A história econômica mundial nos ensina que o protecionismo, quando adotado como estratégia principal de desenvolvimento, frequentemente gera mais problemas do que soluções. Com o retorno de Donald Trump ao poder, uma das principais diretrizes de sua política econômica parece ser o "nearshoring" um modelo que busca reduzir a dependência dos Estados Unidos de fornecedores estrangeiros, trazendo a produção para dentro do território nacional ou para regiões vizinhas. A ideia de fortalecer a produção interna visa aumentar empregos e reduzir vulnerabilidades econômicas externas, mas também pode gerar desafios significativos, como o aumento do custo de produção e possíveis represálias comerciais de outros países.
Historicamente, estratégias protecionistas já foram adotadas em diferentes momentos, tanto nos EUA quanto em outras economias ao redor do mundo. No curto prazo, essas medidas podem oferecer crescimento econômico e um aumento na produção interna. No entanto, a longo prazo, podem levar a ineficiências produtivas, inflação e deterioração das relações comerciais internacionais. A história brasileira e global já mostrou que estratégias semelhantes podem ser prejudiciais a longo prazo, principalmente quando não há um equilíbrio entre protecionismo e competitividade global.
O Passado como Espelho: A Experiência Brasileira dos Anos 1960
O Brasil, nos anos 1960, sob a influência de economistas como Celso Furtado, adotou a política de substituição de importações. A ideia era simples: o Brasil era um país grande, com um mercado interno significativo, e poderia produzir tudo o que necessitava, reduzindo a dependência de importações e fortalecendo sua indústria nacional. Essa estratégia buscava diminuir a vulnerabilidade externa e fomentar a industrialização do país.
No curto prazo, essa política impulsionou a industrialização e a geração de empregos. A criação de fábricas e investimentos públicos em infraestrutura geraram crescimento econômico significativo, e o país viu uma ampliação do parque industrial. Entretanto, a longo prazo, os problemas apareceram:
- Custos de produção elevados: Produzir internamente, sem concorrer com o mercado externo, levou à ineficiência industrial. A falta de concorrência fez com que muitas empresas não tivessem incentivos para inovar ou melhorar seus processos produtivos.
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Falta de competitividade internacional: As empresas nacionais tinham dificuldades em exportar devido à baixa qualidade e altos custos. Produtos brasileiros ficaram mais caros e menos atraentes para o mercado global, reduzindo as oportunidades de comércio exterior.
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Inflação e déficit fiscal: Com menos divisas entrando no país, o dólar encareceu e os preços internos subiram. O governo precisou subsidiar muitas indústrias para manter a produção, gerando gastos excessivos e aumentando a inflação.
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Endividamento do Estado: Para financiar a industrialização e as empresas locais, o governo precisou contrair dívidas, o que levou a crises fiscais nas décadas seguintes.
O modelo de substituição de importações, apesar de ter gerado benefícios a curto prazo, demonstrou ser insustentável a longo prazo. O Brasil acabou precisando abrir sua economia novamente nas décadas seguintes para reverter os efeitos negativos dessas políticas.
Protecionismo nos EUA: Trump e a Reedição de um Erro
Trump, em sua primeira gestão (2017-2021), adotou uma abordagem econômica nacionalista, focada no slogan "America First", com políticas protecionistas que incluíram a imposição de tarifas sobre produtos chineses e a renegociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), que resultou no novo tratado conhecido como USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá). Seu governo também implementou cortes de impostos por meio do Tax Cuts and Jobs Act de 2017, visando impulsionar o crescimento econômico e atrair investimentos.
No curto prazo, a economia norte-americana apresentou crescimento, impulsionado pela desregulamentação de setores estratégicos, redução de impostos corporativos e aumento da confiança dos investidores. O desemprego atingiu níveis historicamente baixos, e o mercado acionário registrou ganhos expressivos. No entanto, a guerra comercial com a China, intensificada a partir de 2018, gerou efeitos adversos significativos:
• Aumento dos custos de insumos para indústrias americanas, especialmente nos setores de tecnologia, manufatura e agronegócio, devido às tarifas sobre produtos importados da China.
• Retaliação da China, que impôs tarifas sobre produtos americanos, afetando exportações de soja, automóveis e outros bens, prejudicando diretamente agricultores e indústrias nos EUA.
