Chadwick Boseman é mais do que o Pantera Negra. Embora tenha sido marcado pelo super-herói da Marvel, fez outros filmes importantes, incluindo gravações com câncer já em estado relativamente avançado. Sua participação em “Da 5 Bloods” foi especialmente marcante para mim. Gosto muito do Spike Lee.
Ao mesmo tempo, numa daquelas ambivalências típicas, Boseman é menos do que o Pantera Negra. Não por algum demérito pessoal. Longe disso. A representatividade desse super-herói transborda as habilidades humanas. Black Panther foi o primeiro super-herói de ascendência africana, tendo aparecido pela primeira vez em julho de 1966 — sua origem é anterior à criação do Partido dos Panteras Negras, em outubro de 1966, e, segundo Stan Lee, não guarda correlação político-partidária.
Evidentemente, há uma associação direta entre seu personagem e a cor da pele preta. Para mim, porém, o super-herói representa mais do que isso, algo mais amplo, uma certa aceitação geral da diferença, uma convivência amigável com qualquer tipo de raça, gênero ou cor da pele. Wakanda é, simultaneamente, nacionalista e globalista (aqui numa interpretação diferente daquela atribuída com uso político do termo). Nacionalista porque coloca o cidadão do respectivo reino acima de interesses particulares — se meu irmão é menos competente do que um wakandense desconhecido, contratarei para o cargo o desconhecido. Globalista porque admite a convivência amorosa e respeitosa com indivíduos de outras regiões, sem xenofobia ou preconceito. É uma ode à ausência de discriminação e à real democratização de elementos estruturantes da formação de um país. Coisas importantes, sejam bens materiais, seja o conhecimento ou seja o acesso a determinados recursos naturais, não estão restritos a uma minoria elitista e dita “doutora”.
Fiquei perplexo ao saber da morte de Chadwick Boseman. Fui avisado de seu falecimento enquanto lia a reportagem de capa da revista Veja, sobre o aumento exponencial dos CPFs na B3. Enquanto perdíamos a representação de um ideário de igualdade e respeito à diferença, a revista de maior circulação do país tratava da democratização do investimento em ações. Claro que há um viés pessoal nessa associação. Ao martelo, tudo lhe parece prego. Mas, para mim, para todos da Empiricus e para outros que apostaram no desenvolvimento do nicho de investidores pessoas físicas, cujo exemplo maior é, sem dúvida, a XP, com seus devidos méritos, aquela capa teve um significado especial.
Esperamos por décadas a devida popularização do investimento em ações no Brasil. E embora eu ache que este seja só o começo do processo, ocupar a capa da Veja, daquela forma, apresenta um significado especial. Primeiro, porque deve ser a primeira vez que uma revista de grande circulação trata com viés editorial positivo a chegada de pessoas físicas à Bolsa. Depois, porque existe ali uma sinalização contundente de que muito ainda está por vir, podendo chegar a 10 milhões de cadastros na B3.
Sim, sim, você tem toda razão. Capas de revista não são propriamente um bom agouro para o investimento em ações. O histórico aponta correlação altíssima entre picos do Ibovespa e o protagonismo da renda variável brasileira na Exame ou na Economist — sinal mais contundente de venda talvez só na entrada de algum rabino famoso na Bolsa. Mas não sou sujeito supersticioso.
Anedotas à parte, como devemos ver a chegada de tantos investidores à Bolsa? Será que, como em Wakanda, podemos tratar os neófitos sem preconceito, de forma realmente democrática, todos iguais perante as leis do mercado?
Temos uma oportunidade única diante de nós.
As taxas de juros foram estruturalmente mudadas para baixo no Brasil — ainda que potencialmente o Banco Central venha a subir a Selic em algum momento do ano que vem, é improvável que voltemos a conviver com aquela jabuticaba de juros básicos de dois dígitos, que sempre nos acompanhou e nos caracterizava como o paraíso do CDI. A morte do rentismo empurra as pessoas para as ações. O sapo não pula por boniteza, mas por precisão.
Por conta da tecnologia, nunca foi tão fácil investir em ações. Se antes você precisaria de 38 assinaturas, com firma reconhecida fisicamente em cartório, para poder operar em Bolsa, agora com cinco minutos e um celular capaz de tirar foto você tem conta aberta numa plataforma de investimentos.
Ao mesmo tempo, diante da proliferação da internet e das redes sociais, o acesso à informação sobre investimentos e à educação financeira também nunca foi tão fácil.
