvável - o pior cenário realista para os mercados parece razoavelmente limitado.
Mais preocupante é o fato de que uma vitória de Le Pen seria - literalmente - uma sentença de morte para a Ucrânia, e um convite para que a Rússia continue com suas aventuras imperialistas na Europa Oriental se, e quando, conseguir digerir a sua presa atual. Durante a campanha, Le Pen disse sem reservas durante uma entrevista televisiva que preferiria baixar os preços da gasolina para os motoristas franceses que apoiar a Ucrânia com sanções contra a Rússia. Esse tipo de fala pode comprar votos baratos a um preço suficientemente baixo, mas no longo prazo, pode custar à Europa ainda mais do que custaria o seu sonho de "Frexit".