“Incerteza”, sem querer ser espirituoso, é um termo de significado incerto. A palavra tem diferentes sentidos para diferentes pessoas. Se recorrermos aos acadêmicos, o debate se intensifica. Para evitar uma longa discussão, vou trazer para vocês o meu arcabouço preferido para tratar da incerteza. Ele se origina dos trabalhos do economista Frank Knight, um dos fundadores da Escola de Chicago e professor de, entre muitos outros, os vencedores do Nobel Milton Friedman, George Stigler e James Buchanan.
A incerteza pode ser categorizada em três tipos que, em inglês, são chamados de: (1) known, (2) unknown e (3) unknowable. Vamos entender cada um deles.
A incerteza que é conhecida (tipo 1) é aquela cuja distribuição estatística de seus resultados é perfeitamente previsível. Por exemplo, qual a chance de tirar um “5” ao se jogar um dado de seis faces? Se o dado não for viciado, sabemos antes mesmo de lança-lo que nossa chance será igual a um resultado favorável a cada seis possíveis, ou aproximadamente 17%. Esta é a probabilidade clássica e é também o que muitos costumam chamar de “risco”. O psicólogo alemão Gerd Gigerenzer diz que o risco pode ser calculado quando conhecemos todas alternativas consideradas relevantes, suas consequências e as probabilidades das mesmas ocorrerem.
Já a incerteza desconhecida (tipo 2) é muito mais comum no mundo dos negócios. Por exemplo, no lançamento de um novo produto financeiro, como calcular a chance de superar 100 milhões de reais a partir da captação de novos clientes? Certamente não poderemos calcular como um jogo de dados. Até porque aqui este dado é “viciado”, ou seja, sofre a influência de diversos fatores. É um problema de probabilidade estatística agora. Podemos, por exemplo, fazer estimativas a partir de eventos similares do passado ou de produtos da concorrência. Ou ainda de quaisquer outros critérios que façam sentido.
Já deu para perceber que a incerteza é um continuum, não? Algumas distribuições desconhecidas são mais facilmente estimáveis com base no que conhecemos do que outras (ou, ao menos, assim as percebemos). No limite desta escala, quando o evento que temos que estimar torna-se, literalmente, impossível de ser estimado, chegamos à incerteza incognoscível (tipo 3), aquela para a qual ainda não existe distribuição estatística. E que, em uma bela homenagem à Frank Knight, passou a ser chamada de Knightian uncertainty. Por exemplo, imagine-se presente no advento da Internet, criada em 1969 com a função de interligar laboratórios de pesquisa. Se alguém solicitasse sua previsão de quais negócios surgiriam nos próximos cinquenta anos a partir daquilo, qual a chance de você chegar no Facebook (NASDAQ:FB) (SA:FBOK34)?
Rupturas derivadas de grandes inovações podem trazer situações de incerteza “knightiana” a aqueles envolvidos com o planejamento do futuro. Mas mesmo doses menores de incerteza já são o bastante para tirar o sono do mais ponderado tomador de decisão, principalmente quando as consequências são relevantes. Não é exagero afirmar que a incerteza molda nossas vidas. E, como consequência, nossas criações, como as empresas. Vamos ver alguns exemplos.
A discussão quase filosófica dos limites de uma empresa é pautada pela percepção da incerteza nos negócios. Que processos vale a pena terceirizar e utilizar os mecanismos de preço do mercado ou, ao contrário, internalizar e usar a própria burocracia da empresa? Conforme aumenta a incerteza sobre, por exemplo, o comportamento oportunista de parceiros comerciais, aumentam os custos de transação de gerenciá-los (via contratos ou outros sistemas de controle) e, por consequência, o estímulo para internalizar atividades.
Um dos mais importantes modelos sobre o processo de internacionalização de empresas, desenvolvido na Escola de Uppsala, na Suécia, tem o conceito de incerteza em seu âmago. Para reduzir a incerteza percebida sobre a atuação em mercados externos as empresas seguem duas premissas para minimizá-la: (1) buscam se expandir primeiro para mercados mais parecidos com o seu mercado doméstico, e (2) internacionalizam-se com passos incrementais, geralmente começando com a exportação, ganhando experiência sobre o mercado externo (diminuindo a percepção de incerteza sobre o mesmo), e aí comprometendo mais recursos até eventualmente chegar ao investimento direto no estrangeiro.
Já os gerentes de níveis inferiores são, em geral, mais avessos ao risco (e à incerteza) do que quem está no topo nas organizações. Isto já foi mensurado em diversas pesquisas. A pergunta é: por quê? Bem, muitas vezes eles simplesmente não sabem qual é a estratégia de risco da organização e optam por ser mais conservadores do que o esperado. Uma verdade do mundo corporativo é que organizações aplicam incentivos que acabam sendo contra seus interesses no longo prazo. Por exemplo, a punição de fracassos por resultados em ambientes de incerteza, quando boa parte estava fora do controle do gerente. O que as organizações podem fazer então para que seus funcionários sigam uma estratégia racional no tocante a assumir riscos? Algumas sugestões: (1) desenvolver e comunicar a perspectiva global da organização no que se refere a tomar riscos; (2) recompensar a qualidade das decisões ao invés dos resultados; e (3) recompensar os gerentes com base no sucesso da organização, ao invés do sucesso individual. O fato é que um processo de tomada de decisão ruim pode levar a resultados desastrosos para todos.
Finalmente, como fazer o planejamento estratégico de uma empresa quando os níveis de incerteza “batem no teto”? Neste caso, o que recomendo é esquecer momentaneamente dos planos e tentar “controlar” o futuro através de pequenos passos incrementais, como prototipar um produto, ver a reação dos clientes, aprender um pouco mais do assunto, até o nível de incerteza tornar-se mais tolerável. Bem, isto já seria assunto para outra coluna.
Por hora, basta ter consciência que a incerteza é o resultado de nosso conhecimento incompleto do mundo. E ainda sobre a conexão entre nossas ações presentes e seus resultados futuros. Não, a incerteza não vai embora. O que nos resta é aprender a conviver com ela.
* Luís Antônio Dib é professor do quadro permanente do COPPEAD, consultor e palestrante.
Ele é mestre e doutor em Administração, além de possuir certificações da Harvard Business School. Dib já criou e coordenou diversos cursos de pós-graduação e ministra disciplinas nas áreas de Julgamento e Tomada de Decisão, Estratégia, Negociação e Internacionalização. Sua experiência profissional inclui cargos executivos na Shell, Telefônica e TIM, além de vários anos como consultor de alta gestão pela Booz-Allen. Dib discute conceitos complexos do mundo dos negócios e o impacto estratégico de novas tecnologias de forma clara, direta e bem-humorada, sendo um dos mais importantes interlocutores brasileiros para questões ligadas à gestão de empresas.