O cenário político entra de vez no radar do mercado financeiro - e pede cautela. Se lá fora os investidores ainda calibram as expectativas em relação à disputa pela Casa Branca; aqui, a “debandada” da equipe econômica pode fazer parte da estratégia do ministro Paulo Guedes de não ceder à pressão para alterar o limite dos gastos públicos, ao mesmo tempo em que pressiona para fazer avançar a agenda de reformas no Congresso.
Caso contrário, o clima em Brasília pode se tornar pesado de vez. Seja como for, a saída dos secretários Salim Mattar (privatização) e Paulo Uebel (desburocratização e gestão) da Pasta, caracterizada pelo próprio ministro como “debandada”, deve pegar mal no mercado doméstico hoje - especialmente no trecho longo da curva de juros futuros, que já vem precificando uma perspectiva menos favorável da dinâmica fiscal.
Nas letras miúdas, o dilema se divide entre a extensão da ajuda emergencial aos desempregados versus a perspectiva de novos cortes na taxa básica de juros. E uma piora na já frágil situação fiscal, que caminha em direção a um déficit recorde, pode trazer uma pressão nada desprezível (e mais negativa) aos ativos locais, com os investidores assumindo uma postura mais defensiva.
Diante da proximidade do prazo para entrega da proposta do Orçamento de 2021 no Congresso, até o fim deste mês, o mercado doméstico deve acompanhar o debate acalorado sobre as contas públicas, mas ainda apostando na agenda de reformas e na austeridade no Brasil. Além das mudanças no sistema tributário, a reforma administrativa também está na fila.
Os investidores também devem digerir a fala de Guedes, de que “furar o teto” dos gastos, rompendo o limite de aumento das despesas do governo no próximo ano em tempos de pandemia, é o caminho para o impeachment do presidente Jair Bolsonaro, sob a alegação de “irresponsabilidade fiscal”. Porém, o chamado “Orçamento de Guerra”, que impôs o estado de calamidade no país, torna-se uma exceção a essa condicionalidade.
O fato é que a regra do teto de gastos, criada em 2016 durante o governo Temer, já nasceu para balançar com qualquer vento contrário. E, diante da crise econômica gerada pela disseminação do coronavírus no Brasil - que, aliás, não está diminuindo - é polêmico, para dizer o mínimo, defender que não se deve aumentar as despesas da União mais que no ano anterior.
Pimenta nos olhos dos outros...
Ainda mais sabendo-se que a crise das dívidas públicas será um tema global em um cenário pós-pandemia, liderado nada menos que pelos Estados Unidos. Aliás, ontem, foi a fala do senador republicano Mitch McConnell, de que as negociações com os democratas por um novo pacote fiscal de US$ 1 trilhão havia chegado a um impasse, que azedou o humor dos mercados, apagando os ganhos em Wall Street e do Ibovespa.
Nesta manhã, porém, os índices futuros das bolsas de Nova York exibem ganhos firmes, o que sustenta um sinal positivo entre as praças europeias. Até mesmo a Bolsa de Londres avança, apesar do tombo recorde de 20,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do Reino Unido no segundo trimestre deste ano em relação a um ano antes. O colapso da economia britânica superou, em muito, o impacto da pandemia em outros países europeus.
Já na Ásia, a sessão foi novamente mista, com as perdas da véspera em Wall Street afetando os negócios. Xangai voltou a cair (-0,6%), enquanto Tóquio (+0,4%) e Hong Kong (+1,4%) subiram. Nos demais mercados, o petróleo avança, à medida que o dólar vai perdendo terreno para as moedas rivais e correlacionadas às commodities, enquanto o juro projetado pelo título norte-americano de 10 anos (T-note) volta à faixa de 0,65%.
Com o presidente Donald Trump claramente em campanha pela reeleição, o noticiário vindo de Washington tende a trazer volatilidade, tal qual ontem. Mas até que haja um desfecho, os investidores parecem dispostos em dar o benefício da dúvida. Mas tampouco deve-se descartar os riscos de frustração. Uma vez perdidas as esperanças, será preciso “precificar” uma eventual vitória do democrata Joe Biden, que definiu ontem Kalama Harris como vice na chapa.
“V” de varejo
A agenda econômica do dia traz como destaque o desempenho das vendas no varejo brasileiro em junho. A expectativa é de manutenção da recuperação, com alta mensal de 5%, porém, em um ritmo bem mais lento que o observado em maio (13,9%). Já na comparação anual, o comércio deve ceder pela quarta vez seguida, em -5%.
Os números oficiais serão conhecidos às 9h. Se confirmados, podem levantar dúvidas quanto à sustentação de uma retomada rápida e acentuada da atividade, sob a forma de “V”, após a flexibilização das medidas de isolamento social, turvando o cenário em relação à melhora da economia doméstica no médio prazo.
Ainda no calendário local, o Banco Central publica (14h30) os dados sobre a entrada e saída de dólares (fluxo cambial) no país até o início deste mês. Já no exterior, destaque para o índice de preços ao consumidor nos EUA (CPI) em julho (9h30) e também para os estoques semanais de petróleo bruto e derivados no país (11h30). Logo cedo, na zona do euro, saem os dados sobre a atividade industrial em junho.