Dois mil e vinte e três é um ano cheio de acontecimentos que nos obriga a refletir sobre a forma como as empresas e a sociedade enxergam o termo “governança corporativa”. Digo isso porque se por um lado “implantar um modelo eficiente de gestão” é compreendido como básico e essencial para o bom desempenho de qualquer companhia, por outro, há diversas empresas praticando “board washing”, uma forma de manipular ou distorcer a governança, dando uma falsa impressão de eficiência.
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O IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) define governança corporativa como sendo “um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos, pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, para seus sócios e para a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e demais indivíduos de uma organização na busca pelo equilíbrio entre os interesses de todas as partes, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente”.
Mas não é bem isso que vimos durante 2023. O caso Americanas (BVMF:AMER3) talvez seja o mais emblemático pelo tamanho do rombo anunciado. Ultrapassou R$ 40 bilhões. Não dá para entender como isso não foi detectado antes. Recentemente, foi noticiado que houve um grave erro na contabilidade da Magazine Luiza (BVMF:MGLU3). Erro que só foi descoberto por causa de uma denúncia anônima. O caso Light (BVMF:LIGT3) foi outro que mereceu destaque este ano.
As empresas brasileiras não são as únicas a “cometerem falhas ou fraudarem” seus balanços. Trata-se de um problema que atinge companhias de todas as partes do mundo. Nem sempre a questão envolve fraude contábil. Aliás, vale reforçar que governança corporativa não se limita a esse ponto. Uma empresa pode ser honesta em seus relatórios, mas tomar decisões ruins por falta de um Conselho qualificado ou forte o suficiente para barrar certas atitudes equivocadas.
Talvez esse tenha sido o problema de companhias como o Silicon Valley Bank, dos Estados Unidos, ou o Credit Suisse (SIX:CSGN), da França, que faliram no início do ano e foram incorporadas por instituições maiores. Erros na avaliação do mercado ou mesmo a falta de preparo para suportar as consequências de eventos externos são fatores para o fracasso de empresas. Uma governança corporativa bem implantada e devidamente seguida tende a ser o diferencial entre as empresas que quebraram diante das mudanças bruscas e as que se mantiveram saudáveis.
E aí entra outra questão preocupante. Para garantir que os números apresentados por uma determinada companhia sejam verdadeiros, os órgãos reguladores exigem que os dados sejam atestados por uma auditoria externa. Só que as empresas de auditoria, elas próprias, não seguem a cartilha que defendem. E é justamente por isso, que rombos estratosféricos como o da Americanas ou da Light, e que a situação financeira de instituições como o Credit Suisse só sejam descobertos quando não há muito ou nada a se fazer.
No caso das varejistas brasileiras, Americanas e Magazine Luiza, há um agravante. Ambas integram o chamado “Novo Mercado”, da Bolsa de Valores. Para quem não sabe o Novo Mercado reúne companhias que, de acordo com a avaliação da B3 (BVMF:B3SA3), são exemplos em termos de governança. Se exemplares fazem o que fizeram, imagine o que teriam feito se não fossem. E aquelas empresas de capital aberto que não pertencem a este grupo? Até que ponto podemos confiar.
E como se não bastasse, ao lado de cada escândalo de fraude existe sempre uma empresa de auditoria que não foi capaz de detectar as não-conformidades. Ou até foram capazes, mas pressionadas pelo próprio contratante acharam melhor maquiar os resultados para não perder o cliente. Mas se uma auditoria contribui com a fraude apenas para não perder contrato, então ela deixa de ser um pilar da sustentabilidade e passa a ser um ponto de fraqueza desse pilar. E passa a ser dispensável.
Tudo isso não é exclusividade de 2023. Aconteceu antes, em praticamente todos os anos que se passaram. Um caso aqui outro ali. Acontece que não podemos ver esses fatos como normais. A sociedade evolui. O mercado evolui. E a evolução sugere que práticas ruins do passado estão sendo substituídas por outras, mais eficientes.
Governança corporativa é um conceito criado há décadas e que evolui desde então. Não são todas as empresas que têm esse modelo implantado, mas como o conceito está cada dia mais popular, mais e mais empresas - não só de capital aberto, mas familiares também – buscam implantar. O que se espera é que a companhia que já implantou não retroceda às práticas nefastas de antes. Mais ainda, é preciso combater de todas as formas o “board washing” porque ele é prejudicial à própria empresa que o pratica e ao mercado, além de tirar a credibilidade das empresas que adotam uma governança séria e verdadeira.
Fraudes contábeis, board washing, auditorias ineficientes, maquiagem de relatórios. Está na hora de repensarmos o modelo adotado para fiscalizar a boa governança. O modelo atual tem se mostrado ineficaz e sujeito às ações de empresários mal-intencionados e sem compromisso com práticas sustentáveis. Imaginem o impacto negativo de tudo isso no mercado, caso nada seja feito.