• Incerteza nos mercados globais, levando empresas a reconsiderarem investimentos e cadeias de suprimentos.
• Inflação nos preços de bens de consumo devido ao encarecimento de matérias-primas, forçando o Federal Reserve a adotar uma política mais cautelosa em relação às taxas de juros.
• Desaceleração do crescimento econômico global, com impactos negativos sobre aliados dos EUA e seus parceiros comerciais.
Embora Trump tenha defendido que sua política comercial buscava reduzir o déficit comercial e fortalecer a indústria americana, os efeitos a longo prazo da guerra comercial foram amplamente debatidos, com muitos analistas apontando que as tarifas não alcançaram plenamente seus objetivos e que as tensões geopolíticas resultantes afetaram a estabilidade econômica global.
Agora, em um potencial segundo mandato, Trump promete aprofundar o protecionismo econômico com políticas ainda mais agressivas, incluindo tarifas universais sobre importações, incentivos ao nearshoring (relocalização de indústrias para países vizinhos, como México e Canadá) e novas barreiras comerciais contra rivais estratégicos, como China e União Europeia. Sua retórica continua centrada na ideia de que a globalização prejudicou os trabalhadores americanos e que medidas protecionistas são essenciais para restaurar a competitividade da indústria dos EUA.
No entanto, essas políticas podem ter impactos econômicos negativos no médio e longo prazo. Assim como ocorreu no Brasil da década de 1960, onde um modelo de substituição de importações levou ao aumento de custos internos e à pressão inflacionária, o protecionismo excessivo nos EUA pode gerar consequências semelhantes:
• Dólar enfraquecido: A imposição de tarifas pode desestimular o investimento estrangeiro e reduzir a demanda global pela moeda americana. Além disso, retaliações comerciais podem diminuir as exportações americanas, reduzindo o fluxo de dólares para os EUA.
• Inflação estrutural: A redução da concorrência externa encarece produtos e insumos domésticos. Se Trump expandir as tarifas para mais setores, como já propôs com uma tarifa de 10% sobre todas as importações, os preços dos bens de consumo podem subir, prejudicando o poder de compra dos americanos.
• Pressão sobre o Federal Reserve: Com a inflação em alta, o Fed pode ser forçado a manter taxas de juros elevadas por mais tempo, o que encarece o crédito e pode frear o crescimento econômico.
• Erosão das cadeias globais de suprimentos: O incentivo ao nearshoring pode levar empresas a reorganizarem suas cadeias produtivas, mas a realocação industrial tem custos elevados e nem sempre é viável. Além disso, países aliados podem reagir com medidas semelhantes, reduzindo a competitividade global dos EUA.
• Impacto sobre o mercado financeiro: A incerteza gerada por medidas protecionistas pode aumentar a volatilidade dos mercados, afastando investidores e pressionando ações de empresas que dependem do comércio global.
Apesar dessas preocupações, Trump e seus aliados argumentam que o impacto inicial seria compensado pelo fortalecimento da manufatura americana e pela geração de empregos no país. No entanto, especialistas alertam que o custo dessas políticas pode superar os benefícios a longo prazo, especialmente se a inflação e a perda de competitividade global tornarem o ambiente econômico instável.
Vantagem Comparativa: A Lição de David Ricardo
O economista clássico David Ricardo, em 1827, demonstrou que o livre comércio beneficia todas as nações, pois permite que cada país se especialize naquilo que faz melhor e mais eficientemente, aproveitando seus recursos e capacidades produtivas da melhor maneira possível. Essa ideia, conhecida como "vantagem comparativa", sustenta que o comércio internacional melhora a eficiência econômica e aumenta a prosperidade global.
No entanto, ao longo da história, países que adotaram estratégias protecionistas excessivas, como Argentina, Venezuela e Brasil em determinados momentos, enfrentaram graves distorções econômicas que comprometeram seu crescimento sustentável. Entre os principais problemas observados nesses casos, destacam-se:
• Falta de inovação devido à ausência de concorrência externa: Quando uma economia se fecha ao comércio internacional, as empresas locais perdem o incentivo para modernizar seus processos e aumentar a eficiência, resultando em menor produtividade e menor qualidade dos produtos oferecidos. Sem a competição externa, setores inteiros se tornam obsoletos e menos competitivos no mercado global.
