O mercado financeiro encontra dificuldades para engatar três dias consecutivos de rali hoje, uma vez que o número de casos confirmados e mortes por coronavírus continua assustando. Por mais que os Estados Unidos tenham aprovado, no Senado, o pacote de US$ 2 trilhões, enviando a conta para a Câmara, as ações da Casa Branca não são suficientes para impedir mais de 1 mil óbitos no país e quase 70 mil registros da doença.
Aqui no Brasil, a estratégia do presidente Jair Bolsonaro de estimular a circulação da população acabou deixando ele isolado. Ao radicalizar o discurso, dizendo que é “coisa de covarde” fazer “politicagem” com o coronavírus, Bolsonaro perdeu aliados e foi ignorado pelos governadores, que mantêm as medidas restritivas. Enquanto isso, o país já registra cerca de 2,5 mil casos da doença e 57 vítimas, com a curva ainda ascendente.
Ou seja, ainda é cedo para dizer que “o pior já passou”, em termos da pandemia, ou que o mercado financeiro já encontrou o fundo do poço. Mas ao contrário da semana passada, em que as quedas foram muito mais intensas do que as altas, a magnitude dos ganhos dos ativos de risco nos últimos dois dias foi bem maior do que as perdas registradas na segunda-feira, mostrando mais consistência nos “repiques”, com os mercados buscando estabilização.
Com isso, o sinal negativo que prevalece nos índices futuros das bolsas de Nova York indica queda mais moderada, redor de 1,5%, ao passo que as principais praças europeias abriram com perdas de pouco mais de 2%. Na Ásia, Tóquio liderou as baixas, ao cair 4,5%, enquanto Hong Kong e Xangai cederam menos de 1%. O petróleo também quebra a sequência de três dias de ganhos, enquanto o dólar mede forças frente às moedas rivais.
Os investidores mostram maior preocupação com as atualizações diárias sobre o número de casos de coronavírus no mundo, depois que a Espanha também superou a China em termos de mortes pela doença, ao passo que os óbitos na França subiram em 231 em 24 horas. Os indicadores econômicos mais recentes também são focos de tensão.
Hoje, as atenções lá fora estarão voltadas para os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos no EUA, que devem alcançar o número recorde de 5 milhões de solicitações, já que um em cada cinco cidadãos norte-americanos estão ficando em casa para ajudar a diminuir a propagação do vírus. Os dados oficiais saem às 9h30. No mesmo horário, será conhecida a terceira e última leitura do PIB dos EUA no trimestre passado.
BC domina agenda
Aqui, no Brasil, a agenda econômica traz como destaque as publicações do Banco Central. Logo cedo, às 8h, sai o Relatório Trimestral de Inflação (RTI) referente aos três primeiros meses de 2020. Depois (11h), o presidente do BC, Roberto Campos Neto, concede entrevista coletiva.
Antes (9h), é a vez do índice de atividade econômica do BC em janeiro. Porém, assim como os indicadores desta semana sobre o varejo e o setor de serviços, o IBC-Br ainda não incorpora os efeitos das medidas de combate ao coronavírus na economia. Portanto, trata-se de uma leitura já obsoleta e que se refere a uma situação pré-coronavírus.
O mesmo se pode dizer sobre os números dos PIB dos EUA ao final do ano passado, que tampouco ilustram o desempenho atual da atividade norte-americana. Já os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos no país podem mostrar os primeiros efeitos no mercado de trabalho causado pelos bloqueios (lockdown) de grande parte do país.
Ainda no calendário doméstico, sai o índice de confiança da construção civil em março (8h), que deve reforçar a expectativa de desaceleração da economia brasileira (PIB) no primeiro trimestre deste ano, já ventilada por outros indicadores por causa da paralisação de grande parte das atividades econômicas.
Trade-off
E o mercado doméstico deixou claro ontem que as declarações do presidente Bolsonaro, em pronunciamento nacional na noite de terça-feira, não incomodaram. Ao contrário, grande parte dos investidores concordam com o posicionamento dele, que estão sintonizadas às do presidente dos EUA, Donald Trump.
Para essa ala, é preciso compreender as consequências econômicas de uma paralisação total das atividades de serviços, comércio e de trabalhadores autônomos, ainda mais se o bloqueio (lockdown) vigente for ampliado. A questão é que essa visão não coloca em discussão as vítimas nem o provável colapso do sistema de saúde no mundo.
Não se trata, portanto, de um trade-off. Ao lidar com uma pandemia, não deve haver um conflito de escolha, em que a resolução de um problema acarreta outro. Em mais um recado a Bolsonaro, a OMS reiterou que a doença é “muito séria” e é preciso interromper a disseminação do coronavírus para salvar vidas, pois as UTIs já estão lotadas em muitos países. Para a ONU, trata-se de uma ameaça a “toda a humanidade”.
Mas ao eleger o custo econômico do isolamento social como a maior preocupação, ao invés do combate ao vírus, Bolsonaro sabe - assim como Trump - que, como diria o estrategista James Carville durante a campanha presidencial de Bill Clinton em 1992, “é a economia, estúpido” o que realmente importa.
E ao fazer tal escolha, seja qual for o resultado do “confinamento em massa”, Bolsonaro pode acabar levando a melhor. Afinal, quando os indicadores apontarem um cenário caótico da economia, ele vai poder dizer que a culpa é dos governadores, ou seja, seus adversários em 2022. Mas, se as medidas de restrição adotadas nos estados derem certo, o presidente vai poder reforçar o discurso de que se tratava apenas de uma “gripezinha”.
Ainda assim, os indicadores econômicos seguirão péssimos. E mais: mesmo se houver um salto no número de casos confirmados de coronavírus no país, com o Brasil podendo se transformar em uma nova Itália ou em Nova York, Bolsonaro poderá reiterar que a quarentena não adiantou de nada. E os estragos na economia continuarão lá…