Apesar de termos, aqui no Investing, leitores mais interessados nas negociações em Bolsa, achei que seria interessante trazer a perspectiva do tema de vieses comportamentais de dentro das transações de M&A.
É verdade que a venda de uma empresa exige um processo mais demorado e complexo do que vender uma ação na Bolsa mas, no final do dia, ambos convergem em relação à dependência de pessoas para tomada de decisões.
Pessoas que, por sua vez, estão sujeitas as nuances e fragilidades do comportamento humano, muitas vezes distantes da racionalidade e pragmatismo previstos nas teorias clássicas de economia.
Vivemos num mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (características conjugadas usualmente no acrônimo “VUCA”), que reforça a importância de reconhecer e compreender as limitações da racionalidade dos seres para avaliação e tomada de decisões cada vez mais complexas.
São muitos os artigos aqui no Investing que tratam do tema de vieses comportamentais, então irei direto aos exemplos das armadilhas e desafios que cercam as negociações das empresas. Mas, antes disto, não posso deixar de recomendar a leitura do livro: “Rápido e devagar”, best seller de Daniel Kahnemann, que resume grande parte da pesquisa do psicólogo e economista israelense-americano, ganhador do prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2002, junto com Amos Tversky Source, pelo desenvolvimento da “Teoria Prospectiva” e “behavioral economics”.
Na minha opinião, estes são os vieses mais frequentes nas negociações de M&A:
1. Ancoragem: muitas vezes o decisor usa uma referência de preço que pode não ser mais coerente. É comum em situações em que o vendedor já recebeu uma proposta maior no passado e quer, no mínimo, uma proposta equivalente — mesmo depois do negócio ter se deteriorado e não merecer mais o valuation anterior. Outro exemplo recente envolveu um empresário que insiste em vender o negócio, no mínimo, pelo valor investido, mesmo sem ter previsão de retorno daquele investimento. Este viés também é chamado de "falácia do sunk cost".
2. Aversão à perda: o prazer do ganho é menor do que a dor de uma perda, mesmo para resultados simétricos, podendo ocasionar decisões precipitadas. Difícil argumentar quando um cliente prefere garantir um dinheiro no bolso ao invés de ter a chance de receber um valor potencialmente maior no futuro. A frase "vale mais um na mão do que dois voando" costuma ter seu mérito, mas por vezes acaba induzindo decisões sub-ótimas. Já vivi algumas situações em que uma pequena melhora na forma de pagamento foi mais valorizada do que um acréscimo relevante no preço total.
3. Viés de Confirmação: usualmente buscamos conforto nos sinais que confirmam nossas crenças e nos afastamos das situações que as desafiam, evitando o transtorno de revisitar uma opinião. É frequente um comprador estratégico achar que já sabe tudo do setor sem antes conhecer a empresa em mais detalhes. Podemos usar este viés para o bem ou para o mal, a depender de que lado estamos da mesa.
4. Efeito Halo: é quando avaliamos o todo por apenas uma parte. Um viés parecido com o anterior. Já tive um chefe que quis encerrar uma negociação apenas porque o alvo se situava em uma cidade menor da região norte, mesmo sendo líder local e com desempenho superior aos pares de São Paulo. Coincidência ou não, esse ex-chefe se aposentou precocemente. A intuição tem sua utilidade, mas também tem suas falhas.
5. Ilusão de Controle: acontece quando temos a impressão errônea de que externalidades são previsíveis e controláveis. Um exemplo que me marcou foi a morte repentina de um dos acionistas da empresa vendedora na reta final da negociação. A transação acabou sendo concretizada, mas não antes de ser adiada em várias semanas e quase ter sido descontinuada.
6. Excesso de Confiança: este viés não precisa de explicações. Infelizmente, ego em excesso é um mal recorrente entre meus colegas de profissão. Humildade é sempre bom, evita constrangimentos e reduz a chance de perdermos dinheiro.
7. Efeito de enquadramento: a primeira impressão não é a única que fica, mas certamente tem muita relevância. Nada como um bom powerpoint para enfeitar a noiva.
8. Heurística da Disponibilidade: é uma forma complicada de dizer que temos a tendência de acreditar que os eventos conhecidos serão repetidos no futuro. É o famigerado “arrastar a célula” nas planilhas de projeção. Outro acrônimo ligado a este viés é WYSIATI (what you see is all there is).
9. Efeito posse: tudo que é nosso tem valor maior do que aquilo que não está em nossa mão. Difícil convencer os empresários que sua empresa não é mais valiosa do que outras só porque ele quer. O contrário também é verdade, pois por vezes aumentamos a importância de um risco além da conta, mesmo já tendo visto casos precedentes ou jurisprudência formada acerca do tema.
10. Prova Social: também confundido com o efeito FOMO (fear of missing out) ou a famosa “dor de cotovelo”. Como seres coletivos, somos motivados de forma desproporcional pela comparação com os pares. Tem vezes que basta um empresário anunciar que ficou rico vendendo a empresa para fazer todos os concorrentes se movimentarem.
Costumamos brincar que não precisamos nos preocupar em sermos substituídos por máquinas. Enquanto tivermos pessoas à frente das negociações, sempre teremos que lidar com o processo de tomadas de decisão enviesado e subjetivo, difícil de ser previsto apenas por algoritmos. Quem trabalha comigo ouve esta frase com frequência: "o ser humano é um animal". Parece óbvio, mas preciso sempre reforçar a existência dos instintos e reações repletas de vieses — muitas vezes distantes da racionalidade que idealizamos.