• Setores industriais inchados e ineficientes: Protegidos da concorrência internacional, muitos setores industriais se tornam dependentes de subsídios e políticas governamentais para sobreviver. Isso cria indústrias ineficientes, que produzem a custos elevados e muitas vezes não conseguem competir globalmente quando o protecionismo é reduzido.
• Déficits fiscais crescentes devido a subsídios para indústrias locais: Para manter setores protegidos funcionando, governos frequentemente recorrem a subsídios massivos, o que gera um aumento no gasto público e amplia os déficits fiscais. Esse modelo, no longo prazo, se torna insustentável, levando a crises fiscais, inflação elevada e desvalorização da moeda.
• Aumento do custo de vida: Com tarifas elevadas sobre produtos importados, os preços internos sobem, prejudicando consumidores e reduzindo o poder de compra da população. Produtos mais caros reduzem a eficiência do mercado e criam distorções no consumo.
• Fuga de capitais e desconfiança dos investidores: O fechamento comercial e a intervenção estatal excessiva afastam investimentos estrangeiros e geram incerteza econômica.
Empresas multinacionais deixam de ver o país como um destino atraente para novos negócios, limitando o crescimento econômico.
Esses exemplos mostram que, embora algumas medidas protecionistas possam ter efeitos positivos no curto prazo, o protecionismo excessivo tende a gerar efeitos colaterais negativos que prejudicam o desenvolvimento sustentável. A longo prazo, economias que se fecham ao mercado global enfrentam estagnação econômica, perda de competitividade e crises fiscais, evidenciando a importância do livre comércio como motor de crescimento e inovação.
Efeitos Globais e o Papel da China
Ao adotar uma política protecionista mais agressiva, os EUA correm o risco de entregar ainda mais espaço econômico para a China, seu principal rival geopolítico e comercial. Se Trump seguir com tarifas mais altas sobre importações, as empresas globais e os governos buscarão fornecedores e mercados alternativos, fortalecendo a posição chinesa no comércio internacional.
A China já tem se aproveitado das lacunas deixadas pelos EUA para expandir sua influência econômica global. Seu principal instrumento para isso é a Belt and Road Initiative (BRI), um megaprojeto de infraestrutura e investimentos lançado em 2013, que financia portos, ferrovias, rodovias e redes de telecomunicações em mais de 140 países. Através da BRI, Pequim tem consolidado relações comerciais e políticas estratégicas, garantindo mercados para seus produtos e acesso a recursos naturais essenciais.
Se os EUA adotarem tarifas universais, isso pode acelerar algumas tendências favoráveis à China:
• Diversificação da cadeia de suprimentos global: Com tarifas mais altas sobre produtos chineses, muitas empresas podem buscar alternativas fora dos EUA, escolhendo fornecedores chineses para evitar custos adicionais. Isso já aconteceu durante a guerra comercial de Trump, quando a China fortaleceu sua presença em mercados emergentes.
• Maior dependência de mercados alternativos: Países em desenvolvimento, como os da África, América Latina e Sudeste Asiático, que antes equilibravam suas relações entre EUA e China, podem ser atraídos ainda mais para o bloco chinês, devido a acordos comerciais mais acessíveis e menos restritivos.
• Expansão do yuan como moeda de referência: Com a crescente fragmentação do comércio global e um protecionismo americano mais agressivo, alguns países podem aumentar suas transações em yuan, reduzindo sua dependência do dólar. A China já tem acordos de swap cambial e comércio direto em sua moeda com vários países, e medidas protecionistas dos EUA podem acelerar esse processo.
• Aumento do soft power chinês: Enquanto os EUA impõem barreiras, a China tem expandido sua influência com financiamento de infraestrutura, empréstimos a juros baixos e parcerias comerciais mais flexíveis. Isso reforça sua presença diplomática e comercial, permitindo que Pequim dite novas regras no comércio global.
• Redução da influência americana nas instituições globais: Os EUA sempre tiveram papel central em organizações como a OMC, FMI e Banco Mundial, mas um movimento protecionista extremo pode enfraquecer sua liderança. Enquanto isso, a China já impulsionou alternativas, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), desafiando a hegemonia financeira dos EUA.
