A pandemia mundial de Covid-19 acirrou o debate em torno do lançamento de um “dólar digital”. Mas as prioridades muito mais prementes dos governos nacionais e de uma parcela significativa da comunidade científica neste momento tornam bastante improvável a concretização dessa ideia no futuro próximo.
Mas foram dados novos passos no sentido de adaptar a forma como a moeda de reserva mundial pode ser transferida aos contribuintes americanos e outros indivíduos.
Em março, o senador americano Sherrod Brown (D-OH) apresentou um projeto de lei chamado “Banco para Todos” à Comissão do Senado sobre Assuntos Bancários, Urbanos e Residenciais. O projeto de lei prevê que os bancos participantes, sejam eles federais ou estatais, bem como empresas fiduciárias que são membros de um dos bancos regionais do Federal Reserve (Fed), ofereçam carteiras digitais, mantidas pelo banco central americano, a indivíduos e organizações interessadas em receber diretamente os pagamentos do governo. Isso permitiria que os consumidores abrissem as chamadas “FedAccounts” em seus bancos locais.
Diante do grande estresse gerado pelo atual ambiente econômico, essa ação poderia garantir pagamentos seguros e rápidos a pessoas que necessitam urgentemente de iniciativas governamentais, como o pacote de resgate de US$ 2 bilhões aprovado no mês passado, assim como quaisquer programas de proteção futuros.
Dólar digital é ainda mais útil?
Mas, um dólar digital não seria ainda mais benéfico? Países como a China e a Suécia já começaram a trabalhar no desenvolvimento de versões digitais das suas próprias moedas fiduciárias. Um grupo de pessoas afiliadas à empresa de consultoria multinacional Accenture, em parceria com a Digital Dollar Foundation, acredita que essa iniciativa também seria útil nos EUA. Eles lançaram um projeto para desenvolver o que estão chamando de Moeda Digital do Banco Central dos EUA, também conhecido como “dólar digital”.
Em uma recente publicação do CoinDesk, um dos grupos de interesse da Fundação, o ex-presidente da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities dos EUA, Christopher Giancarlo, declarou que “foram feitas propostas para a infraestrutura de pagamento eletrônico à vista do chamado ‘dólar digital’, a fim de distribuí-los diretamente aos consumidores”.
De acordo com a Fundação, sua iniciativa seria útil principalmente para as agências governamentais responsáveis por distribuir benefícios emergenciais a populações vulneráveis, especialmente àquelas pessoas sem acesso a serviços bancários. Eles citam, por exemplo, que a transmissão direta de dólares digitais para smartphones economizaria tempo. Segundo Giancarlo:
“Em uma pandemia em que o vírus [também] é transmitido por transações em dinheiro e moedas de metal, o dólar digital ofereceria uma forma mais conveniente e segura de adquirir alimentos e artigos essenciais.”
Não por acaso, os defensores do criptoespaço consideram que esse movimento é positivo para toda a classe de ativos. Ankit Bhatia, CEO da Sapien Network, acredita que se trata de um fantástico primeiro passo, capaz de fomentar a aprovação regulatória e a adaptação das criptomoedas.
“Isso seria excelente para todo o criptoespaço, pois os comerciantes provavelmente aceitariam como forma de pagamento esses ‘dólares digitais’, muito provavelmente reduzindo a necessidade de dinheiro físico e de bancos privados. Com o registro bancário das transações em dólares digitais, é muito mais difícil haver contravenções, evitando que as pessoas sejam enganadas com dinheiro falso."
Outros especialistas, no entanto, não estão tão convencidos. Cyril Alvarez, diretor de blockchain da 2gether, alerta que, no longo prazo, os dólares digitais poderiam ter alguma repercussão em criptomoedas concorrentes que já estão lastreadas em dólares americanos.
“Isso poderia ter um profundo impacto em moedas estáveis, como Tether e DAI, já que teriam um concorrente direto, lastreado pelo governo dos EUA. A ação poderia inclusive proibir quaisquer stablecoins não nacionais”.
A real questão, observa Alvarez, é o que vai acontecer com as moedas nacionais daqui a 10 ou 20 anos, se as moedas estáveis descentralizadas se tornarem amplamente aceitas e utilizadas. Como os governos poderiam, por exemplo, aplicar sanções contra uma agente estatal ou não estatal sem o controle das chaves privadas? Além disso, o que uma versão digital significaria para a posição do USD como moeda de reserva mundial?
Embora Alvarez não tenha respostas prontas, também acredita que o lançamento de um "dólar digital” está no horizonte:
“Existem muitas questões complexas que ainda precisam de uma resposta, de forma que considero improvável um movimento como esse nos próximos cinco anos.”