Você Perdeu Dinheiro Com as Debêntures da Rodovias do Tietê?

Publicado 13.02.2020, 09:54

Você é debenturista de Rodovias do Tietê?

Se sim, provavelmente perdeu dinheiro, certo? Então, vamos conversar sério hoje. Afinal, prejuízos, em especial desse tamanho e por essas razões, são coisas para lá de sérias.

Permita-me a ousadia de subverter a ordem e hoje começar pela conclusão: o caso envolvendo a emissão e a distribuição dessa debênture, com todos seus desdobramentos, é uma das maiores demonstrações dos conflitos de interesse e de desrespeito aos investidores de varejo da história do mercado de capitais brasileiro.

Venderam um sonho irreal interessados em sua própria remuneração, uma noiva linda de retornos certos e gordos que dependia de um cenário altamente improvável — talvez o termo preciso fosse “impossível”. Empurraram esse negócio em todo investidor pessoa física do planeta Terra, atrás de vantajosas comissões — são 18 mil debenturistas! — enquanto as mesmas instituições descarregavam as debêntures de seus fundos próprios, já tendo percebido o problema. “Comprem o que nós estamos vendendo.”

O tempo passou, as dificuldades ficaram públicas e cristalinas. Quando quiseram, marcaram a debênture a zero, levando a perdas expressivas para o investidor (não para eles, claro!), e agora sugerem tacitamente que você aceite uma oferta a 18% do valor de face do título, sendo que, conforme ficará claro nos próximos passos, isso pode valer até 50%, talvez 60% do valor de face no caso mais positivo.

Em resumo, os debenturistas de Rodovias do Tietê foram maltratados do início ao fim do processo, sendo explorados por forças obscurantistas, fragilizados por sua posição do lado desfavorável da assimetria de informação. No fim do dia, a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. Onde falta transparência sobre os incentivos e remunerações sobra espaço para apropriação indébita alheia.

Todos ganharam dinheiro nessa brincadeira. Os controladores colocaram a debênture numa taxa não condizente com seu perfil de risco de crédito. A máquina de moer carne da indústria financeira montou uma bela apresentação, em roadshows feitos na época em que o Cristo Redentor decolava na capa da Economist. Era relativamente fácil contar a história de que o PIB brasileiro cresceria 4% ao ano para sempre, sem nenhuma volatilidade, o que inexoravelmente viria a se transformar numa explosão do tráfego na concessão, dada sua incontestável elasticidade ao PIB. A sólida geração de caixa estava contratada ad infinitum . Combinando ao capex projetado claramente subestimado, seria fácil arcar com os serviços da dívida. O risco da debênture era baixíssimo, claro — “afinal, isso é renda fixa!” Como mostra o prospecto da emissão dessa debênture, só em comissões de estruturação e distribuição foram pagos mais de R$ 60 milhões, o que equivale a cerca de 6% do valor da oferta.

Planilha aceita qualquer coisa. Ela se molda às suas próprias motivações. Já a realidade morde. Não costuma muito se adequar aos seus interesses particulares. Se suas ideias não correspondem aos fatos, desconfio não ser um problema dos fatos.

Como todos sabemos a essa altura, logo a capa da Economist seria outra. Nós estragamos tudo. O crescimento do PIB não foi, nem de perto, o que se esperava (talvez em módulo!), o tráfego vinha sempre muito aquém das projeções iniciais e o capex surpreendia para cima. Deu no que deu. Não havia mais meios de arcar com o serviço da dívida. Rodovias do Tietê se viu em situação pré-falimentar e entrou com pedido de recuperação judicial.

Por conta da declaração do vencimento antecipado da dívida da empresa, uma importante corretora marcou o preço das debêntures a zero, pegando de surpresa alguns de seus investidores (perceba que há neste momento uma oferta na mesa, divulgada pela mesma corretora a seus clientes, no valor de 18% do valor de face). Entra em cena o agente autônomo de investimentos, também conhecido com o nome mais chique de assessor. Este não quer perder tempo com um ativo que só remete o cliente a problemas e para o qual toda sua comissão foi paga na cabeça, seja na forma de comissão de colocação quando da oferta primária, seja via spread no mercado secundário. Parece conflito de interesses? E o que dizer dos fundos da asset do grupo que se desfizeram dessas debêntures muito antes, a preços muito mais elevados e enquanto a corretora os despejava no varejo? O entendimento dessa corretora — a rigor, desprovido de diligente pesquisa — era de que o caminho para a recuperação judicial seria rápido e fácil. Os controladores e gestores apresentariam um plano crível e favorável aos credores e ao juiz do processo. Esse seria rapidamente aceito e teríamos retomado algum dinheiro da aplicação de volta.

Não poderia ser mais impreciso. Não existia qualquer sinalização concreta por parte dos controladores de que seria apresentado um plano crível e favorável aos credores.

E se havia alguma esperança de uma solução rápida pela via da recuperação judicial, ela se esvaiu no último dia 7 de fevereiro, quando os assessores dos debenturistas (Starboard e Felsberg) foram informados por interlocutores da Rodovias do Tietê (Munhoz e Laplace) que a empresa não seguiria com uma proposta em termos semelhantes àqueles anteriormente apresentados em assembleia de debenturistas — adaptei um pouco o texto original do release da corretora aos debenturistas, que falava em “nos mesmos termos semelhantes”; afinal, ou são os mesmos termos ou são semelhantes.

Em bom português, os termos piorariam aos debenturistas. Viria uma proposta leonina aos credores e a ideia de aceitação do plano de recuperação judicial de forma rápida e simples foi por água abaixo. Os controladores atuais não estão mais dispostos a colocar mais dinheiro na companhia, sendo que há uma imperiosa necessidade de injeção de cerca de R$ 400 milhões. E os controladores não se oporiam a uma venda da empresa por R$ 1. As medidas frustram por completo as esperanças otimistas sobre o processo iminente de recuperação judicial.

Mais uma vez, os debenturistas ficam em situação ruim, sem chance de recuperar significativamente parte de seu investimento pela via da recuperação judicial. A rigor, eles estão sozinhos e sem auxílio nesta caminhada. Ainda que formalmente haja os assessores formais, ninguém está, de fato, organizando e lutando pelos interesses dos debenturistas. De um lado, temos um grupo coeso e organizado, disposto a maximizar seu valor. De outro, 18 mil debenturistas difusos e desorganizados, incapazes, claro, de se articular para pleitear o que lhes é de direito em prol da maximização de seu próprio valor.

Para que isso seja possível, mais do que nunca, é fundamental aos debenturistas, caso eles tenham a intenção de ganhar algum dinheiro neste processo, coesão, organização e articulação, o que daria poder de fogo para enfrentar os controladores e gerar valor para si.

Então, o recado deste Day One é claro e direto: debenturistas de Rodovias do Tietê, uni-vos!

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