Para quem acompanhou de fora, as fortes quedas da bolsa nos últimos dias podem sugerir que o momento não é nada oportuno. Não é bem assim. Na realidade, a verdade é exatamente oposta, mas nem por isso você verá otimismo desenfreado nos próximos parágrafos.
Na última semana de fevereiro, mais precisamente no dia 26, o Índice Bovespa interrompeu sua tendência de alta ao perder o patamar dos 112 mil pontos. De lá para cá, as quedas chegaram a provocar um recuo de 40%, registrando movimentos históricos como o da última quinta-feira (12), quando uma queda de mais de 15% acionou dois circuit breakers em um único dia. E é sobre isso que quero chamar a sua atenção: a queda que estamos presenciando está longe de ser “apenas” o início de uma correção de mercado.
Neste momento, temos dois grandes eventos encabeçando o cenário. O primeiro é a crescente incerteza sobre o impacto da pandemia de coronavírus na economia global, que, por si só, já é suficiente para reduzir a maioria das projeções deste ano. O segundo é a guerra de preços do petróleo iniciada pela Arábia Saudita após a Rússia sair do acordo de cortes de produção da Opep que, por sua vez, tem tido pouca cobertura com o crescente número de casos de coronavírus.
No momento em que escrevo a vocês, o petróleo do tipo Brent é negociado a US$ 24,95 em sua menor cotação dos últimos 17 anos, de acordo com o departamento de energia norte-americano. Pode parecer algo pouco relevante dentro do quadro maior, mas é fundamental destacarmos isso porque a queda na arrecadação com os royalties do petróleo representa uma grande ameaça aos planos de recuperação econômica do Brasil e tem potencial para mudar a perspectiva de crescimento que tínhamos antes de todo esse caos começar.
Enquanto a crise sanitária estiver ocorrendo, é provável que sejam aprovados créditos suplementares e uma flexibilização da Lei de Diretrizes Orçamentárias por meio do decreto de Calamidade Pública que já está sendo debatido e permitirá os investimentos momentâneos necessários para preparar o sistema de saúde. Mas quando isso passar e estivermos sem dinheiro em caixa, como faremos para a economia voltar a acelerar? Essa é uma dúvida ainda pouco explorada pelo mercado no momento.
A contrapartida para os impactos da pandemia na economia até o momento tem chegado majoritariamente via bancos centrais. Nos EUA, por exemplo, o Federal Reserve já anunciou dois cortes extraordinários nos juros e, na semana passada, também anunciou a injeção de US$1,5 trilhão no sistema financeiro via recompra de títulos, o que, inclusive, evitou que a B3 chegasse ao terceiro circuit breaker daquele dia. Enquanto isso, mais recentemente aqui no Brasil, o Banco Central também anunciou a injeção de R$ 147,3 bilhões no mercado ao longo dos próximos três meses e cortou novamente a taxa Selic.
O problema é que tais medidas possuem efeito apenas anestésico e visam reduzir o impacto econômico da pandemia momentaneamente. Elas não são suficientes para reverter o cenário como um todo. É como enxugar gelo.
A verdade é que as autoridades responsáveis apostaram que apenas o corte nos juros seria suficiente para ganhar tempo enquanto aguardavam uma melhor leitura do cenário. Mas o problema evoluiu mais rápido do que se imaginava e agora são necessárias medidas mais drásticas. As apostas de momento estão concentradas em ajustes fiscais, mas será que só eles serão o suficiente?
O que sabemos é que precisamos de atitudes que garantam um pouco de previsibilidade aos investidores nesse momento de tanta incerteza. E essas medidas só podem ser tomadas pelos governos, tanto na área econômica quanto na área da saúde.
A situação não é fácil. Há muito trabalho a ser feito. E a crise não chegou, nem de longe, no melhor momento para nossa economia. Mas não há outra alternativa a não ser encarar o problema com a devida seriedade.
Enquanto isso, o investidor segue acompanhando a liquidação de ações de grandes empresas que possuem caixa e estrutura para percorrer e reagir a este cenário tão logo se encontre equilíbrio no mercado. Não estou aqui dizendo que as ações não possam cair mais e sim que, com paciência e boas análises, toda crise pode se transformar em uma oportunidade.