Ocorre, porém, que aqui também há uma enorme ambivalência. Se, de um lado, estamos diante de uma oportunidade histórica de desenvolver o mercado de capitais e democratizar o investimento em ações para milhões e milhões de pessoas, por outro, enfrentamos um enorme risco. Do mesmo jeito que perdemos o ícone Chadwick Boseman, não podemos perder a chance de mudar a realidade da construção patrimonial de boa parte das famílias brasileiras.
Se encararmos o processo com maturidade e profundidade, teremos uma caminhada rica à nossa frente, vivendo algo semelhante ao observado nos EUA entre os anos 80 e 90. Já se enveredarmos pelo caminho da ansiedade e, até mesmo, de certa ingenuidade, acreditando se tratar de um jogo fácil, em que existem atalhos e que cada investidor é também em si um grande super-herói, vamos abortar um processo histórico antes mesmo de ele ter se consolidado. Há um risco de que a mania de se investir em ações — e, sim, existe um elemento de mania no fenômeno corrente, o que é um tanto perigoso — provoque ferimentos importantes no seio do patrimônio familiar. Os machucados simplesmente expulsariam boa parte de uma geração da B3, maculando por décadas o investimento em ações, como aquela pessoa que queima a mão no fogão e passa a achar que a culpa é do fogão, optando por nunca mais voltar a cozinhar.
O que significa encarar o investimento em ações com responsabilidade e profundidade?
Se você, como um leigo, fosse desempenhar qualquer nova atividade na sua vida, seria prudente começar devagar, colocando o pé na água. Se você decidisse hoje iniciar a prática de tênis, dificilmente se disporia a enfrentar o Rafael Nadal de imediato. É provável que procurasse praticar bastante, compraria a melhor raquete possível para auxiliá-lo, treinaria bastante, leria revistas e assistiria a filmes sobre o esporte. Em resumo, você dedicaria tempo e dinheiro ao processo.
Já escrevi sobre isso, mas volto rapidamente ao tema. Tenho preocupação particular com dois grupos de entrantes na B3.
Existe um primeiro time que chega ávido pela dica esperta da internet. Como resumiu Tom Nichols, a disseminação das redes sociais, embora positiva como um todo, teve como efeito colateral a morte da expertise. O guru da moda, aquele que acertou o último movimento da Bolsa, muitas vezes por sorte (atirou no valuation, acertou na Covid), acaba tendo milhares de seguidores, talvez milhões. Ele passa a dica esperta ao internauta, que passa a segui-la cegamente. O problema é que normalmente não tem dica esperta. Como resume Ray Dalio, as pessoas precisam parar de perguntar qual o ativo certo para comprar e passar a se questionar qual a diversificação certa a se ter.
A segunda turma é a antítese da anterior. Ela é extremamente desconfiada e acha que deve seguir sozinha, sem auxílio. É como uma aposta na automedicação. Ora, se até os grandes profissionais erram no mercado de capitais, qual a chance (fora da aleatoriedade e da sorte, que, por definição, não costumam durar no longo prazo) de um investidor leigo ter um desempenho acima da média sem a devida orientação? É apostar na capacidade de superar o Nadal logo de cara. Se os grandes gestores e investidores dedicam horas e horas de seu dia à leitura de reportagens e researches pelo mundo, por que o leigo deve alijar-se dessa prática? Numa apresentação da Fundação Estudar no BTG (SA:BPAC11), ouvi do André Jakurski que ele lê centenas de páginas de research de investimento por dia — olha, eu não sei se é verdade; centenas é muita coisa (com imagem e letra grande, talvez eu chegue lá!), mas passa um pouco da necessidade de se levar isso a sério.
Como fala o próprio Jakurski, gestão de recursos você faz com intensidade ou você não faz. O mercado financeiro é um campeonato de Fórmula 1.
Essa é a profundidade que eu defendo. Se, de um lado, devemos tomar cuidado com o que se diz por aí, de outro não devemos nos cegar para o conteúdo de qualidade, que pode nos auxiliar (e muito!) no processo. Eu mesmo leio vários researches e jornais por dia — não chega a 400 páginas, confesso, mas é lote.
E a responsabilidade é para consigo mesmo. Seu patrimônio, com raras exceções, foi construído com muito suor, trabalho e dedicação. É simplesmente irresponsável você tratar o investimento como um jogo, em que se depositam ali as economias de sua família e ficamos torcendo (sim, porque muitas vezes não passa de torcida) para dar certo.
