Investing.com – Safra menor, preços recordes. Não é só a alta do café que faz a primeira refeição do dia mais amarga, mas os preços do suco de laranja vêm encarecendo o café da manhã dos consumidores. Com calor, seca e greening no Brasil, principal produtor no mercado global, os estoques estão em mínimas históricas. Se os preços já estão elevados, a tendência é de que subam ainda mais.
De acordo com o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), a safra de laranja de 2024/2025 deve ser a pior em mais de 30 anos, com queda de quase 30% na safra em relação à anterior. Com a fruta mais escassa, diante de estoques brasileiros e mundiais que já estavam baixos anteriormente, o preço segue em valorização.
A alta nos preços não leva a uma diminuição da demanda tão expressiva que inverta essa tendência. Para o suco reconstituído, de pior qualidade, houve queda no consumo nos Estados Unidos, por exemplo. No entanto, para o NFC, a demanda até aumentou nos primeiros oito meses deste ano, destaca Andrés Padilha, analista setorial do Rabobank, que concedeu entrevista sobre o tema ao Investing.com Brasil.
Ou seja, para o consumidor de produtos premium, preços mais altos não significam deixar a rotina de lado e optar por suco de outra fruta, por exemplo. Com problemas de oferta, os preços do FCOJ vão na direção de patamares recordes, e podem atingir US$5/lp em Nova York
O mercado de suco de laranja tem se aproximado das máximas históricas, com diminuição na safra e falta do produto. A depender do tipo de suco, a sensibilidade do consumidor muda, segundo Padilha.
“Olhando as condições hoje, eu acho que vamos ter pelo menos uns dois anos de preços bem altos”, destaca o especialista.
Investing.com – Quais os principais motivos para a valorização nos preços do suco de laranja?
Andrés Padilha – Em primeiro lugar, estamos tendo uma quebra de safra importante em São Paulo. Considerando esse último número que o Fundecitro soltou, de 215 milhões de caixas, estamos falando em uma quebra de 30%, comparada com a safra do ano passado.
No ano passado, foram 307 milhões de caixas, esse ano vão ser 215 milhões, o que é uma quebra gigantesca. E, somado a isso, já havia uma fase estoques muito baixos, tendo em vista que nas últimas três safras, o consumo ficou acima da oferta. Os estoques globais vinham caindo e essa safra iniciou no menor patamar histórico de estoques.
Ainda não saiu o número da Citrus BR para os estoques de suco brasileiro, mas o ano passado foi 85 mil toneladas e para esse ano deve ser ainda mais baixo. É claramente um cenário no qual a oferta caiu muito e muito rápido.
Inv.com – Além dos problemas na safra brasileira, há outros fatores que levam aos preços históricos no cenário internacional, como problemas no clima do México?
Andrés Padilha – Outros países produtores também estão com problemas. Então, a Flórida já perdeu praticamente 85% da produção dela, se comparada com os patamares mais altos ali de 10, 15 anos atrás. Além disso, o México e outros países que produzem, eles não têm a capacidade de repor o que o Brasil está deixando de produzir.
Inv.com – O que move os preços neste momento?
Padilha – Com essa quebra de safra, explicada esse ano principalmente pelo clima, pois estamos tendo uns 18 meses bem desafiadores para o clima, o ano passado teve várias ondas de calor, seca intensa. Neste ano, todos os recordes foram ultrapassados de estiagem.
E, além disso, temos o greening, que está bastante presente nos pomares em São Paulo. O último dado do Fundecitrus foi 38% das árvores contaminadas no ano passado e este ano deve ser um número acima disso, mais próximo dos 45%, ou até mais. E, infelizmente, é uma doença que não tem cura e ela vai impactando a produtividade das árvores. O clima é um grande fator que pode mudar as coisas.
Pode ser que a gente tenha uma temporada de chuvas boa e a safra do ano que vem possa se recuperar. Mas, olhando as condições hoje, eu acho que vamos ter pelo menos uns dois anos de preços bem altos.
