Vamos lá para mais uma semana… dessa vez com uma dobradinha! Conto com a ajuda do meu amigo Eliseu Mânica para escrever a quatro mãos essa tônica. Afinal, duas cabeças pensam melhor que uma! Eliseu, assim como eu, tem grande parte do patrimônio (para não dizer todo) investidos em renda variável,.então acredito que isso nos dê o tal do skin in the game. Estávamos conversando e ele lançou a polêmica:
PREÇO IMPORTA?
[ELISEU] Com a explosão de investidores pessoa física recentemente, criou-se uma onda de “especialistas” criando conteúdo, principalmente na área de investimentos, e um dos maiores dilemas principalmente entre os criadores de conteúdo no Brasil é o de que o preço na hora de comprar um ativo não importaria na hora de negociar. Será que preço não importa na hora da compra de um ativo?
Primeiramente, partindo de uma cenário macroeconômico, para entendimento melhor do que vem acontecendo, nunca tivemos um cenário tão diferente e difícil para investimentos. Uma das maneiras de se comprovar isso seria com a correlação inversa entre as projeções de crescimento de PIB e dados de PIB efetivo e o retorno do mercado de ações. Provavelmente isso vem acontecendo pelo que já comentei aqui: uma massiva injeção de capital por parte dos bancos centrais mundiais, aumento da circulação de dinheiro entre a população e, consequentemente, parte desse dinheiro indo para o mercado financeiro. Além disso, a recompra de bonds, junk bonds, muni bonds e compras de ativos de qualidade duvidosa por parte do Banco Central Americano trazem distorções para toda uma classe de ativos. A correlação inversa que comentei entre PIB e o mercado acionário pode ser vista abaixo:
Cabe salientar aqui que, ao contrário do que a maioria dos investidores acredita, nem sempre crescimento de um país e o seu PIB, significam alta para o mercado de ações. Muitas vezes com resultados ou expectativas de PIB negativo são aguardados incentivos, fazendo com que tenhamos uma política financeira expansionista, e é isso que o mercado precifica muitas vezes. Lembre-se sempre: o mercado financeiro “olha para frente”, acredito que cerca de 6 a 8 meses à frente, mas, mesmo assim, a precificação atual mostra-se aparentemente exagerada para alguns ativos.
[WILL] Pois é, de fato a política de juro zero hoje vigente no mundo “empurra” investidores cada vez mais para investimentos de risco. O gráfico abaixo compara a expansão monetária com a expansão do múltiplo Preço/Lucro (price/earnings) do S&P500 (fonte). A ideia subjacente aqui é a de que a expansão monetária e o juro zero fazem com que você pague mais caro pelos ativos… ou a de que o P/E “justo” do S&P deveria ser 100x, de acordo com o caminhão de dinheiro jogado na economia.
Afinal, se a renda fixa remunera tão pouco, porque não correr o risco de “apostar” em algumas empresas que crescem e estão na mídia? Essa mentalidade tem criado certos exageros. Mas, apesar de todas críticas e da total incapacidade de todos nós em prever os resultados dessa expansão monetária, o fato é que, assim como foi no pós 2008, temos visto uma recuperação bastante rápida da atividade econômica. O índice de surpresa econômica calculado pelo Citibank me parece emblemático em mostrar isso (fonte):
Essa ideia de uma economia que se recupera e avança rápido acaba “casando” melhor com o investimento em empresas de crescimento, não é mesmo? A meu ver, isso explica o atual momento de mercado e a busca por ativos de crescimento, ainda que preço, em muitos casos, seja deixado de lado.
NÃO DEIXE O VALUE INVESTING MORRER?
[WILL] O plano macro ajuda a alimentar certos exageros, mas temos visto uma discussão bastante latente no mercado americano. Não é de agora, na verdade. É a ideia ou a dicotomia entre empresas de crescimento (growth) versus os chamados cases de value investing. Consigo ver Alcione cantando: “Não deixe o value investing morrer, não deixe o value investing acabar”… Talvez seja o café que tomei essa manhã, mas acho que seria poético.
