No universo das commodities, só se fala na carnificina no petróleo, que fez o barril de West Texas Intermediate ser cotado abaixo de zero, e na dificuldade de encontrar navios-tanque para armazenar petróleo, comparável apenas à dificuldade de encontrar ventiladores pulmonares para pacientes de Covid-19 em alguns países.
Mas os produtores de outras duas matérias-primas estão sofrendo as consequências da destruição de demanda de energia causada pelo coronavírus, cujas vozes foram praticamente silenciadas pelos estrondos no petróleo.
São os produtores de milho e açúcar que fornecem matéria-prima para a fabricação de etanol, biocombustível usado como aditivo obrigatório na gasolina vendida no Brasil, Índia e Estados Unidos.
A realidade é que a necessidade de produzir etanol agora é a mesma dos combustíveis automotivos. Com metade da população mundial de 8 bilhões de pessoas vivendo sob regras de restrição de mobilidade para controlar a disseminação do vírus, praticamente ninguém está dirigindo, a menos que seja absolutamente necessário.
Açúcar atinge mínima de 12 anos; e o milho, a de 4 anos
Os preços do açúcar negociado na ICE Futures dos EUA atingiram a mínima de 12 anos, a 9,55 centavos por libra na terça-feira, desvalorizando-se 33% desde o fim de janeiro. Já os futuros do milho na Chicago Board of Trade alcançaram o fundo de quatro anos a US$ 3,09 por bushel, uma queda de 20% desde o fechamento de dezembro.
Os preços do etanol em si, cotados a cada quantidade determinada de dias na CBOT devido à falta de volume diário, não se saiu tão mal diante da derrocada do petróleo na segunda-feira, desvalorizando-se 4% na semana. De acordo com a última cotação de 19 de abril, havia atingido apenas a mínima de um mês a 86 centavos por galão. No ano, entretanto, os futuros do etanol haviam se desvalorizado 32%.
As ações das principais produtoras de etanol nos EUA, como Archer-Daniels-Midland (NYSE:ADM), Valero Energy (NYSE:VLO) e Green Plains Renewable Energy (NASDAQ:GPRE), também não perderam muito dinheiro nesta semana.
O maior prejuízo, entretanto, tem sido para os produtores de cana em Uttar Pradesh, na Índia, e em São Paulo, no Brasil, além dos produtores no Cinturão do Milho espalhados pelo Centro-Oeste dos EUA.
Antes mesmo do início de abril, os moinhos de açúcar na Índia já enfrentavam dificuldades para fornecer etanol às empresas locais de comercialização de petróleo e diesel, após as drásticas medidas de isolamento social impostas pelo primeiro-ministro Narendra Modi, que proibiu qualquer tráfego não essencial nas estradas do país de quase 1,4 bilhão de pessoas.
História de terror no petróleo piora ainda mais a situação das matérias-primas do etanol
A história de terror no petróleo nesta semana provocou uma insana corrida em busca de qualquer lugar para armazenar petróleo – desde tanques e barcaças até superpetroleiros, oleodutos e vagões de trens –, piorando ainda mais a situação dos produtores de matérias-primas agrícolas para o etanol.
“Preocupações com o fato de que a produção de etanol não começará a aumentar no futuro próximo ainda pesam sobre os preços futuros [agrícolas]”, declarou Clif Droke, especialista em commodities da Financial Sense Wealth Management.
“A fraqueza nos futuros do petróleo faz com que o etanol ficasse ainda mais caro para misturar em combustíveis, reduzindo sua demanda”, declarou Droke, que disse ainda:
“Ainda temos um longo caminho pela frente até que o processamento de etanol se torne rentável novamente. Isso disponibiliza mais cana para processamento de açúcar.”
Dan Hueber, analista veterano de grãos em St. Charles, Illinois, concorda.
“Infelizmente, a ação no setor de energia pesou bastante no mercado de milho ontem, já que muitos consideram que foi cavado mais um palmo na sepultura do etanol”, escreveu Hueber em um comentário em referência ao crash do petróleo na segunda-feira.
O autor do Hueber Report sobre grãos afirmou que era difícil discutir com a lógica do menor uso correlacionado à produção reduzida de etanol.
No pior cenário, modelos preveem que preços podem cair além de níveis realistas
Mas ele notou que também era comum nos mercados construir modelos de piores cenários, prevendo que os preços poderiam cair além de níveis realistas.
“Acredito que essa seja a situação do milho neste momento, e a ação dos preços durante o resto deste mês será um pouco mais que ‘ruído’ de mercado”, afirmou Hueber.
Relatórios agrícolas mostram que, apesar da Covid-19, os produtores do Centro-Oeste americano já vinham acelerando o ritmo das plantações com a chegada de temperaturas mais quentes, aumentando as expectativas que as áreas de cultivo crescerão enormemente na próxima safra.
“Os produtores já estão no campo, ignorando os níveis de precipitação. Cerca de um quarto das plantações deve ser concluída nesta semana", afirmou Charlie Sernatinger, diretor global de futuros de grãos na EDF (PA:EDF) & Man, em uma nota aos clientes.
O Departamento de Agricultura dos EUA declarou, na segunda-feira, que os produtores do país já haviam plantado 7% da sua área pretendida de milho até domingo.
No caso do açúcar, a empresa de pesquisa do setor Czarnikow Sugar previu recentemente uma queda de 2 milhões de toneladas no consumo global de açúcar em razão do vírus. Na nota, o analista Ben Seed afirmou que, além do declínio no consumo na temporada de cultivo de 2019/20, a previsão era que o consumo per capita mundial de açúcar seria menor em 2020.
Apesar dos estoques de açúcar no âmbito do varejo – e também por parte de consumidores individuais –, havia uma expectativa de queda considerável na demanda mundial do adoçante, em razão dos fechamentos de restaurantes, além de menos festas e celebrações em razão da pandemia, declarou Droke ao Financial Sense Wealth. O analista disse ainda:
“Além disso, os operadores precisarão acompanhar um possível aumento na oferta de açúcar no Brasil nos próximos meses durante sua temporada de colheita nesta primavera."
“Em vista desses fatores, recomenda-se uma sólida posição de caixa enquanto esperamos pelos danos provocados pelo coronavírus ao mercado."