Ser sábio não tem a ver com agir, mas sim com observar.
E se você parar para observar detalhadamente, verá que a chamada “Super Quarta” deixou vários recados para o investidor, além de mostrar o quanto é importante analisar e compreender o cenário de forma global e conectada, para tomar boas decisões de investimentos.
Pode não parecer fácil à primeira vista, mas caso você queira compreender a “Matrix” da economia global, precisará entender que os juros brasileiros se movimentam de acordo com nossa inflação. Essa, por sua vez, é influenciada pelo câmbio, que é uma consequência da diferença dos nossos juros para os juros americanos, que podem subir com a inflação americana. Sem esquecer no Risco-Brasil, que é reflexo de nossa dívida pública, impactada pelos… juros!
Mas calma!
Propositalmente tentei resumir em um único parágrafo uma complexa engrenagem dessa ciência fantástica que se chama Economia. Mas vou procurar explicar, de forma simples e clara, os acontecimentos da última semana, suas conexões e seus desdobramentos.
O mercado passou a semana de olho nas decisões relacionadas aos juros aqui no Brasil, e, principalmente, nos EUA. E isso não é por acaso!
UM OLHO NO PEIXE…
Por aqui, a decisão do Copom em elevar a SELIC para 2,75% a.a. surpreendeu muito. Não pelo aumento em si, mas pelo tamanho desse aumento. Além de elevar a taxa de juros em 0,75 pp, o Comitê ainda sinalizou uma nova alta nessa mesma magnitude, na próxima reunião daqui 45 dias.
Em um primeiro momento, essa decisão parece negativa em termos de retomada no crescimento econômico.
Mas não é. A expressão “há males que vem para o bem” se encaixa exatamente nesse caso.
Em primeiro lugar, preciso dizer que não necessariamente uma SELIC baixa significa que uma economia estimulada. Se o objetivo de um juro baixo é reduzir o custo do dinheiro, por outro lado também reduz os spreads bancários, o que acaba os desestimulando a emprestar dinheiro. Assim, e os recursos que deveriam chegar às pessoas e às empresas acabam ficando “empoçados” nos bancos.
Em segundo lugar porque essa decisão mostra que o Banco Central está atuando de fato de forma independente e comprometido com seu principal propósito: controlar a inflação, a maior praga que existe para o desenvolvimento econômico sustentável de um país. E vejo isso de forma muito positiva.
Conforme disse o próprio Copom em seu relatório, trata-se de “uma estratégia de ajuste mais célere do grau de estímulo tem como benefício reduzir a probabilidade de não cumprimento da meta para a inflação deste ano, assim como manter a ancoragem das expectativas para horizontes mais longos”.
E já era tempo! Nosso IPCA atingiu 5,20% nos últimos 12 meses, já tocando o teto da meta de inflação, que é de 5,20% a.a. Aliado a isso, o IGP-M disparou 2,53% em fevereiro. Para que você entenda melhor, o IGP-M é um indicador de preços mais relacionado ao atacado, e acaba por ser um prenúncio da inflação de varejo, medida pelo IPCA.
Mas a maior preocupação do nosso Banco Central está fora do Brasil.
…OUTRO NO GATO!
Já nos Estados Unidos, o FOMC (Comité de Política Monetária do FED) não surpreendeu tanto assim, e manteve a taxa de juros norte-americana entre 0 e 0,25%, seguindo a linha esperada pelo mercado.
Ainda bem… nosso COPOM agradece! Sim, a grande notícia da semana veio da terra do Tio Sam.
Quando analisamos criteriosamente o porquê de nossa inflação estar subindo tanto, concluímos que o desequilíbrio não se encontra no lado da demanda, pois nossa economia está longe de estar aquecida. Nossa inflação se dá devido a aumentos nos preços dos combustíveis, das commodities e dos alimentos, impulsionados pela alta do dólar.
Então nosso ponto focal precisa ser o dólar. E o que faria o dólar subir ainda mais? Um aumento nas taxas de juros americanas! Se os juros americanos voltassem a subir, ainda mais dólares sairiam do Brasil, buscando uma taxa de juros em um país mais seguro do que o Brasil.
Logo, o que está tirando o sono de nossos gestores de política monetária são os possíveis efeitos inflacionários não aqui, mas sim nos EUA. Afinal, depois de mais um plano de estímulo trilionário, não seria surpresa se os preços começassem a subir lá e o juro americano tivesse que subir.
Felizmente, não é o que parece ocorrer, ao menos por enquanto.
ANOTANDO OS RECADOS
Após as definições da semana, podemos sintetizar algumas expectativas do mercado, de acordo com as novas premissas que foram colocadas à mesa.
Com relação à Taxa SELIC, a expectativa é que ela termine o ano entre 4% e 6%, continuando essa trajetória acelerada iniciada na última quarta. Quanto mais rápido o governo subir os juros, mais rápido a inflação poderá ser controlada, e consequentemente menor poderá ser a taxa final.
O ponto negativo fica por conta do aumento da dívida pública. De acordo com o Banco Central, cada ponto percentual adicional na SELIC e mantido por 12 meses causa um aumento na Dívida Bruta em R$ 31,8 bilhões. Ou seja, caso a SELIC chegue a 5%, por exemplo, nossa dívida deve ter um acréscimo de R$ 95,4 bilhões, tornando nossa fotografia fiscal ainda mais feia.
Com relação aos juros americanos, grande termômetro e referencial econômico, o presidente da instituição, Jerome Powell, já sinalizou uma manutenção de juros baixos por parte do FED até o fim de 2023, animando os mercados (e fazendo nosso BACEN dormir mais tranquilo).
Sendo assim, nesse momento, é provável que o dólar pare de subir, e talvez até perca força. Caso isso se concretize, a pressão em cima da nossa inflação diminui, e talvez tenhamos um alívio nos preços de alguns de nossos produtos e serviços.
Falando de investimentos, caso o dólar se deprecie, pode-se abrir uma janela de oportunidade para o investidor brasileiro que busca internacionalizar carteira para fugir do Risco-Brasil, afinal, como já citei, o serviço da dívida pública brasileira tende a aumentar.
Falando em Fundos Imobiliários (FIIs), um juro mais alto pode arrefecer o interesse do investidor e impactar nas cotas dos mesmos, caso a SELIC encoste nos dividend yields praticados pelos fundos. Mesmo assim, os yields seguem atrativos, principalmente pela vantagem fiscal.
Com relação às Ações, o aumento nos juros não deve gerar grandes impactos no curto prazo. Entretanto, um SELIC maior no Longo Prazo podemos ver uma variação maior nos valuations, principalmente por conta de um aumento no custo das dívidas das empresas.
Alguns setores que podem ser impactados positivamente pela alta nos juros são os Bancos (maior spread bancário) e Seguradoras (receitas financeiras são relevantes nos seus resultados, e a maioria das aplicações está em Renda Fixa).
Negativamente, empresas de Varejo e Construção civil podem sofrer pois dependem muito do crédito para prosperar, e um juro alto torna as taxas de financiamento mais caras.
Mas devemos continuar observando a engrenagem, pois o cenário ainda é incerto. A pandemia segue alternando nosso destino a todo momento. A única certeza é que o investidor que conseguir visualizar a influência de uma peça sobre a outra sempre estará um passo à frente.
Te espero no próximo artigo!
Forte abraço.