Em dia de dados sobre a inflação brasileira e o mercado de trabalho norte-americano, a escalada da tensão comercial entre Estados Unidos e China rouba a cena, após o presidente Donald Trump ordenar a proibição dos aplicativos TikTok e WeChat no país daqui a 45 dias. A notícia pesou nos negócios na Ásia e espalha o sinal negativo no Ocidente nesta manhã, com os investidores sem saber quão ruim as coisas podem ficar.
As ações da Tencent, fabricante do WeChat, chegaram a cair 10% durante o pregão em Hong Kong, mas reduziram parte das perdas e encerraram em baixa de 5,6%. Ainda assim, a empresa chinesa perdeu US$ 30 bilhões em valor de mercado apenas hoje. Outros papéis do setor de tecnologia, como a Alibaba, também recuaram. O índice Hang Seng liderou a queda na região, seguido pela Bolsa de Xangai, que cedeu quase 1%.
O yuan chinês (renminbi) também sofreu o maior recuo em duas semanas, mas seguiu cotado abaixo da marca de 7 yuans por dólar. A moeda norte-americana volta a ser refúgio, assim como as Treasuries, com os investidores buscando proteção após os EUA ampliarem o ataque contra a China. Sob a alegação de riscos de segurança nacional, Trump elevou o confronto tecnológico, em tempos de neo macarthismo.
A menos de 90 dias das eleições presidenciais norte-americanas, o republicano mantém o alvo no inimigo externo, fazendo do embate com a China o tema central da campanha pela reeleição. Portanto, se hoje foram banidos TikTok e Wechat, amanhã pode ser o Baidu (NASDAQ:BIDU), novamente a Huawei ou alguma outra empresa chinesa - incluindo bancos - ampliando as frentes na trade war transvestida de tech war entre as duas maiores economias do mundo, com implicações negativas inclusive para as empresas dos EUA.
Ainda mais em um momento em que a economia global ainda sente os impactos da pandemia de covid-19, com muitos países tendo dificuldades de se reerguer, diante do fracasso no combate à disseminação do coronavírus. Os primeiros sinais de uma retomada rápida e acentuada da atividade começam a desaparecer, o que, somada à piora na relação sino-americana deixam a sensação de que a recuperação em “V” é de vai dar ruim.
Dia tem payroll e IPCA
Essa incerteza resgata o sentimento de aversão ao risco nos mercados globais. Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram no vermelho, seguindo o sinal negativo vindo da Ásia, o que também pressiona a abertura do pregão europeu. O petróleo também é negociado em queda, assim como o ouro, com ambas as commodities sustentando as faixas recentes, de US$ 40 por barril e US$ 2 mil por onça-troy.
Ainda assim, as perdas são moderadas, com os investidores à espera dos números do relatório oficial de emprego (payroll) nos EUA. A previsão inicial era de criação de 1,6 milhão de vagas no mês passado, mas após a frustração com o dado da ADP sobre o mercado de trabalho no setor privado, a estimativa foi revisada para cerca de 250 mil novos postos. Já a taxa de desemprego deve cair um pouco abaixo da leitura anterior, de 11,1%.
Se confirmados, os números devem corroborar a percepção de diminuição no ritmo de retomada do emprego e da atividade nos EUA, após uma forte recuperação inicial. Isso significa que a economia real pode precisar de mais estímulos monetários e fiscais, com os pacotes trilionários já lançados pelo Federal Reserve e pela Casa Branca mostrando-se insuficientes para colocar a maior economia do mundo de volta aos trilhos.
Aliás, permanecem as preocupações de que os republicanos e democratas no Congresso norte-americano não consigam resolver as diferenças em relação à restauração do benefício semanal de US$ 600 aos cidadãos desempregados, que expirou na semana passada. O prazo auto-imposto por ambos os lados para alcançar um acordo termina hoje, mas pontos delicados sobre o tema seguem em aberto.
Essas incertezas vindas do exterior devem pressionar os mercados domésticos, que abrem o dia reagindo também à aprovação no Senado do projeto que limita os juros para o cartão de crédito e cheque especial. A notícia deve pesar nos ações dos bancos, que têm o maior peso na composição do Ibovespa, elevando a demanda já esperado por prêmio de risco no país, diante do cenário externo mais adverso.
Mas o dia ainda reserva os números da inflação oficial no Brasil, que devem apenas corroborar o cenário traçado pelo Banco Central nesta semana, de manutenção dos estímulos monetários por um período prolongado. A expectativa é de que o IPCA avance pelo segundo mês seguido em julho, em +0,35%, ganhando força em relação à alta apurada em junho, quando interrompeu dois meses consecutivos de deflação no varejo.
Apesar dessa aceleração, a taxa em 12 meses deve seguir abaixo do piso do intervalo de tolerância perseguido pelo Banco Central neste ano, de 2,50%, pelo quarto consecutivo, acumulando alta de 2,35% - bem abaixo do alvo central de 4%. Os dados oficiais serão divulgados às 9h.