A cada três conversas na Faria Lima, quatro passam pelo seguinte caminho: “é verdade que as coisas estão muito baratas e a posição técnica é favorável, mas vai piorar antes de melhorar”.
“As vantagens do pessimismo”, diria Roger Scruton. O discurso austero e com viés negativo soa mais responsável, diligente e construído a partir da base sólida de extensa experiência em crises. O pessimismo evita, sim, o envolvimento em aventuras desconhecidas, inibe grandes revoluções e afasta ideias radicais pretensamente capazes de salvar o mundo. Se Neville Chamberlain fosse um pouco mais cético sobre Hitler, talvez muita coisa pudesse ter sido diferente. Mas o excesso de negatividade também não pode ser exagerado, pois enseja o risco de paralisia e da perda de grandes oportunidades.
É, de fato, verdadeiro que o kit Brasil está barato. Até Marcos Lisboa, que tipicamente escreve sobre a captura do Estado brasileiro por grupos de interesse (argumento sintetizado em sua expressão de “país da meia entrada”, em que todo mundo tem um subsídio para chamar de seu e, portanto, o restante da sociedade acaba pagando um preço mais caro) e sobre as particularidades institucionais brasileiras com foco microeconômico, apontou na Folha de S.Paulo desse domingo: “a taxa de câmbio segue depreciada em comparação com as moedas de outros países; as taxas de juros de mercado estão elevadas e voláteis.(…) O Tesouro tem tido de pagar taxas de juros altas nos seus papéis de maior prazo para encontrar compradores.” Marcos já havia tratado da performance ruim dos ativos brasileiros em artigo de 4 de julho, cujo subtítulo dizia assim: “perdas nos fundos multimercados indicam que tese de complô de agentes privados não procede.” Aliás, cabe explicitar: não há complô de agentes privados sob nenhuma ótica. Os preços de mercado ou o relatório Focus apenas sinalizam as expectativas dos agentes e, em sendo o caso, os devidos prêmios de risco associados.
As palavras de Marcos Lisboa são apenas uma visão particular de uma constatação geral. De acordo com levantamento do Bank of America (NYSE:BAC) Merrill Lynch, a moeda brasileira apresenta a segunda pior performance do mundo contra o dólar em 2024, com perdas de 13,2% até 9 de outubro. Só a lira turca perde do real (-13,7% frente ao dólar no ano). O mesmo compêndio mostra as ações brasileiras também com o segundo pior desempenho do mundo em dólares, com perdas de 15,7%, à frente apenas da Bolsa mexicana (-18,2%). Como resultado, o Ibovespa negocia agora abaixo de 8x lucros, contra uma média histórica próxima de 11,5x, sendo que a projeção de consenso aponta lucros crescendo 15% e 20%.
Breve parêntese: estar barato não é garantia de que a tendência negativa será interrompida. Fundo do poço tem porão. O barato sempre pode ficar mais barato. A curto prazo, valuation é driver menos importante do que o fluxo de notícias marginal. Mas comprar barato tipicamente sugere menor risco de perda permanente do capital e tenta dar alguma garantia de que as surpresas estão assimetricamente posicionadas do lado positivo, pois já há muita coisa ruim incorporada aos preços. Em paralelo, o fato de os lucros estarem crescendo bem mitiga o risco de a oportunidade de valor ser transformada num value trap (armadilha).
Também é verdade que a posição técnica se mostra convidativa. Não se vende aquilo que não tem (exceção feita à alavancagem, claro). Mesmo dias de maior estresse não são acompanhados de grandes quedas dos índices de ações – não há mais o que stopar. Pessoa física só quer saber de CDI, LIGs, LCIs, LCAs, CDBs. Topam um risco enorme sob o conforto da marcação na curva de muitos fundos de crédito, que captam aos montes mesmo sob valuations pouco confortáveis no mercado de dívida. Se sobra dinheiro na vitrine, falta diligência no estoque. Tente convencer um investidor individual a comprar mais ações brasileiras neste momento e verifique o argumento por conta própria. Boa sorte!