Inv.com – Com os preços mais elevados, há alguma perspectiva de mudança no comportamento do consumidor em relação à troca desse produto? Essas altas recentes trouxeram reações do tipo?
Padilha – O que estamos vendo é um comportamento diferente dependendo do produto. Então, por exemplo, basicamente existem dois produtos que a indústria suculina produz, que é o concentrado, o FCOJ em inglês, que basicamente é utilizado para fazer suco reconstituído.
O suco é exportado congelado, desidratado. Ele chega no destino e é adicionada água novamente, reidratado, para produtos que tendem a ser de uma qualidade um pouco mais baixa.
O outro é o NFC, que é o Non From Constrict, que já é o suco integral, 100%, sem o processo de desidratação, e ele é utilizado para produtos mais caros. Olhando os dados de vendas no varejo nos Estados Unidos, por exemplo, a venda do concentrado está caindo cerca de 30% em volume esse ano.
E a parte NFC está subindo 1% em volume. O consumidor de produtos mais caros, mais premium, ele está disposto a pagar mais, mas os produtos mais direcionados para um grande consumo, percebemos que o consumidor tende a ser um pouco mais sensível a essa alta de preço.
Devem ocorrer mais altas de preços no varejo nos próximos meses, também no NFC. Como um todo, o consumo está caindo um 15% mais ou menos este ano, a nível global.
Inv.com – A sensibilidade é distinta, então, para o tipo de produto?
Padilha – Sim. E também porque o consumo do NFC não é só no varejo, mas também em restaurantes, hotéis. Então para eles está tudo bem, está pagando 30%, 40% ou mais pelo suco, mas dentro do todo não é tão pesado quanto uma família que tem que pagar esse aumento.
Inv.com – Os estoques no mercado internacional estão no menor patamar histórico. O Brasil pode ficar sem estoque?
Padilha – A realidade é que há menos suco disponível e o Brasil representa mais de 70% das exportações. Então, se o Brasil está com uma quebra de safra de 30%, quer dizer que há menos suco. Não tem o que fazer.
Compradores de mercados mais periféricos, como África, Oriente Médio, partes da América Latina, não vão ter acesso, porque os compradores da Europa e Estados Unidos estão pagando muito caro, estão tentando garantir esses suprimentos.
Para compradores desses mercados menores, vai ser bem difícil conseguir o produto. Basicamente, vai faltar suco para demanda e por isso os preços estão subindo nesse patamar.
Inv.com – O que poderia, para a próxima safra, reverter um quadro como esse, na visão de vocês?
Padilha – Seria uma temporada de chuvas muito boa. Mas teria que começar agora, logo já em outubro, para ajudar a baixar o estresse das árvores, ter boas floradas, com bom pegamento dessa fruta nas árvores. E isso ajudaria a recuperar a produtividade para, no ano que vem, ter uma safra melhor. Não é impossível, mas olhando as projeções climáticas que a gente acompanha bastante, elas indicam temperaturas acima da média e chuvas irregulares para os próximos meses. Então, o quadro não é tão positivo, por enquanto.
Inv.com – Vocês trabalham com projeção de preço? Qual seria?
Padilha – O que a gente tem falado para os nossos clientes nos relatórios é que, olhando os futuros em Nova York, esses preços vão se manter acima de 4,50, 4,50 dólares pelos próximos seis meses, pelo menos. E pode ser que até mais perto dos 5. Então, 4,50 ou 5 dólares, nesse patamar, porque realmente falta produto.
Se o clima começar a melhorar e as pessoas ficarem um pouco menos pessimistas com relação ao próximo ano, isso pode trazer os preços um pouco mais para baixo.
Mas realmente falta de produto e o mercado parece bem sustentável para se manter nesse patamar bem alto. O consumo de fruta in natura também cresceu depois da pandemia, não só no Brasil, mas em outras regiões do mundo.
O problema é que o suco de laranja depende também desse mercado de fruta fresca. Por exemplo, em países como México, Europa, o principal mercado para os agricultores é o mercado de fruta fresca. Então, dado que a demanda continua muito aquecida nesse lado, isso dificulta também a produção de suco em várias regiões.