Embora Trump argumente que o protecionismo fortalece a indústria americana, os efeitos colaterais podem ser exatamente o oposto: um isolamento econômico dos EUA e um fortalecimento da China no cenário global. Se os EUA abandonarem a liderança no comércio internacional, Pequim estará pronta para preencher esse espaço, consolidando sua posição como maior potência econômica do século XXI.
Se o protecionismo americano reduzir a entrada de dólares na economia global, poderemos ver um cenário de:
- Desvalorizacão do dólar: O que pode afetar sua posição como moeda de reserva global.
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Aumento da inflação nos EUA: Pela redução da competição e aumento dos custos internos.
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China se consolidando como líder do comércio global: Aproveitando os espaços deixados pelos EUA.
O Futuro do Protecionismo
A história nos ensina que economias fechadas, que tentam produzir tudo internamente, acabam perdendo eficiência, inovação e competitividade global. Embora o protecionismo possa gerar ganhos políticos de curto prazo, ao agradar setores industriais domésticos e criar a ilusão de fortalecimento econômico, os efeitos de longo prazo tendem a ser negativos, resultando em baixa produtividade, estagnação econômica e perda de participação no mercado global.
O grande dilema para os EUA é se aprenderão essa lição antes que seja tarde. A estratégia de nearshoring e imposição de tarifas comerciais pode desencadear um ciclo de desvalorização cambial, inflação e menor crescimento, com consequências significativas não apenas para a economia americana, mas para todo o sistema financeiro global. Com uma moeda mais fraca e custos internos mais altos, os EUA correm o risco de perder sua vantagem competitiva em setores estratégicos, enquanto rivais como China e União Europeia fortalecem suas posições no comércio internacional.
Os riscos do protecionismo e os desafios econômicos
A decisão de seguir um caminho mais protecionista pode gerar vários desafios estruturais, incluindo:
- Aumento dos custos de produção: Barreiras comerciais encarecem insumos importados, pressionando a indústria americana e elevando preços para o consumidor final.
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Inflação persistente: Com menos concorrência externa, as empresas locais podem repassar custos mais altos para os consumidores, dificultando o controle inflacionário e pressionando o Federal Reserve a manter juros elevados por mais tempo.
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Desvalorização do dólar: Se os EUA reduzirem sua participação no comércio global e impuserem tarifas generalizadas, a demanda pelo dólar pode cair, impactando sua posição como principal moeda de reserva mundial.
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Retaliação global: Países afetados pelas tarifas americanas podem responder com medidas semelhantes, prejudicando as exportações dos EUA e criando um ambiente de incerteza para investidores e empresas.
Alternativas mais sustentáveis
Em vez de recorrer ao protecionismo excessivo, os EUA poderiam focar em políticas mais eficientes para manter sua liderança econômica, como:
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Incentivo à inovação e pesquisa tecnológica, garantindo que as empresas americanas continuem à frente em setores estratégicos como inteligência artificial, semicondutores e biotecnologia.
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Melhoria da competitividade interna, com investimentos em infraestrutura, educação e qualificação da força de trabalho para aumentar a produtividade e reduzir custos.
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Acordos comerciais estratégicos, que ampliem o acesso a mercados globais sem comprometer a indústria doméstica.
O impacto nos mercados
Política cambial, tarifas e protecionismo são fatores que exercem influência profunda na macroeconomia e nos mercados financeiros. Para investidores globais, compreender como medidas protecionistas afetam moedas, taxas de juros, comércio e crescimento econômico é essencial para antecipar tendências e riscos de longo prazo.
As decisões tomadas hoje pelos EUA podem moldar o cenário econômico das próximas décadas, influenciando desde a estabilidade do dólar até o papel do país no comércio internacional. Se o protecionismo for ampliado, os mercados poderão enfrentar volatilidade, realocação de capital e mudanças na dinâmica de investimentos globais, especialmente em setores altamente dependentes do comércio exterior.
O protecionismo pode parecer uma solução rápida para proteger empregos e indústrias locais, mas a história já mostrou que o verdadeiro crescimento sustentável vem da inovação, da produtividade e da integração global. Economias que se abrem para a concorrência e investem em tecnologia, qualificação da força de trabalho e infraestrutura conseguem manter sua competitividade a longo prazo, enquanto aquelas que se fecham tendem a perder espaço no cenário global.