É um movimento audacioso que poucos se atreveriam a fazer, mas o presidente dos EUA, Donald Trump, está contando com a ajuda da Arábia Saudita para preencher qualquer lacuna no abastecimento de petróleo provocada por suas sanções à Venezuela, ao mesmo tempo que tenta evitar que o “reino do deserto” obtenha mais ajuda da Rússia para aumentar os preços da commodity.
As refinarias na Costa do Golfo dos EUA, pressionadas pela falta de petróleo venezuelano, foram alertadas por autoridades da Casa Branca a não contarem com qualquer liberação de petróleo da Reserva Petrolífera Estratégica, porque estavam certos de que os sauditas aumentarão suas exportações ao país nas próximas semanas, de acordo com o serviço de informações energéticas Platts, na quinta-feira, citando uma fonte do governo Trump.
Como assinala a Platts, o mais surpreendente na posição dos EUA é que as autoridades sauditas não indicaram qualquer plano para cobrir um eventual déficit de oferta do país sul-americano, na medida em que a Opep, sob forte influência saudita, vem tomando medidas para cortar a produção e aumentar os preços.
Senadores dos EUA propõem lei anti-Opep para combater o cartel ampliado
Ao mesmo tempo, um grupo bipartidário de senadores norte-americanos elaborou uma lei para que o Departamento de Justiça processe os membros da Opep por violações antitruste, caso o cartel formalize seu pacto de cooperação petrolífera com a Rússia. O mais interessante é que a sigla da lei em inglês é “NOPEC”, que significa “Lei contra Cartéis de Produtores e Exportadores de Petróleo”, em alusão à sigla do cartel no mesmo idioma.
Na terça-feira, o periódico The Wall Street Journal informou que os sauditas, em especial, esperam formalizar a chamada aliança Opep+10 entre o cartel e um grupo de dez produtores de petróleo liderados pela Rússia, a fim de exercer maior controle sobre os preços mundiais do petróleo bruto.
Por duas vezes em três anos, a Opep+10 conseguiu fazer os preços do petróleo se recuperarem das mínimas de vários anos, com o West Texas Intermediate sendo negociado agora acima de US$ 52 por barril, desde as mínimas de dezembro abaixo de US$ 43.
Mas, na quarta-feira, a Bloomberg informou que a Rússia demonstrava resistência em cumprir os últimos cortes de exportação com os quais havia se comprometido nos termos da aliança, fazendo com que Arábia Saudita perdesse a paciência e tentasse formalizar um plano para aumentar o compromisso de Moscou. Mesmo antes da reação negativa do congresso americano na quinta-feira, o ministro de relações exteriores da Rússia, Alexander Novak, já havia rechaçado o plano saudita.
Para Trump, os sauditas são a solução perfeita para a crise na Venezuela
Na cabeça de Trump, os sauditas são a solução perfeita para a crise venezuelana, já que o reino produz o mesmo tipo de petróleo pesado e carregado de enxofre que o país sul-americano. As refinarias dos EUA precisam desse tipo de petróleo para misturá-lo com frações mais leves, a fim de produzir diesel e outros combustíveis de transporte. O Canadá é abundante no chamado petróleo “salgado”, mas não dispõe de oleodutos suficientes para transportá-lo aos EUA.Iraque, Colômbia e México também possuem petróleo similar, mas nenhum se iguala à capacidade saudita.
Embora seja logicamente razoável que Trump confie em seu aliado mais importante no Oriente Médio, em caso de uma crise energética, os sauditas podem demonstrar pouca simpatia por um presidente que conta com a sua boa vontade, mas, ao mesmo tempo, prejudica sem qualquer remorso sua economia, que desesperadamente precisa que os preços do petróleo se aproximem dos US$ 80 por barril.
De acordo com Phil Flynn, analista de energia da corretora The Price Futures Group, em Chicago:
“Se existe uma pessoa capaz de tamanha ousadia, essa pessoa é Donald Trump. Seu ódio pelas ações orquestradas pela Opep é bem conhecido. Equilibrar isso com o importante relacionamento com os sauditas tem sido seu problema, porque os interesses do reino e os da Opep estão interligados.”
Uma história familiar
Para o observador comum, o drama entre EUA e Arábia Saudita é uma novela já conhecida, sendo retransmitida um pouco mais de um ano depois da sua estreia. A diferença é que, na primeira temporada, o antagonista era o Irã no lugar da Venezuela.
Depois de cancelar um acordo nuclear da era Obama com o Irã e aplicar sanções às exportações petrolíferas da República Islâmica, Trump recorreu à Arábia Saudita – que havia acabado de conseguir elevar os preços do petróleo acima de US$ 60 por barril desde a primeira rodada de cortes da Opep+10 – para que o reino aumentasse sua produção e preenchesse o vazio deixado por Teerã.
Quando os barris adicionais da Arábia Saudita chegaram à costa norte-americana, o Brent, referência mundial do petróleo, estava próximo dos US$ $90 por barril, e Trump – temendo uma reação negativa por causa dos altos preços nas bombas de combustível durante as eleições de meio de mandato no país – concedeu isenções inesperadas às exportações petrolíferas iranianas. O resultado foi um crash de mercado diante do temor de excesso de oferta, com o recorde de produção de shale nos EUA criando a tempestade perfeita para os sauditas.
Quando Riad cogitou realizar cortes de produção, Trump começou a tuitar que não deveria fazê-lo, contribuindo para o colapso dos preços. O assassinato do cidadão saudita Jamal Khashoggi, que trabalhava como jornalista residente nos EUA, contribuiu para essa confusão bizarra, dando a impressão de que Riad devia algo a Trump e estaria menos inclinada a desafiá-lo com cortes de produção se quisesse evitar qualquer represália pelo assassinato.
Obviamente, os sauditas cortaram mais barris destinados aos EUA do que qualquer cético poderia imaginar, fazendo com que o caso Khashoggi pareça agora quase um fator irrelevante nas relações entre Riad e Washington. Desde o início dos cortes da Opep+10 em dezembro, Trump parou de tuitar sobre os preços do petróleo ou de intervir no mercado, até a escalada da crise venezuelana.
Não é certo que Riad cairá no jogo de Trump desta vez
Déjà-vu à parte, a crise em Caracas é bastante diferente da iraniana, no sentido de que Trump não concederá – ou não poderá conceder – isenções, uma vez que seu objetivo maior é remover o presidente venezuelano Nicolás Maduro, considerado um ditador ao redor do mundo.
A questão, portanto, é: o que os sauditas ganham ajudando Trump? Será que eles se arriscariam novamente a aumentar as exportações para os EUA, justamente no momento em que o mercado começou a levar a sério seus cortes?
Também existe a questão da capacidade ociosa do maior exportador de petróleo do mundo. Algumas reportagens sugerem que, com o recuo da produção desde dezembro, os sauditas terão problemas para colocar mais barris no mercado rapidamente.
De acordo com Flynn, do The Price Futures: “Ninguém sabe realmente como tudo isso vai acabar. Nem mesmo o presidente”.