ERREI.
Semana passada eu estava aqui escrevendo uma tônica cheio de dúvidas e começando o mês receoso com o mercado. Sete dias depois, o mercado me dá uma sonora resposta mostrando que eu estava errado. Como disse na semana passada, adoraria errar, afinal, a despeito do meu receio, continuo totalmente investido. Quem me acompanha sabe que não sou de ficar fazendo movimentos bruscos de forma corriqueira com minha carteira global. Então, sigo vendo meu patrimônio oscilar todos os dias, e meu erro analítico foi muito bem recebido, vendo minha carteira saltar na semana que passou!
ENTENDENDO A ALTA
Mas vamos lá: para responder a pergunta do título é preciso entender as bases da alta recente do mercado. A meu ver a resposta parece relativamente simples: fluxo! E contra ele não há argumentos! Em outras palavras, existe muito dinheiro que foi injetado na economia que, em parte, migra para o mercado. A ideia é de um helicóptero despejando dinheiro na economia mesmo. O gráfico abaixo (fonte) já tem dois meses. É possível que já esteja antigo, pois volta e meia surgem mais alguns trilhões de dólares sendo jogados na economia, mas ele da uma ideia boa:
Eliseu foi muito perspicaz em me chamar atenção para dois pontos deveras interessantes:
(i) Nas mínimas, a capitalização das bolsas mundiais atingiu US$ 61 trilhões e hoje estamos em cerca de US$ 82 trilhões. Esse é o valor de mercado de todas as bolsas somadas. O que aconteceu para essa valorização rápida? Coincidência ou não, a soma de ajuda, de grana que todos os bancos centrais colocaram como incentivo para a economia mundial, foi de US$ 18 trilhões! Se somarmos a mínima dos mercados, com a valorização e o valor de mercado que subiu nas bolsas mundiais, o valor será próximo ao dinheiro alocado como ajuda.
(ii) Conversando recentemente com amigos americanos, a quantidade que foi disponibilizada é muito maior do que imaginamos. Como exemplo, cada residente dos EUA recebeu US$ 1.200 apenas por ser cidadão. No caso de empresas, tive um amigo que recebeu aproximadamente US$ 30 mil apenas para manter a empresa aberta e não demitir ninguém. Tivemos diversas ajudas e uma quantidade gigante de dinheiro sendo jogada na economia. Dinheiro esse que encontrou pessoas ociosas, em casa, com o seguro-desemprego, podendo postergar pagamento de mortgages, pagamentos de luz... e vale lembrar que nos EUA mais de 50% da população investe em ações.
Amanhã tem post novo dele!
NÃO TEM PARA ONDE CORRER?
Fora isso, vivemos com aquele sentimento de “não ter para onde correr”, de não saber o que fazer com os recursos. Investir para ganhar 0,25% ao ano aqui nos EUA? 0,25%!! Você investe US$ 10 mil e ao final de um ano mal consegue comprar um Big Mac, considerando os custos! Não faz sentido! Dá uma olhada nessa tabela abaixo (fonte). Ela parece complexa, mas a quinta coluna mostra as taxas de juros reais. Veja quantos juros reais (acima da inflação) temos. Fora isso, a maioria dos BCs tem cortado juros (sétima coluna). O foco aqui é em mostrar que os juros baixos no mundo todo empurram pessoas para bolsa.
Nunca antes na história desse mundo foi tão interessante investir em ações? O yield (remuneração dos dividendos) dividido pela remuneração dos títulos de renda fixa mostram o quanto um ou outro é mais interessante de se investir. Dá uma olhada (fonte):
Tem sido assim nos EUA, e no Brasil não é muito diferente. Esperei 13 anos para ver esse movimento! Desde que comecei a estudar o mercado lá em 2003, ouço que existe muito espaço para pessoa física investir na bolsa! Até que finalmente, em 2016, esse movimento começou! Abaixo, o gráfico do BTG mostra a evolução da pessoa física na bolsa:
MAS E A ECONOMIA?
Ok, mas sou teimoso e gosto de acreditar que o mercado não consegue descolar dos fundamentos por um prazo tão longo assim. Se isso for verdade, precisamos ter, no campo econômico, dados, motivos para acreditar que ainda possa ser interessante investir na bolsa. Caso contrário seria somente fugazzi, não é mesmo? Sim, os dados ainda são muito feios em nível geral. Desemprego alto, PIB em recordes de mínima, atividade da industria ainda fraca, muitas empresas reportando que os números do 2T ainda serão horrorosos etc. Ok, já sabemos de tudo isso!
