Um dos relatos mais interessantes que pude ler recentemente sobre nosso mundo ocidentalizado passa por finanças. Um rapaz chinês que foi estudar nos EUA e, após sua faculdade, encontrou trabalho no Goldman Sachs. Esse banco, um dos menos atingidos pela crise de 2008, tem como lema o pensamento no longo prazo e alguma procura por embasamento em suas decisões. O rapaz, que trabalhava como trader, fez uma operação de câmbio seguindo uma intuição embasada em teoria econômica. De maneira inesperada, o que ocorreu foi suficiente para sua posição ter um excelente retorno, porém a série de eventos que levaram a esse resultado foi a oposta ao previsto. Ele foi fortemente recompensado por isso, porém sabia que sua teoria estava errada e não entendia como nos EUA, terra do mérito, pura sorte seria tão recompensada.
O que me chamou a atenção nessa história é que o trader acreditava que, no fundo, sua fundamentação era o ponto central de uma trajetória de sucesso. Isso parte da premissa que há maneiras efetivas de fazer trading que, na média, geram retornos positivos. Essa premissa é compartilhada por grandes nomes do mercado financeiro. O brilhante Ray Dalio, da Bridgewater Associates, conta no seu livro Principles como overconfidence e uma teorização errada no começo de carreira fizeram com que ele repensasse todo seu sistema de investimentos. Outro grande investidor, Marcos Lopez de Prado, chefe de trading quantitativo na AQR (segundo maior fundo quant do mundo) afirma em seu livro sobre machine learning em finanças que o mercado hoje em dia está repleto de pequenos retornos a serem conquistados com trabalho sistemático. Esse trabalho sistemático, diz ele, passa por ter em sua equipe estrategistas capazes de criar teorias que se reflitam em modelos.
Em qualquer tipo de ativos, a busca por relações causais entre eventos tem um papel crucial: fazer sua estratégia robusta a mudanças no mercado. Vamos supor que você esteja fazendo trading de Vale (SA:VALE3). Com base em evidência histórica -- saída de Roger Agnelli da presidência da companhia 2011 -- e análise dos controladores, uma hipótese a ser confirmada é uma relação umbilical e, em certos momentos, o controle de facto do poder público sobre a companhia. Se há na presidência um líder que, como Dilma, despreza a propriedade privada e direito dos minoritários em nome de um suposto desenvolvimento guiado pelo governo, temos que é necessário apertar o stop loss se comparado a outros governos menos intervencionistas.
Operar efetivamente depende de um conjunto de estratégias que se diversificam entre si. Um conjunto relativamente amplo de teorizações plausíveis e constantemente avaliadas permitem pensar sobre como investir. Nisso, um esforço que não deve nunca ser desprezado é ler bons analistas que operam sobre conceitos que dominamos menos. Em criptomoedas, por exemplo, isso seria seguir pessoas que tratam da tecnologia em si e das possíveis questões de governança em ativos digitais. Dessa maneira, há dados curados por pessoas que entendem e há a possibilidade de gerarmos hipóteses testáveis.
Por que esse tema numa coluna sobre criptomoedas? Porque estamos num bear market há muito tempo e sem perspectivas de melhoras. Nessas horas, é essencial buscar opiniões que expliquem o mood do mercado com argumentos causais bem construídos. Após a queda de janeiro, aparentemente com razões obscurecidas, na época do fork entre Bitcoin Cash e Bitcoin Satoshi’s Vision houve outra queda de grandes proporções. A primeira era “previsível” com métodos econométricos que indicavam bolha (para entender o método, vale ler este artigo). O segundo, mais intuitivo, poderia ser compreendido ao entender discussões sobre a natureza e papel da hashrate nas criptomoedas. Tudo isso era discutido na internet um pouco antes da quedas com maior ou menor qualidade.
Portanto, por mais que não soe imediato, não tenham medo de ler hipóteses sobre o mercado que gerem reflexões. Acompanhar notícias é importante, mas seguir analistas via twitter pode ser uma solução razoável. O resultado final de uma operação de trading ainda tem um forte componente de sorte, mas sistematizar as ideias que temos está no núcleo dos bons resultados tanto dos sortudos, como o rapaz do Goldman Sachs, quanto dos investidores que mais diversificam como o trader quant do AQR.