João tem 33 anos de idade e mora em São Paulo. Tendo nascido em 1989, ele não se lembra de um fenômeno que estava no auge na época em que nasceu. Até que um dia, em pleno 2022, ela bateu na sua porta:
I - Olá, João, tudo bem?
J – Olá, boa tarde, quem é você?
I – Eu sou a Inflação. Vim aqui incomodar um pouco a sua vida.
J – Olá, Sra. Inflação, mas que visita mais inoportuna. O que você veio fazer aqui?
I – Bom, essa visita não é exclusiva a você, eu estou batendo na porta de cada família brasileira, tipo o Censo do IBGE, sabe?
J – Bom, e o que você quer comigo?
I – Olha, antes de tudo, eu vou contar sobre quem eu sou, pois não há como você entender a minha importância se eu não te der mais contexto, sabe?
J – Eu tenho outra opção? Acho que não né... Então, vai lá.
I – Olha, João, você deve ter menos de 35 anos de idade, então eu sei bem o que acontece com gente nessa faixa etária. Você não se lembra de mim. Mas eu já fui onipresente nesse país. Sim, eu estava em todos os lugares o tempo inteiro. Eu meio que aterrorizava a vida dos brasileiros desde os anos 60, mas a coisa ficou fora de controle mesmo nos anos 80. Pergunte a seus pais, eu dominava, era hit total.
Sabe, João, nessa época eu era responsável por mudar o preço dos itens nos supermercados, umas duas vezes por dia!
J – Como assim?
I - Pois é, bem na época em que você nasceu, no final dos anos 80 e início dos 90 - por mais surreal que possa parecer - um produto amanhecia com um preço, na hora do almoço estava outro, e à noite, outro. Os mercados tinham funcionários em tempo integral só pra sair marcando produto a produto.
Nessa época, me chamavam de “Hiperinflação”, olha que chique. Eles me chamavam assim pois eu era uma Inflação Galopante, eu chegava a superar os 80% ao mês – sim, ao mês!
J – Meu Deus, mas ninguém fazia nada pra te segurar?
I – Sim, meu filho, ô se faziam.... tentavam né. Começou com o Plano do Delfim em 1979. O Presidente Figueiredo começou com essa história. Ele teve a ideia e colocou em prática, até respeito ele. Mas não fez nem cócegas.
Tanto é que ele repetiu em 1981 com o Plano Delfim II, e, não satisfeito, tentou de novo em 1983 com o Plano, adivinha? Plano Delfim III. Ah, que piada de mau gosto.
J – Mas, então, ficou por aí?
I – Bom, para o Figueiredo e o Delfim, sim, game over. Mas, depois, veio o Dornelles em 1985, chamado pelo Sarney. Plano Dornelles. Não deu em nada, a Dor, foi Nelles. Hahah, piada fraca né meu filho? Mas eu não podia perder essa.
No entanto, o Sarney era insistente, menino, e mais agressivo. Ele já foi logo trocando o responsável. Tirou o Dornelles e colocou o Funaro. Fez o Plano Cruzado. Trocou moeda, congelou preços, o cara bateu. Essa época a chapa tava esquentando muito, eu tava brilhando nas paradas de sucesso. Tinha que vir com tudo ou então era caos.
J – Mas, e aí, funcionou?
I – Que nada! No começo, ele ficou todo feliz, pois me reduziu para 12%, ficaram contando vitória. O Sarney ficou popular, todo mundo achava que ele era o cara.
Mas, sabe quanto o time faz dois gols e chega nos 30 minutos do segundo tempo? Não dá pra achar que vencer o jogo é campeão?
J – Não dá. Então, o que aconteceu?
I – A estratégia não se sustentava. Pensa bem, congelaram os preços, essa era a maior estratégia. Mas aí, o que aconteceu? As mercadorias começaram a faltar, a sumir! Aí começaram a surgir mercados paralelos... surreal. Você só conseguia comprar as coisas pagando um "ágio". As exportações caíram, as importações aumentaram e as reservas cambiais foram esgotadas.
Então, eu voltei linda, leve e solta. Disparei. Os preços de combustíveis, bebidas, automóveis aumentaram e começaram a ir para o espaço. E aí eu nadava de braçada no que eu faço melhor: fazer a economia entrar em colapso.
Olha, João, o Plano Cruzado foi mais do que um fracasso, pois dele vieram inúmeras ações judiciais de cidadãos comuns que exigem de bancos e governos a reparação das perdas monetárias sofridas.
O Plano Cruzado deteriorou a balança de pagamentos do país com a consequente queda nas reservas internacionais. O Brasil teve que decretar a moratória da dívida externa em 1987, pois não tinha condições para honrar os compromissos externos. Até eu fiquei assustada.