Se eu pudesse dar uma pequena contribuição para tentar evitar o cenário de não aproveitarmos essa oportunidade histórica que estamos vivendo, algumas palavras seriam:
1. Lembre-se de que você não é um super-herói. Respeite o mercado, tenha humildade perante a renda variável. George Soros, que é o George Soros, sempre diz o quanto ele respeita a sabedoria das massas e o quanto costuma, na maior parte do tempo, seguir a tendência. São raras as situações em que devemos ser contrarians — elas existem, mas são exceções.
2. Tente separar o joio do trigo. Há muita gente boa por aí, mas existem muitos charlatões também. Mesmo muitos daqueles que não são charlatões por vezes negligenciam os riscos do mercado, adotam posturas epistemológicas arrogantes e atribuem a si super-poderes. Nós temos 35 analistas aqui, gente muito séria e trabalhadora, formada e pós-graduada nas melhores escolas do país, com larga experiência de mercado. Ainda assim, a gente erra pra caramba. Imagina o que não está sendo feito por aí. Se você vai procurar orientação em research ou vai investir via fundos, procure por equipes grandes, institucionalizadas, com processos, track records de longo prazo (mais de cinco anos pelo menos) e cientes de suas próprias limitações.
3. Não tente fazer o golaço. Muitas vezes, é melhor deixar algum dinheiro na mesa. O líder do ranking dos investimentos nos últimos dez anos é aquele que investiu 100% do seu capital em bitcoin. Ele teve uma atitude prudente? Na maior parte do tempo, aquele que se vangloria de um super-sucesso em Bolsa apenas não se deu conta do risco a que esteve submetido.
4. Sempre, sempre e sempre diversifique seus investimentos, inclusive entre moedas e entre geografias. Na sua vida pessoal e/ou profissional, você já deve ter percebido que este país realmente não é para amadores. Isso não tem nada a ver com o governo — é uma questão de Estado. O Brasil não é o que é à toa. Não começamos ontem e a culpa não é do Bolsonaro (embora possa ter sido em alguns momentos do mês de agosto, com seus flertes ao abandono da trajetória fiscal). Se você reconhece na física que o Brasil é complicado, por que diabo vai manter todo seu dinheiro aqui?
5. Esqueça seu vizinho. Warren Buffett fala que não consegue entender a pessoa que tem US$ 50 milhões e está triste porque o rapaz ao lado tem US$ 51 milhões. Sua única batalha é consigo mesmo e seu compromisso é com o patrimônio da sua família. Sim, isso é um compromisso.
6. Jamais compre menos de dez ações. Se você não pode ter pelo menos dez ações na sua carteira, compre um ETF. Surpresas acontecem. Erre pequeno. Nunca se dê ao luxo de errar grande. Se você vai dormir preocupado com o comportamento de uma ação específica, isso é um sinal inequívoco de que você tem uma posição grande demais naquele ativo.
7. Nunca tente adivinhar o futuro. Ninguém sabe o que vai acontecer com o mundo, com o Brasil, com um setor, com uma ação específica. Pense nos mais variados cenários possíveis à frente e nos preços associados. Persiga assimetrias convidativas. Isso pode parecer pouco, mas é tudo que dá para fazer.
8. Tenha paciência. Ações são pedaços de empresas e, portanto, obedecem a ciclos empresariais. Empresas não mudam do dia para a noite. Todos gostaríamos de ganhar dinheiro no curto prazo. O problema é que, como técnica sistemática, essa é uma tarefa quase impossível.
9. Pense probabilisticamente. O investimento é uma decisão pensada prospectivamente, mas cujo resultado será reconhecido apenas retrospectivamente. Você não pode se achar certo ou errado simplesmente porque subiu ou caiu. Foque no processo e na qualidade de sua decisão condicionada às informações disponíveis à época da própria decisão.
10. Enjoy the ride. A tarefa vai ser bem mais facilmente executada se for feita com prazer.
Se você está lendo essas linhas, já é um investidor muito mais maduro e responsável do que a média. Não por mérito meu ou dessas linhas. O mérito é seu, que foi atrás de informação proveniente de uma equipe grande, séria e de uma empresa líder de um setor, com 11 anos de atuação.
Todos nós — eu e você — de algum modo podemos ser responsáveis por este momento único vivido no mercado de capitais brasileiro e podemos contribuir para que famílias evitem o caminho da ruína e tomem o caminho da prosperidade. Por isso, hoje eu gostaria de te pedir uma ajuda.