No meu último artigo desta coluna, há duas semanas, escrevi sobre consórcios para pessoas físicas, procurando uma abordagem bastante clara, objetiva e sem vieses. Recebi muitos feedbacks legais e várias pessoas me perguntaram o que eu achava de títulos de capitalização (TCs). Aliás, os próprios comentários da coluna foram bacanas e até entendo quando tenho que explicar algo que está no texto. Procuro responder a todas as pessoas, sempre pedindo a gentileza de mantermos comentários gentis e educados. Viver com gentileza e educação é muito legal né pessoal?
Resolvi então escrever algo na mesma linha para os famosos títulos de capitalização. Se você não leu o texto da semana passada sobre consórcios, sugiro a leitura. E se quiser entrar em contato, aprender muito mais e tirar dúvidas, siga-me nas redes sociais: @carlosheitorcampani.
O título acima traz uma pergunta que, para muitos, parece ter resposta fácil. Afinal, é muito provável que dez em cada dez blogueiros e youtubers apontem o “investimento” em TCs como o pior possível. Mas, há algo além desse horizonte e você entenderá adiante por que escrevi investimento entre aspas. A demonização recente que muitos “especialistas” fizeram dos TCs pode transmitir uma mensagem equivocada de que ninguém deve comprar TCs ou, o que é pior, que quem compra TCs é “bobo e foi enganado por seu gerente”. Não pode ser tão simples assim! Vamos entender o que se passa, com razoabilidade.
A ideia por detrás de um TC é bastante simples e darei um exemplo didático que ilustra o conceito. Imagine que haja um investimento de baixíssimo risco no mercado a 10% de juros ao ano. Os irmãos João e José decidem fazer um acordo com uma instituição financeira. Eles investirão R$ 100,00 cada um por um ano. Ao final do ano, um deles será sorteado e receberá R$ 115,00. Já o perdedor no sorteio receberá R$ 103,00, ou seja, o seu dinheiro de volta com uma pequena correção monetária.
Para o irmão vencedor no sorteio será um baita negócio, pois ele conseguirá uma remuneração de 15%, bastante acima do que ele conseguiria no mercado (10%). Já para o outro irmão, o acordo acaba saindo ruim, pois ele recebe uma remuneração de apenas 3%, portanto abaixo do que teria obtido no mercado. Note que a instituição financeira investe cada R$ 100,00 dos irmãos e obtém, ao final de um ano, um retorno de 10%, perfazendo a quantia total de R$ 220,00. Ao pagar os R$ 115 para o irmão vencedor e os R$ 103,00 para o irmão perdedor, fica com R$ 2,00 de resultado positivo.
O que acabei de explicar acima, de maneira simples, é o que está por detrás do conceito dos TCs. Em média, os irmãos sairão com uma rentabilidade de 9% (média entre 15% e 3%), o que está abaixo da rentabilidade que poderiam obter no mercado (10%). Esta diferença é precisamente o que remunera a instituição financeira, que, claro, tem seus custos com a gestão do produto.
O MERCADO DE TCS: TRADICIONAL E COM MILHÕES DE BRASILEIROS
O mercado brasileiro de TCs é antigo e remonta ao ano de 1929: na minha infância, o jingle do TC Bamerindus me vinha sempre à cabeça – quem aí lembra? No ano passado, movimentou dezenas de bilhões de reais (e seguramente abarcou milhões de brasileiros). Tal evidência é significativa. Um TC é um instrumento de poupança no qual o cliente assume o compromisso de poupar mensalmente determinada quantia monetária. Ao final de um prazo estabelecido, todo o montante poupado é devolvido à pessoa e tipicamente tal valor é corrigido pela TR (taxa de referência).
O ponto é que a TR está longe de ser um bom índice inflacionário, tanto que ficou zerada por muito tempo quando a Selic estava mais baixa. Isto equivale a dizer que o montante total poupado num TC retornará ao cliente sem absolutamente nenhum retorno financeiro (o que é definitivamente ruim se comparado a um fundo de investimento de renda fixa com baixíssimo risco ou mesmo se comparado à poupança). Por outro lado, o ingrediente fundamental de TCs é que estes contam com diversos sorteios ao longo do prazo do título, sorteios esses que geram montantes vultosos quando comparados ao total poupado pelos ganhadores em seus TCs.
É consequência natural de um TC que este tipo de produto não se destine a investidores tradicionais porque a rentabilidade entregue, em média, estará abaixo de outros instrumentos financeiros com risco similar (isto é, extremamente baixo). Em outras palavras, não se trata, realmente, de um bom investimento financeiro simplesmente porque TCs não são concebidos como investimentos financeiros puros.
MAS, ENTÃO, POR QUE OS TCs ATRAEM TANTAS PESSOAS?