J – Então, você venceu? Como você acabou?
I – Menino, eu nunca acabei, tanto é que estou aqui na sua casa né. Eu sempre estou por aí, mas, vocês Millennials não percebiam. De 1994 pra cá eu fui comendo pelas beiradas, é mais difícil de perceber. Mas você sabia que há 20 anos um carro popular custava uns R$15 mil? Tudo bem que o salário médio também era bem mais baixo, mas pensa bem, comi pelas beiradas né?
J – Sim, mas continua a história, como conseguiram te segurar?
I – Bom, o Sarney, extremamente indignado com o fracasso épico, foi lá e fez o Plano Cruzado II. De novo com o Funaro, meio no desespero, sabe? Tem horas que o ego é nosso maior inimigo né João? Bom, nem preciso dizer que foi de novo uma tragédia.
Mas você pensa que ele desistiu? Não. Ele foi lá e trouxe o Bresser pra fazer o Plano Feijão com Arroz. Mas nem Feijão com Arroz ele fez bem feito. Não deu. Depois voltou com o Plano Verão, em 1989.
J – O ano que eu nasci! Mas quem fez esse plano?
I – O Nóbrega mesmo. Mas também não deu. Esse ano, inclusive, foi o auge. Ninguém aguentava mais. Acho que nem eu aguentei mais. Não sei quem fazia mais sucesso nessa época, se era eu ou a Xuxa.
J – Da Xuxa eu lembro!
I – Ah sim, disso eu sei. Continuando aqui. Depois, veio o Collor, o “caçador de marajás”. Essa foi uma piada pronta. E piada de muito mau gosto.
Resumindo, a ópera fúnebre, o cara mal entrou e já bloqueou o dinheiro depositado nos bancos, tanto de cadernetas de poupança quanto contas correntes de pessoas físicas e jurídicas. Ele confiscou mesmo!
Chamou isso de Plano Collor. Deu tão errado que em maio de 1990, 2 meses depois, ele fez o Plano Eris também com a Zélia Cardoso de Mello, como Ministra da Fazenda. Deu ruim de novo. No ano seguinte, em janeiro de 1991, manteve a Zélia e criou o Plano Collor II. E aí?
J – Deu ruim?
I – Deu ruim e foi rápido de novo. Em maio do mesmo ano ele chamou o Marcílio Marques e fez o Plano Marcílio. Mas aí, João, o caldo desandou de tudo quanto é jeito. Essa história é para outra conversa, mas muita coisa pesada veio à tona em 1992 e o Collor sofreu impeachment.
Olha, mas eu dei trabalho viu. Mas depois de 13 planos de estabilização econômica fracassados, em 1994 o então Presidente Itamar Franco, junto ao na época Ministro da Fazenda e hoje ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, implementaram o Plano Real.
J – E então deu certo?
I – Sim, deu tão certo que eu fiquei bem quieta no meu canto.
J – O que aconteceu de diferente dessa vez?
I - Bom, o Plano Real teve como principais medidas o corte de despesas e aumento de 5.5 p.p em todos os impostos federais, a desindexação da economia, ajustes de preços anualizados, sem congelamento; a redução de impostos de importação e abertura da economia, entre outras medidas.
Alguns anos depois, em 1999, foi criada uma boa forma de me controlar, o regime de metas de inflação. Então, esse regime me coloca no eixo, ele tem por objetivo fazer com que a inflação oscile dentro de uma faixa estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional.
Então, João, desde então eu estive por aí, mas bem tranquila, algo em torno de 5% ao ano, mais ou menos.
Eu continuo sendo chamada como sempre fui, como “responsável pelo aumento generalizado de preços de uma determinada cesta de bens e serviços, em um determinado período”. Eu continuo fazendo com que a moeda perca valor ao longo do tempo.
Quanto maior eu for, menor é o poder de compra. Lembra de quanto custava o carro no ano 2000?
No Brasil, o principal índice que me mede é o IPCA. O Banco Central usa o IPCA para me controlar, usando aquele sistema de metas de inflação que mencionei.
E claro, eu faço parte do seu dia. Eu impacto seus investimentos e tudo o que você compra. E eu estou voltando um pouco mais forte esse ano.
J – Tá bom, Sra. Inflação, estou ficando com medo. O que eu faço?
I – Calma, não é para tanto. Há muitas maneiras de você se proteger de mim.
J – Quais?
I – Bom, esse é assunto para uma próxima conversa. Nosso papo foi muito bom, mas eu tenho outras portas pra bater e me apresentar.