[ELISEU] Existem várias filosofias de investimentos, e duas das principais são as de investimento em valor e de investimento em crescimento, ou ainda, uma terceira via, que seria uma simbiose entre as duas, que é o que eu, Eliseu, mais acredito, procurando realizar uma série de avaliações e verificar se há ou não uma margem de segurança adequada ao investir. Por margem de segurança entende-se a possibilidade de investir com uma segurança, um valor mínimo que tem que valer hipoteticamente um ativo, compreendendo a diferença entre o valor de mercado e o valor intrínseco de um ativo. Calcular esse valor intrínseco não é uma unanimidade entre os investidores, porém isso traz uma probabilidade maior de acerto nos investimentos.
Essa diferença entre os approaches de investir em valor e crescimento em raros períodos atingiu uma diferença tão grande como no momento atual. Nos EUA, usando o ETF de crescimento do S&P500 e o ETF focado em investimento em valor, podemos ver objetivamente a grande diferença:
[WILL] De fato, tem sido um fenômeno difícil de entender ou mesmo de prever que tal relação chegou a um extremo e agora veremos a inflexão disso. Em outras palavras, que veremos as ações consideradas de valor obterem um retorno acima das de growth. O gráfico abaixo corrobora ao exposto acima pelo Eliseu. Ele apenas evidencia ainda mais essa discrepância:
VAMOS LÁ POVÃO, AGORA É SÉRIO… CHEGOU A HORA?
[WILL] Ao que chegamos a pergunta mais relevante: é hora de apostar nas empresas de valor (tradicionalmente empresas de setores mais consolidados como consumo, utilities, bancos, properties)? Confesso que não sei. Mas Eliseu trouxe um ponto interessante que vai além dessa dicotomia e agrega os mercados emergentes na discussão.
[ELISEU] Por estarmos em um período de eleições presidenciais americanas, com uma expectativa próxima de uma vacina e volta controlada ao normal e uma continuação nos estímulos, esses fatores favorecem historicamente os investimentos em valor e é isso que venho fazendo em minha carteira de investimentos e na gestora que criei. Além disso, temos uma diferença grande entre os valuations de mercados emergentes e o S&P 500, como podemos ver abaixo:
Mercados emergentes, por possuírem riscos maiores de influência política, negociam com maior desconto, mas não quer dizer que não tenhamos empresas muito interessantes, de renome mundial e que atualmente estão bem esquecidas. Abaixo, os múltiplos do Brasil especificamente, assim como de alguns setores. Cabe salientar que, com queda de juros no Brasil e, consequentemente, uma taxa de desconto menor (mesmo os juros longos caíram bastante, não tanto quanto os juros curtos, porém caíram) temos uma elevação nos múltiplos de negociação. Vejo empresas de commodities, bancos e utilities, normalmente setores associados ao investimento em valor, como bem descontados.
[WILL] Mercados emergentes sempre foram e sempre serão descontados…é uma zona! Ok, você é familiarizado com o Brasil. Mas pense em investir na Turquia, no Vietnã ou na Hungria! Sempre tem alguma bagunça política ou econômica pela frente. Dito isso, não quer dizer que não surjam exageros. Quem acompanha as tônicas talvez lembre que eu vinha bastante receoso com o investimento em renda variável no Brasil desde os 90 mil pontos. A meu ver, nas últimas semanas “realizamos” de lado, ou seja, a economia reagiu e a bolsa andou de lado para baixo – comentei isso semana passada. Confesso que tenho achado isso tudo positivo. Corrige certos exageros.
Ainda assim, minha carteira não tem performado bem esse ano. Atribuo isso a minha cabeça dura de continuar apostando em alguns ativos mais da linha “value”. Mas sigo com minhas convicções. Nesse sentido, eu e Eliseu pensamos muito parecido.
