Com a velocidade em que as notícias sobre a pandemia de coronavírus estão saindo, é bem provável que exista um gap entre o momento em que escrevo esta coluna e o momento em que você a lê. De qualquer forma, arrisco dizer que, ao passo que o número de infectados no estado de Nova York e em países como China e Itália dão sinais de melhora, aos poucos vai se abrindo mais espaço para o debate sobre os impactos da pandemia na economia global.
Dito isso, e visto que o sucesso no mercado financeiro está diretamente atrelado à capacidade de enxergar primeiro aquilo que ninguém está enxergando e de fazer movimentos contrários à euforia e à histeria do mercado - outra forma de falar compre na baixa e venda na alta -, gosto sempre de olhar para onde ninguém, ou quase ninguém, está olhando. Imagine, portanto, qual foi minha surpresa ao receber por meio das redes sociais da Capital Research uma pergunta sobre um ativo que parece estar totalmente fora do radar: debêntures.
Após ser instigado pela curiosidade do investidor, resolvi me debruçar sobre a questão em busca de uma estratégia que pudesse fazer sentido frente às características desse ativo dentro do contexto em que estamos.
Pois bem. Inicialmente, é preciso relembrar que debêntures são títulos de renda fixa emitidos por empresas de sociedade anônima (S/A) para captação direta de recursos de longo prazo, sem a obrigação de abrir capital e ofertar ações na bolsa. Antes que me arremessem pedras, ressalto que isso não significa que uma empresa que já negocia seus papéis na bolsa de valores não possa emitir os títulos com remuneração atrelada à correção monetária ou juros, mas vamos convir que ela não é o foco aqui.
Com isso em mente, o ponto central da minha análise se debruçou sobre o risco de crédito. Isso porque, apesar de ser um título de renda fixa, debêntures não são garantidas pelo FGC e, portanto, estão mais expostas à capacidade do pagador de honrar seus compromissos. E, bem, neste momento de tantas incertezas no caminho, todo investimento exposto ao risco de crédito merece atenção redobrada, especialmente se for emitido por uma empresa que já sinaliza dificuldade financeiras. Justamente aquelas que, por trazerem maior risco, oferecem os melhores prêmios e fazem brilhar os olhos dos mais gulosos.
Um exemplo recente foi o da concessionária Rodovias do Tietê. Quando a companhia entrou com o pedido de recuperação judicial em 2019, mais de 15 mil pessoas físicas tiveram que encarar um longo processo de perdas de mais de R$ 1 bilhão em debêntures (títulos da dívida) emitidas pela concessionária.
Acontece que os sinais de deterioração da companhia já estavam claros nos anos anteriores. Mas mesmo diante, inclusive, de alertas das agências de classificação de crédito, muitas corretoras insistiram em continuar recomendando os papéis. Como eu disse, a remuneração dos títulos realmente era alta devido aos riscos, mas os investidores que compravam (o discurso) os papéis da empresa se ancoravam unicamente na expectativa de recuperação da concessionária. Resultado? Repito: perda de R$ 1 bilhão.
Veja bem, não estou dizendo que todas as pessoas que estavam compradas nos papéis da Rodovias do Tietê se deram mal. Parte de uma boa estratégia de diversificação é ter ativos de maior e de menor risco na carteira. Sendo assim, não desconsidero que uma parte dos investidores que perderam o dinheiro com a companhia só toparam correr esse risco porque estavam bem resguardados. Mas para a maior parte dos investidores que são novos no mercado financeiro, as perdas podem ter sido irreversíveis.
A experiência, portanto, nos mostra que ao escolher investir em uma empresa, não importa por meio de qual produto, é fundamental considerar a saúde financeira dela, ou seja, a capacidade da companhia de gerar caixa, sua liquidez e o nível de endividamento. Ter a expectativa de que tudo aconteça exatamente como planejado para alcançar o resultado esperado é uma leitura altamente especulativa.
Se estivermos falando de investimentos, ficamos com o exemplo de Warren Buffett, que é o de buscar por empresas sólidas e com perspectiva de geração de caixa. Não há, nas suas palavras, aposta ou crença, ao decidir investir em uma empresa é preciso ter a mentalidade de sócio.
Dessa forma, não quero aqui condenar indefinidamente as debêntures, pois certamente há investidores com perfil para esse produto, mesmo no momento pelo qual passamos, no qual o risco de crédito é maior. Mas se você for um iniciante, aproveito para citar a frase de suposta autoria do nosso atual (?) ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta: “vamos passar num desfiladeiro. Como o senhor que passar: acelerado ou devagar?”.