O carnaval deste ano me fez lembrar de Jânio Quadros, 22º presidente do Brasil. O político foi eleito em 1960 com aproximadamente 41% dos votos, desbancando o sucessor de Juscelino Kubitschek, Henrique Teixeira Lott (PSD).
Jânio foi uma surpresa à época. Juscelino era querido por uma grande massa e acelerou muitos investimentos no país. O custo dos “50 anos em 5”, no entanto, foi o fim de mandato com alto endividamento e inflação no país. Nesse contexto, o PSD não conseguiu emplacar seu candidato.
A carreira meteórica
Correndo “por fora”, Jânio Quadros vinha de um cargo público atrás do outro. Foi primeiro vereador, se elegeu deputado estadual, prefeito, governador e, por fim, deputado federal. Não era um político “tradicional”. Fazia oposição à tradição getulista, ao PSD de JK, mas também não era 100% identificado à UDN e Lacerda.
Em sua campanha pelo tímido PTN, focou em atacar a corrupção e moralizar novamente o Brasil. Seu símbolo de campanha: uma vassoura, para varrer a bandalheira.
Era a cara do antipolítico, antissistema e, claro, usava da teatralidade para conquistar o eleitor. Sentava na calçada e comia sanduíche de mortadela com o povo – incorporando o sujeito “gente como a gente”.
Não é estranho concluir que o nosso atual presidente, Jair Bolsonaro, tem um certo quê de Jânio Quadros: ascensão meteórica, candidatura por um partido de pouco peso, campanha fundada na figura antissistema, entre outras características nos remetem ao presidente da década de 60.
Como presidente, no entanto, Jânio foi uma aberração. Após sete meses no cargo, renunciou – buscando, em vão, aplicar um golpe de estado para manter seu já restrito poder.
Na estante de Jânio, medidas como o veto à comercialização do lança perfume nos bailes de carnaval, controle do tamanho dos maiôs e proibição do uso de biquínis.
Tentou valorizar a tradição e costumes conservadores atirando para todos os lados. Sem habilidade de negociação política no Congresso, não durou nem um ano. Ficou marcado pelo clique de um fotógrafo em visita à Uruguaiana. Metaforicamente, o andar torto de Jânio resumia a falta de rumo do governo.
Um novo Jânio?
Neste carnaval, lembrei de Jânio justamente porque Bolsonaro postou um escatológico vídeo em sua conta no Twitter. O conteúdo do vídeo é realmente baixo e choca. Mais chocante ainda, contudo, é um presidente da República concentrar seus esforços de comunicação nesse tipo de publicação.
É inevitável que tenhamos figuras polêmicas na política. O presidente atual usa e abusa das redes sociais. O ex-presidente da década de 60 não tinha Twitter. Imagine só se Jânio twittasse que Ernesto Che Guevara seria condecorado com a Grã-Cruz do Cruzeiro do Sul, maior grau de condecoração do estado brasileiro (acredite, isso aconteceu).
Ora, se em 1961 (!!!) a medida já desagradou uma grande parcela da população e políticos, imagine com o potencial de estrago no atual cenário de rapidez no acesso à informação.
Tendo na história um claro exemplo de que Jânio se perdeu nos pormenores de seu mandato, Bolsonaro deveria absorver as lições de um brevíssimo presidente.
Ao rebaixar o carnaval em decorrência de um ato isolado (convenhamos, o carnaval é tradição brasileira e muito mais que isso), o capitão flerta com o perigo do isolamento político.
Os exageros do episódio
Alguns já falam em impeachment. Exagero. A publicação não parece ser suficiente para derrubar o presidente. Até porque integro a corrente que acredita que o impedimento é um instrumento político, apesar de requerer algum crime de improbidade administrativa como premissa processual. Politicamente, não há clima nem motivo para o impeachment de Bolsonaro.
O episódio denota, porém, a incapacidade (ou desinteresse) do governo de descer do palanque que subiu na época das eleições. Refém de um eleitorado mais preocupado com os costumes que com a economia, Bolsonaro ainda prefere o errático caminho da polêmica; do “nós contra eles” em detrimento do debate de pautas realmente necessárias ao país.
Um levantamento feito pelo jornal Estado de S. Paulo reforça a tese acima: dos 515 tweets analisados, somente 5 versam sobre a Previdência, 16 sobre finanças públicas, 51 sobre ideologia e doutrinação e 95 sobre agradecimentos e saudações.
É bem verdade que a estratégia não é nada impulsiva. Com certeza, o presidente sabia o que estava fazendo. Cito o “errático caminho da polêmica” porque acredito que ele não leva ao sucesso de um governo.
É ingenuidade achar que desviar o foco da economia para obscenidades atrasará a eventual perda de capital político.
O fim da folia
A repercussão das publicações do presidente não foi boa, a ponto do Planalto ter que afirmar, em nota oficial, que Bolsonaro não teve a “intenção de criticar o carnaval de forma genérica”.
O carnaval acabou e é hora de guardar as fantasias e varrer a purpurina do chão. É hora de deixar a catarse de lado e focar na dura realidade em que o país se encontra.
Se todo carnaval tem seu fim, toda lua de mel também tem. Se o presidente não quiser terminar como Jânio Quadros, precisa entender: biquínis e folias não derrubam governos, amadorismo sim.