MAS E AÍ… PREÇO IMPORTA?
[ELISEU] O que quis mostrar até aqui é que temos que focar em encontrar mais margem de segurança. O preço é fundamental ao investir. Comprar algo a um bom preço vai definir a Taxa Interna de Retorno (TIR) do seu investimento. Focar em comprar barato e em momento de maiores crises como o atual é o ideal para um investimento. Vale lembrar que mesmo ativos sem qualidades, se bem comprados, podem dar retorno positivo ao investidor. Um exemplo são empresas praticamente quebradas, com prejuízos grandes aos longos do tempo e que negociam bem abaixo do valor, por exemplo, da vantagem tributária de aproveitamento desses prejuízos passados. Uma empresa com boa saúde pode adquirir essa empresa deficitária pagando um valor menor do que poderá aproveitar como vantagem em impostos para ela (respeitando o limite atual desse aproveitamento). Até em empresas quebradas, pagando-se um preço ótimo, o investidor pode ganhar dinheiro. Mas lembro que esse não deve ser o seu foco, esse é apenas um exemplo.
É importante para você, investidor, não confundir comprar bem com ficar com dinheiro em caixa esperando eternamente. Conheço alguns amigos que saíram do mercado nos 70 mil pontos e estão esperando voltar até hoje, hehehe. Há sempre oportunidades no mercado e, ao meu ver, a melhor forma de proteção é a diversificação e não ficar em caixa!
Abaixo mostro um estudo realizado entre 1933 e 2012 pela Charles Schwabb nos Estados Unidos, país que moro atualmente. Nesse estudo mostra-se que a compra no suposto “momento certo” (perfect timming), traz pouca diferença para a construção de patrimônio de longo prazo, para aquele indivíduo que não acerta perfeitamente o timming, que executa o popular “preço médio”. Preço médio ou momento certo, o fato que é que ambas são melhores do que a manutenção dos recursos em caixa.
Uma outra forma de ver isso ou de expressar a mesma ideia: ficar fora do mercado não garante maiores retornos. Nesse outro estudo do Business Insider vemos o impacto da filosofia do Buy and Hold durante 30 anos, estando no mercado o tempo todo! O retorno médio foi de 8,4% ao ano. Já para o investidor que perdeu os 5 melhores dias da bolsa nesse período de 30 anos, o retorno foi para 6,69%, em média. Em caso de perda dos 10 melhores dias, o retorno foi para 5,61%. Com perda dos 20 melhores dias, o retorno foi para 3,84% ao ano, e, com perda dos 25 melhores dias, o retorno foi para 3,06% ao ano!
[WILL] Confesso que a discussão de “preço importa” para mim me parece totalmente descabida e inócua. Penso que é óbvio que importa. Preço importa até na hora de comprar uma paçoca! Porque não importaria na hora de comprar ações?! E olha que aqui nos EUA eu me sujeito a pagar caro por uma paçoca, rs. A questão é que o investidor não precisa ficar doente com a questão do timing. Sentado em uma montanha de caixa até que venha uma grande grave crise novamente. Ou, ainda, plugado com quatro telas acompanhando o mercado ensandecido em busca do “timing certo”. Não vou me estender na questão porque o Eliseu já postou os gráficos aí em cima.
Sobre o value investing, penso que esses rótulos mais atrapalham do que ajudam! Você pode investir em empresas de múltiplos altos, que crescem e ainda assim ser um investidor de valor. Maior posição de Warren Buffet atualmente são ações da Apple! Como o Eliseu frisou a questão é buscar a margem de segurança. Atualmente, e nessa nova economia, algumas empresas de tecnologia oferecem mais margem de segurança que o investimento em petróleo por exemplo. Então não me apego a rótulos.
Em suma, penso que preço importa sim e que o value investing não morreu!
Era isso.
Aquele Abs.