O chamado tripé de política econômica engloba o regime de câmbio flutuante, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o sistema de metas de inflação. Foi criado há 13 anos por ocasião da adoção do regime de câmbio flutuante e do sistema de metas de inflação, visando dar à gestão econômica a confiança e estabilidade necessária para seguir adiante. Sendo assim, se tornou o arcabouço necessário para sustentar a estabilidade da economia brasileira.
Os três componentes se interrelacionam, um dependendo do outro, ou cada um tendo mais importância dependendo do momento. É importante uma gestão pública responsável, com saldo primário em trajetória com a meta definida, mantida a boa qualidade de gastos, visando aumentar os investimentos públicos e segurar as despesas de custeio. Fazendo isto, o BACEN acaba se vendo menos sobrecarregado por uma pressão menor dos gastos públicos sobre a composição da demanda agregada.
Isto significa mais espaço de manobra para a política monetária, visualizando uma pressão inflacionária de demanda mais branda. O sistema de metas acaba mais preservado, ou menos desgastado, com o BACEN, fora em situações excepcionais, não se vendo “forçado” a apertar a política monetária, com seu principal instrumento: a taxa de juros de curto prazo. Neste sentido, uma gestão com maior folga fiscal acaba abrindo espaço para a redução do juro, significando também impacto menor sobre o regime cambial, por reduzir a apreciação da moeda nacional, pela atratividade de recursos externos, via arbitragem entre juro externo e interno.
Cabe ressaltar sobre o regime cambial flutuante, que o ideal é mantê-lo sem grandes trancos, só havendo sentindo a intervenção do BACEN, comprando ou vendendo divisas, em situações de desbalanceamento nos componentes citados. Sendo assim, o que temos ora no País é muito mais um regime de flutuação “suja”, já que este purismo teórico em torno do câmbio flutuante pouco se aplica na realidade. Com o câmbio mais estável, o BACEN pouco intervém, só o fazendo diante de oscilações bruscas.
Dito isto, podemos afirmar que esta tríade de política econômica, adotada com variantes, tanto no governo FHC como na gestão Lula, se manteve preservada. Isto porque o BACEN sempre buscou perseguir, no sistema de metas de inflação, o centro da meta, qual seja, 4,5%, gerindo uma política de juros mais cautelosa. Lembremos que este sistema, adotado em vários bancos centrais no mundo, significa “o princípio de se mirar o futuro e dar transparência ao objetivo de combater a inflação e de reduzi-la ao longo do tempo.” [1]
Iniciado o governo Dilma, no entanto, observamos uma mudança na condução deste tripé, a partir de então mais condescendente com a inflação e o desequilíbrio fiscal, além de incentivos ao câmbio depreciado.
Em verdade, Dilma assumiu o governo em 2011 com a crise da Zona do Euro batendo à porta, o que obrigou a ajustes no chamado tripé. Tentando estimular a economia, mesmo que às custas de um pouco mais de inflação, várias medidas de estímulo à demanda foram adotadas, como redução do IPI para duráveis (linha branca e automóveis), redução do compulsório, crédito oficial do BNDES, desoneração da folha de pagamento em vários setores, entre outros, além de um forte corte no juro. Estas medidas aconteceram sobre um cenário de estresse no exterior, com a Zona do Euro em recessão, e os EUA e China num ritmo menor de crescimento.
[1]
Ilan Goldfajn, Economista-chefe do Itaú Unibanco.
Como resultado, o sistema de metas de inflação acabou flexibilizado, com o BACEN perseguindo agora o limite superior, entre 4,5% e 6,5% - o IPCA em 12 meses registrou 5,28% em setembro. Somado a isto, o juro foi reduzido voluntariamente, de 12,5% em meados de julho de 2011 aos atuais 7,25%.
Na gestão fiscal, pelas medidas de estímulo adotadas, o superávit primário de setembro acabou aquém, registrando 2,3% do PIB em 12 meses, bem abaixo da meta para o final deste ano, de 3,1% do PIB. Já o câmbio acabou depreciado, até pela redução do juro, reduzindo a atratividade por arbitragem, com o regime agora no intervalo entre R$ 2,00 e R$ 2,05.
Esta flexibilização do tripé acabou acarretando em críticas, com muitos acusando certa leniência com a inflação, colocando-se em dúvida seu resultado no médio prazo. Pela pesquisa Focus, inclusive, observa-se uma tendência altista da taxa para 2013 (7,75%), dada possibilidade de retomada da economia num ritmo mais intenso e o risco inflacionário aí embutido. Ou seja, em 2013 é possível o país crescer mais, em torno de 3,5% a 4,0%, mas com inflação batendo os 6% (ou mais).
Outras experiências semelhantes de redução voluntarista de juro também ocorrem em outros países. No Chile, por exemplo, o juro foi reduzido de 8,25% no calor da crise em 2008 a 5,0% neste ano, mas o crescimento se manteve, passando de 3,1% para 5,9% no ano passado, com a inflação cedendo, de 7,1% para 4,4% no mesmo período.
Por que a experiência chilena está dando certo? Simplesmente, por que o sistema de metas foi preservado, com o BACEN de lá perseguindo o centro da meta, além da adoção de uma política fiscal anticíclica. Na prosperidade aproveitou para poupar, usando-a nos momentos de crise.
O Brasil não seguiu esta cartilha. Cortou juro, depreciou o real e manteve uma política fiscal ativa e de baixa qualidade, tanto nos períodos de forte como de fraco crescimento. Com isto vem se sustentando num modelo baseado no estímulo ao consumo, aumentando o endividamento privado e mantendo baixa a capacidade de investimentos. O que isto deve resultar? Em novas pressões inflacionárias no futuro, caso a economia volte a crescer. Em 2012, este crescimento não deve passar de 1,5%, mas em 2013 será maior que 3%, o que demandará alguma reação do BACEN, diante da possibilidade de uma inflação acima de 6%.
Aguardemos.