O que tem mais valor para você: uma garrafa contendo um litro de água mineral ou um diamante canário de vinte quilates? Provavelmente você respondeu que o diamante tem mais valor. Mas e se você estivesse perdido no deserto a ponto de morrer de sede, a resposta seria a mesma?
Apesar de serem conceitos diferentes, valor e preço estão intimamente conectados. Podemos pensar que o preço que você está disposto a pagar por algo está de alguma forma associado ao valor que você atribui a esse algo, seja uma mercadoria, um serviço ou a ação de uma empresa.
Economistas da escola clássica, como Adam Smith no século XVIII e David Ricardo no século XIX, já buscavam explicações sobre o que conferia valor a uma mercadoria. Em seu célebre livro, A Riqueza das Nações, Smith considera existirem duas modalidades de valor: o valor de uso (ou utilidade) e o valor de troca. E complementa: é bastante usual que os bens com grande valor de uso possuam pouco valor de troca, assim como alguns dos bens que contém os mais elevados valores de troca frequentemente possuem pouco ou nenhum valor de uso. É o famoso “paradoxo do diamante”, em que se compara o valor da água e do diamante. A primeira com grande valor de uso (utilidade), mas quase nenhum valor de troca, enquanto o segundo apresenta características exatamente opostas. Assim, Smith conclui que o preço da mercadoria, uma expressão de seu valor de troca, não necessariamente estaria ligado à sua utilidade.
Essa questão foi recuperada no fim do século XIX pelos economistas da escola marginalista, que propuseram uma nova interpretação, atualmente aceita como pilar da teoria microeconômica padrão para a determinação dos preços. A revolução marginalista propunha que o relevante para a determinação dos preços não era a utilidade de um bem, mas sim a sua utilidade marginal, isto é, o ganho de satisfação que o indivíduo tem ao consumir uma unidade adicional de um bem. Pense por exemplo em uma barra de chocolate. A satisfação obtida ao comermos o primeiro quadradinho da barra é consideravelmente maior do que ao comermos o último, quando já estamos quase saciados. Dessa forma foi possível formalizar matematicamente a conexão entre utilidade (uma percepção subjetiva) e preço (o número de unidades monetárias que concretiza uma negociação entre ofertantes e demandantes).
Mas e quanto aos ativos financeiros, o que dizer a respeito de preço e valor? Tomemos o exemplo da ação de uma empresa. O que significa quando observamos no home broker que a última negociação da ação foi realizada pelo preço de R$30,00?
Significa que um comprador e um vendedor chegaram a um acordo, isto é, para o vendedor receber R$ 30,00 pela ação parecia interessante, assim como também para o comprador parecia proveitoso pagar R$ 30,00 pela ação. Assim, uma negociação somente acontece quando ambas as partes consideram que o preço é adequado. O preço, portanto, indica a quantidade de unidades monetárias (reais no Brasil) que o comprador está disposto a pagar e a quantidade de unidades monetárias que o detentor do ativo aceita para abrir mão desse ativo. No caso de ações com baixa liquidez podemos observar o “book de ofertas” em alguns momentos com uma diferença significativa entre a melhor oferta de compra e a melhor oferta de venda. Enquanto isso permanece, nenhuma negociação se concretiza, ou seja, compradores e vendedores não estão chegando a um acordo sobre o preço do ativo. Os compradores consideram que a melhor oferta de venda está muito alta, assim como os vendedores entendem que a melhor oferta de compra está muito baixa. Conforme as percepções vão mudando ou novos participantes entram na negociação uma transação pode ocorrer, tão logo um comprador e um vendedor cheguem a um acordo sobre o preço adequado.
Dessa forma, o preço de um ativo financeiro (assim como o de uma mercadoria em um mercado de concorrência perfeita) é determinado através da interação entre as curvas de oferta e demanda. No caso dos ativos financeiros com elevada volatilidade, como as ações de alta liquidez, as curvas de oferta e demanda movimentam-se com celeridade, o que faz com que os preços se alterem com rapidez. Isso ocorre porque a percepção do valor de uma empresa (e consequentemente de suas ações) é algo consideravelmente subjetivo, e muda ao sabor de novas informações disponíveis relativas à companhia em questão, ao setor em que ela atua ou às condições macroeconômicas, do país e do mundo.
Mas por que os investidores atribuem valor à ação de uma empresa? Em princípio teríamos quatro razões principais: a percepção de que a ação poderá ser vendida a um preço mais alto no futuro, a possibilidade do recebimento de uma parte dos lucros do empreendimento (os dividendos), o direito de propriedade sobre os ativos da empresa e o direito a voto nas assembleias de acionistas. As três primeiras razões são relevantes para todos os acionistas, enquanto a última é importante particularmente para aqueles que detêm grandes participações na empresa.