O institucional local também não compra ativos de risco doméstico. Alguns até gostariam de fazê-lo, mas são obrigados a vender compulsoriamente para honrar pedidos de resgate. A onda de saques, aliás, não só continua, como acelerou recentemente. Os fundos multimercados tomaram resgates líquidos de R$ 53,9 bilhões em setembro, o maior saldo negativo do ano. Os multimercados acumularam retiradas de R$ 198 bilhões em 2024, segundo a Anbima. Por sua vez, os fundos de pensão cortaram pela metade sua alocação em ações num horizonte de quatro anos. De acordo com dados da Abrapp, a exposição a renda variável marcou 10,4% em julho, frente a 12,3% ao final de 2023 e a 20,4% em 2020.
O gringo até está mais otimista do que o local com a evolução dos mercados brasileiros. Conferências de grandes bancos nacionais no exterior têm encontrado alguma receptividade, sob o apoio de uma perspectiva de crescimento razoável da economia e dos lucros para os próximos anos, de certo conforto oferecido pelo câmbio nestes níveis depreciados, de valuations convidativos e de uma comparação com outros países emergentes de situação também delicada (no relativo, não estamos tão mal). Não entra muita compra marginal do investidor estrangeiro porque alguns já estão posicionados em Brasil, até com overweight em determinados casos, e porque não há nenhum catalisador mais positivo no horizonte. A conversa fiscal ainda está restrita a mudanças tributárias, sem sinais contundentes de uma agenda de corte de gastos.
Mas será verdade que, necessariamente, vamos piorar antes de melhorar?
Se o leitor acredita na hipótese de expectativas racionais e que há um consenso de que o Brasil caminha para piorar antes de melhorar, o argumento de que os preços dos ativos vão cair está desprovido de lógica interna. Se todos sabem que a coisa vai piorar, a deterioração prospectiva já se encontra nos preços hoje. Se uma ação está 10 e sabe-se que ela vai para 8 daqui alguns meses, o que você faz? Todos deveriam já vender hoje e as cotações correntes já refletiriam o pico do pessimismo (ou algo perto disso).
A sensação que tenho é de que, mais uma vez, incorremos na tentação de confundir ausência de evidência com evidência de ausência. Como não estamos enxergando a saída da crise, concluímos que a saída não existe. É como se desligássemos a luz do nosso quarto e, por não vermos mais a porta, acharmos que estamos presos naquele retângulo para sempre.
O viés de representatividade parece entrar em ação. Como os grandes investidores locais e os formadores de opinião estão machucados, desgastados e cansados da performance dos ativos brasileiros desde 2021, inclusive com muitas gestoras sob o risco de fechar (o que obviamente contamina o ânimo do gestor/empresário, que continua sendo um ser humano), o desalento é geral e atribuímos um peso maior a notícias negativas. Como disse um grande banqueiro, "o mercado está mais pessimista do que deveria.”
Todo mundo quer comprar barato, claro. Mas as coisas costumam ficar baratas por um motivo. É no ambiente adverso que os ativos ficam muito depreciados e pode-se comprar com muito desconto, historicamente um bom indicador antecedente de grandes multiplicações à frente em horizontes mais dilatados. Fortunas são criadas na compra feita quando ninguém mais queria e, portanto, os preços estavam na bacia das almas. “Compre ao som dos canhões, venda ao som dos violinos”, já virou um clichê. Muito se fala sobre isso. Mas há algo além, que entendo ser bem relevante para o momento.
Os ativos não ficam especialmente baratos quando a situação é ruim. Para ficar verdadeiramente a preço de banana, não deve haver perspectiva de melhora. É quando não se vê o tal trigger, o catalisador da mudança. Se você vê o trigger, mesmo como uma possibilidade, aquilo já vai para o preço imediatamente, mesmo antes da sua concretude. O catalisador pode ser apreçado a partir de um modelo binomial, em que o valor do ativo hoje é dado pela probabilidade de o evento positivo acontecer vezes o preço neste cenário mais a probabilidade de o evento não acontecer vezes o preço neste outro cenário, trazido a valor presente.
Quando enxergarmos o trigger, o preço será outro.