Antes de dar a minha resposta, quero fazer uma reflexão com vocês. Morgan Housel, em seu famoso livro “A Psicologia Financeira”, diz que em uma pesquisa realizada nos EUA, a maioria das pessoas que apostavam em loterias vinham de classes mais baixas. A pesquisa apontou que esse gasto em média era de quase 500 dólares por ano por apostador. E o mais interessante é que essas pessoas NÃO tinham uma reserva de emergência de 500 dólares, justificando que "não conseguiam guardar dinheiro porque ganhavam pouco".
Uma possibilidade é concluir que essas pessoas estão tomando decisões erradas ao apostar em loterias, pois poderiam fazer uma reserva de 500 dólares por ano em vez disso. Mas na perspectiva dessas pessoas, na maioria das vezes a loteria é a única forma que eles(as) enxergam como possibilidade real e palpável de mudar de vida. Ali, ele(a)s disputam com as mesmas chances o grande prêmio, independentemente de qualquer coisa. Ele(a)s sabem que não podem disputar os salários mais altos da sociedade. Ele(a)s sabem que não podem comprar as casas mais bacanas ou fazer viagens de férias que algumas pessoas podem. Mas ali, ao jogar na loteria, essas pessoas disputam de igual para igual um prêmio milionário que mudará a vida deles. E isso, psicologicamente, justifica gastar quase 500 dólares por ano em loterias. Reflitam sobre isso. Pausa.
O contexto que acabo de compartilhar com vocês corrobora a resposta que tenho à pergunta: por que TCs atraem tantas pessoas? Minha resposta: por causa dos sorteios, que distinguem os TCs de investimentos tradicionais de baixíssimo risco. Quem compra um TC abre mão da remuneração de mercado pelo risco de ser sorteado e levar uma bolada para casa que mudará as suas vidas. Nesse caso, o risco é bom e a pessoa se sente confortável ao pagar por ele! Trata-se da relação fundamental de finanças – risco e retorno, mas aqui no sentido oposto. No caso tradicional, um maior risco de perda precisa ser recompensado por uma expectativa maior de retorno. Mas no caso em tela, um maior risco de ganho fenomenal é compensado por uma menor expectativa de retorno. Isso está longe de ser irracional.
Posso citar o sucesso da mega-sena (especialmente, a da virada), quando boa parte dos brasileiros resolve “investir” R$ 5,00 num jogo de reconhecido VPL negativo (ou seja, de expectativa de retorno negativo, aliás, com probabilidade enorme de perda total do capital investido). Outro bom exemplo é que as casas de bingo, quando legalizadas em nosso país, viviam lotadas mesmo que todos soubessem que, em média, estavam ali perdendo dinheiro (ou seja, com rentabilidade negativa). No primeiro caso, as pessoas aceitam a enorme chance de perder todo o montante investido pelo simples fato de poderem sonhar com uma vida de luxo: a remota chance de se tornar um milionário as fazem aceitar uma perda praticamente certa (porém, de magnitude bem pequena). Já no segundo caso, as pessoas não enxergam o bingo unicamente pelo viés financeiro, mas dão bastante peso à diversão e à chance de, eventualmente, conseguirem gritar “bingo!” e ganhar uma quantia acima da apostada. Dito tudo isto, vamos ao fechamento deste tema.
PARA QUAL PERFIL UM TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO PODE VALER A PENA?
Um TC tem a mesma questão comportamental discutida no texto sobre consórcios: muitos encaram a sua prestação como uma despesa e, como tal, há prioridade absoluta em não atrasar. Ademais, os TCs exigem adimplência para participação nos sorteios, promovendo educação financeira através da conscientização e da disciplina de investimento. É o dinheiro do cafezinho e do gasto aleatório desnecessário sendo guardado para o futuro. Com isso, um título de capitalização acaba atraindo pessoas com um perfil que agrega duas características principais:
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Elas não conseguem ter o hábito de investir com rigor e disciplina, de modo que o TC se torna um “investimento forçado” e, portanto, acabam acumulando via TC o que não conseguiriam acumular normalmente; e
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Elas gostam dos sorteios e sentem-se motivadas pela possibilidade de serem sorteadas e levarem para casa uma quantia que pode mudar suas vidas.
PARA QUAL PERFIL UM TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO NÃO VALE (BVMF:VALE3) A PENA?
Títulos de capitalização não valem a pena para pessoas disciplinadas financeiramente que já investem por conta própria e que não valorizem sorteios, racionalizando o fato destes terem retorno esperado negativo (pois o que se paga por eles é maior que o prêmio ponderado pela chance de vitória). Elas concluem se tratar de um investimento de soma negativa: os perdedores perdem muito mais do que ganham os vencedores. Por este motivo, este público prefere abrir mão dos sorteios em busca de rentabilidades consistentes e alinhadas com o mercado.
E você, em qual perfil está? Espero ter conseguido explicar a dinâmica de um título de capitalização e se ele se adequa ou não ao seu perfil. De forma definitiva.
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* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Treinamento e Consultoria. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.