Assim, existem pelo menos três formas diferentes de determinarmos o valor de uma empresa, a partir dos motivos que conferem valor às ações: o valor de mercado, o valor obtido pelo fluxo de caixa descontado e o valor contábil.
O valor de mercado é calculado pela multiplicação do número de ações emitidas pelo preço corrente da ação. Sabemos que o preço das ações flutua consideravelmente, e por essa razão o valor de mercado das empresas pode aumentar ou diminuir fortemente ao longo de um único dia. De fato, é comum a imprensa noticiar que determinada empresa “perdeu” dois bilhões em valor de mercado em um único dia, ou que um acionista majoritário de uma grande empresa teve sua fortuna “reduzida” em dois bilhões. O que ocorreu na realidade foi uma intensa variação no preço de negociação de uma parcela das ações, em geral relativamente pequena, e que normalmente não afeta as operações diárias da companhia.
É possível também calcularmos o valor de uma empresa a partir da expectativa dos lucros futuros a serem obtidos pela companhia. Trata-se do método do fluxo de caixa descontado, que traz a valor presente os fluxos de caixa líquidos projetados no futuro, descontados por uma taxa específica (normalmente a taxa de juros básica da economia, como a Selic no caso brasileiro). Esse cálculo representa o valor da empresa associado à possibilidade de o acionista receber uma parcela dos lucros da companhia (os dividendos). Assim, quanto maior a expectativa de geração de lucros líquidos no futuro, maior é o valor da empresa segundo esse conceito.
Finalmente é possível determinarmos o valor de uma empresa com base nos bens e direitos que ela possui (seus ativos) e nas dívidas e obrigações para com terceiros (seus passivos). Trata-se do valor contábil da empresa (Book Value), que corresponde ao Patrimônio Líquido da companhia, encontrado no Balanço Patrimonial. Esse seria o valor da empresa caso fossem finalizadas todas as operações, vendidos todos os bens e direitos e honradas todas as dívidas e obrigações para com terceiros. O valor resultante, divido pelo número de ações emitidas pela empresa, indica o que seria recebido por ação pelos proprietários da companhia, caso as operações fossem encerradas.
Assim, valor e preço são conceitos distintos, mas existe uma importante ligação entre eles. No caso dos ativos financeiros, a busca por uma estimativa do valor intrínseco de um ativo é uma possível estratégia de investimento, popularizada por exemplo pelo notável investidor Warren Buffett, no método conhecido como “Value Investing”. De forma bastante simplificada, o Value Investing procura identificar ativos financeiros de elevado valor ou com potencial de ampliação de seu valor no médio e longo prazos, mas que estão atualmente com preços relativamente baixos. Em outras palavras, procura-se por uma discrepância entre o valor de mercado (baseado no preço da ação) e o valor obtido por outros métodos (por exemplo pelo fluxo de caixa descontado, pelo valor contábil, ou ainda por algum outro método). Quanto maior a divergência entre o valor intrínseco e o preço atual do ativo, maior é a possibilidade de elevados ganhos financeiros, de acordo com esse modelo de investimento.
Por outro lado, a Hipótese dos Mercados Eficientes, formalizada por Eugene Fama na década de 1970 no influente artigo “Efficient Capital Markets: A Review of Theory and Empirical Work”, sustenta que os preços dos ativos refletem todas as informações disponíveis no mercado, e que os investidores têm um comportamento predominantemente racional, conhecendo o modelo relevante para a precificação dos ativos. De acordo com essa hipótese, a obtenção de retornos acima da média de forma consistente durante prazos longos é extremamente improvável. Alguns investidores, como o próprio Warren Buffett, criticam a Hipótese dos Mercados Eficientes: “Investir em um mercado no qual as pessoas acreditam em eficiência é como jogar bridge com alguém que acha que não é preciso olhar as cartas**”.
Independentemente da sua estratégia de investimento, refletir sobre a diferença entre valor e preço e procurar compreender claramente em sua mente o que cada um deles significa pode ser um importante aliado para suas decisões financeiras. Oscar Wilde, o influente escritor irlandês, em seu livro “O Leque de Lady Windermere” escreveu: “O que é um cínico? Um homem que sabe o preço de tudo, e o valor de nada”. Dependendo do método utilizado para determinar o valor de um ativo, valor e preço podem ser considerados irmãos, primos, ou até mesmo parentes muito distantes.
*Guilherme Ricardo dos Santos Souza e Silva é Economista, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná.
**Lowe, Janet. Warren Buffett: lições do maior de todos os investidores. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008