Participei neste mês de outubro, na condição de mediador, do webinar "Futuro sustentável: avanços em compliance e governança no terceiro setor". Organizado pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal, onde sou Governance Officer, o encontro foi enriquecedor ao tratar do tema, principalmente dentro da área da saúde. Aliás, um evento deste tipo é importante porque debater sobre a governança no terceiro setor é discutir sobre a gestão privada de recursos destinados a causas de interesse público.
O bloco que mediei teve a participação de Rebecca Raposo, conselheira independente e consultora em ESG, e de Gustavo Pereira, mestre em gestão de saúde, especialista em compliance e Diretor Jurídico e de Compliance do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. E a primeira questão a ser debatida foi sobre como a inteligência artificial pode contribuir ou ameaçar o crescimento e desenvolvimento da governança no terceiro setor. Tema difícil, pois é o futuro, não há dúvidas, mas que está no começo e pode tanto ser usado de forma positiva quanto negativa.
Houve a concordância de que qualquer tecnologia deve ser aplicada com o intuito de ajudar, de favorecer as boas iniciativas. No entanto, a inteligência artificial, ao contrário do que parece, não pensa e não tem sentimentos. Não tem ética. Seu funcionamento depende daqueles que a guiam. Ou seja, a integridade da IA está nos seus criadores. Se essa integridade não for transferida do criador para a criatura, a tecnologia em si, em nada poderá ajudar na melhoria da governança. Ao contrário, teremos problemas.
A IA é uma ferramenta a serviço das pessoas. Um problema que move organizações do terceiro setor – na verdade de todos os ramos – é a necessidade de reduzir custos. Assim, existe o risco de um gestor colocar essa redução de custos como a prioridade zero, em detrimento de outras necessidades em termos de gestão. Ora, adianta reduzir custos e atender mal os pacientes? Em função do menor gasto, não implantar bons equipamentos ou reduzir em demasiado o número de profissionais a ponto de o atendimento se tornar falho?
Não há dúvidas de que a governança envolve finanças no azul. Mas o superávit depende de um bom atendimento que exige um determinado nível de gastos. Bom atendimento, em todos os níveis e departamentos só é possível com treinamento, bons profissionais, boa remuneração para reter talentos e, principalmente uma abordagem humanizada aos pacientes, pois eles são a razão para um estabelecimento de saúde, de qualquer tipo, existir. E quem paga para ser tratado em um hospital desumanizado? Lugares com visão arcaica tendem a falir.
Fechando este ponto, depois de implantada a solução de IA, quem inicia tudo é o próprio homem, o gestor, neste caso. Se este start for realizado de forma ética e íntegra, pensando no bem comum, a inteligência artificial agirá da mesma forma, seguindo a ordem dada. Da mesma forma ela o fará se a intenção não for a mais adequada.
Outra questão importante é a regulamentação. O setor de saúde trabalha com dados sensíveis de seus pacientes. A LGPD está aí para punir quem usa de forma inadequada as informações sobre as pessoas, portanto é preciso também a criação de normas específicas para o uso da IA na sociedade, em todos os setores. A IA é uma ferramenta que, como já comentado, ajuda muito e tem muito a contribuir com a governança do terceiro setor, mas ela também pode auxiliar maus gestores a fazerem um estrago danado, e de uma forma que quando é descoberto já pode ser tarde para reverter.
Enfim, a IA é uma realidade, não tem volta e eu jamais aconselharia alguém a não implantá-la. Até porque, quem não quer ficar para trás tem que inovar sempre. Neste caso, só é preciso ter cautela, certificar-se de que aqueles que estarão por trás da tecnologia são realmente as pessoas certas para assumir o manche do navio, sob o risco de ele ficar à deriva ou mesmo afundar.