Então a alta é só fugazzi, Will? Talvez não! Dá uma olhada nesses gráficos. Eles mostram a realidade dos EUA, ou seja, não estamos falando da China, que levanta muitas polêmicas sobre a veracidade de seus números.
(1) Restaurantes. Na esquina da minha casa tem um restaurante bem "americanão" sabe, tipo sports bar. Já está lotado de novo (considerando que não está atendendo a full capacity)! Isso não quer dizer muito, ok. Mas e que tal esse gráfico, que mostra que as reservas já vem se recuperando:
(2) Hotéis. Também longe do momento pré pandemia, mas já mostrando uma clara melhora.
(3) Mapas. O gráfico abaixo mostra a busca por direções no app da Apple. Com mais lugares abertos, mais e mais pessoas buscam direções no app, reforçando a tese de uma economia retomando.
(4) Housing. O último de dado de pedidos de mortgage nos EUA surpreendeu muito positivamente, mostrando que as pessoas estão ávidas por comprar um imóvel! A explicação é a baixa nas taxas de juros. Anyway, mais um indicador apontando na direção da recuperação.
(5) Emprego. Na sexta tivemos o payroll nos EUA surpreendendo a todos. Basicamente, mostrou que a economia americana criou um caminhão de empregos com a reabertura.
“The May gain was by far the biggest one-month jobs surge in U.S. history since at least 1939. The only previous month to register more than a million jobs was September 1983, at 1.1 million.”
Liquidez e sinais de economia retomando explicam a alta nos EUA. Veja que o S&P praticamente zerou as perdas no ano com uma alta de mais de 40% desde as mínimas!
Depois do flight to quality do auge da crise com investidores buscando segurança no dólar e em títulos, o segundo movimento foi de investir em empresas com caixa forte e em empresas sólidas, em especial de tecnologia. Nas últimas semanas, no entanto, o mercado migrou para o que tinha de mais risco: cias aéreas, cassinos, shoppings, cruzeiros, varejo, restaurantes…todas aquelas empresas que sofreram mais. Um claro movimento de flight to risk!
FLIGHT TO RISK?
Esse movimento fica claro quando olhamos o desempenho da moeda. O índice dólar (dólar contra uma cesta de moedas) caiu em 10 dos últimos 15 dias de pregão no mercado internacional. Da máxima atingida em 23 de março, o índice dólar já acumula queda de mais de 6%. Vimos diversas moedas de países emergentes apresentarem boa performance nos últimos 30 dias. A título de exemplo, o dólar se desvalorizou 11% contra o peso mexicano; caiu de 10% contra rand sul africano; 10% contra o peso colombiano; -9% contra o peso chileno; entre outros.
Quer coisa mais arriscada do que investir numa moeda chamada real e num país chamado Brasil? Rs
É isso que temos visto no câmbio e na bolsa. Esses dois vetores têm ajudado a corrigir aquilo que parecia claramente destorcido e que comentei aqui três semanas atrás. O mesmo gráfico, mas com uma “cara” diferente após a correção que vimos nas últimas semanas – confere. E se você desse um zoom pegando somente o movimento das últimas quatro ou oito semanas veria uma inflexão ainda maior com o Brasil+Real performando significativamente melhor.
CONCLUSÃO/OPINIÃO
Não sei exatamente como a reabertura da economia será no Brasil, mas os EUA podem servir com uma proxy interessante. Sei que as condições econômicas são bem diferentes, ainda assim o que vale é que o sentimento de “o mundo acabou” e “não vai se recuperar tão cedo” vai se desfazendo e isso vai sendo colocado nos preços dos ativos. O cenário é promissor sim. Estamos (mundo) nos recuperando de uma pandemia/crise. Os números da economia ainda estão e serão ruins por mais um trimestre ao menos, mas é assim mesmo. Quando estiverem “bonitos”, a bolsa já andou.
A política acalmou. Não tivemos escândalos, brigas ou declarações muito polêmicas. Isso ajudou até aqui, sabe-se lá se irá ajudar amanhã.
Não sei até onde a bolsa vai, mas sigo cauteloso. Soa como um alerta ou me preocupa quando vejo manchetes de analistas revisando target pra bolsa, tal qual a foto aí de baixo. Dá até frio na espinha! Rs
A meu ver, seletividade é a palavra da vez!
Sigo achando bancos e ativos imobiliários muito baratos, nos EUA e também no Brasil. Nos EUA, tecnologia é algo sempre necessário numa carteira de longo prazo. Com bastante seletividade é possível encontrar boas coisas em varejo, educação, infra e elétricas.
A meu ver, seletividade é a palavra da vez!
Era isso.
Aquele Abs.