Os investidores e apreciadores de obras de arte sempre associaram a casa de leilão Christie’s, em Londres, a um local de referência na precificação de obras de arte. Mas, em 11 de março, uma obra incomum foi vendida por um valor de 8 dígitos. O NFT da obra de arte digital “Everydays: The First 5,000 Days”, de Mike Winkelmann (conhecido como Beeple), foi vendido por US$ 69 milhões, tornando seu autor um dos três artistas mais valiosos vivos, de acordo com a própria Christie’s.
A transação foi o estopim para que conversas fora do mundo das artes começassem a perguntar o que são NFTs e obras de arte digital. Não são incomuns as associações dos gastos de milhões de dólares em um conjunto de pixels com “nada” e “jogar dinheiro fora”.
Mas não é, em tese, “dinheiro jogado fora para comprar inutilidade”. Porém, antes de explicar melhor, vamos decifrar o que são NFTs e as tais “obras de arte” digitais.
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O que são NFTs?
NFT é uma sigla em inglês para tokens não-fungíveis (non-fungible tokens), ou seja, são ativos que não podem ser divisíveis e representam direitos de propriedade. No caso da obra de Beeple, são códigos armazenados no blockchain e são capazes de verificar o seu proprietário, atestando ser ele o único detentor de direitos sobre a obra de arte digital. Ou seja, a imagem abaixo da obra de Beeple não é propriedade do Investing.com, pois não adquirimos o seu NFT.
E você não leu errado: é o mesmo blockchain associado a criptomoedas. Neste caso, a maioria dos NFTs são negociados na rede Ethereum. Assim como os entusiastas das criptomoedas acreditam que elas sejam um novo capítulo da história do dinheiro, os aficionados por NFTs consideram os direitos sobre a obra de arte digital como um novo capítulo da história da arte.
Mas, como no caso das criptomoedas, há críticas quanto à nova forma de arte, desde os que não veem valor artístico nela até os conhecidos problemas ambientais da rede blockchain, com uso elevado de energia para validar os tokens e, em muitos casos, gerada por fontes sujas de energia.
Aposta na valorização
Voltando à questão de se investir em NFTs é “dinheiro jogado fora” ou não, a expectativa de quem os adquire é a possibilidade de valorização para vendê-los no futuro, assim como outras obras de arte leiloadas na Christie’s, como o único retrato do escritor William Shakeaspeare feito durante a sua vida ou uma pintura de Leonardo Da Vinci.
A questão é: NFTs terão valorização no futuro? Ou, sendo mais específico: quais NFTs serão legitimados como arte para que possam apresentar rendimentos ao seu detentor? Nesta segunda questão, o NFT acaba se “equivalendo” a obras de arte físicas no potencial de gerar dividendo financeiro como investimento.
Neste caso, o mercado de obras de arte divide os artistas e seu potencial de valorização em três grupos:
a) blue-chips mortos
b) blue-chips vivos
c) emergentes
Os artistas blues-chips, mortos ou vivos, caracterizam-se por ter suas obras legitimadas em todas as esferas críticas do círculo das artes. Isso significa que suas obras são acervo ou tiveram exposições nos principais museus e galerias internacionais.
“90% das vendas do mercado de artes estão nas mãos desses artistas”, diz Augusto Salgado, diretor de Obras de Arte da Hurst Capital, fintech especializada em tokenização de ativos reais. O mercado de arte gira anualmente em torno de US$ 50-70 bilhões.
A distinção entre os blue-chips é que a oferta das obras dos mortos é decrescente, ou seja, não haverá mais produção, enquanto a demanda por elas é crescente, tornando as obras em ativo escasso. Como diz a lei do mercado, o preço sobe se a variação da demanda é maior que a variação da oferta, neste caso zero.
No caso do NFTs, ainda não há uma catalogação de quais tipos de obras digitais têm potencial de valorização semelhante ao mercado secular de artes. Por enquanto, poderíamos arriscar a classificar os NFTs como se fossem artistas emergentes, os quais são incertos em termos de valorização e valores.
Tecnologia do NFT destrava valor
NFT é um token e sua tecnologia tem potencial de aplicação para certificar direito de propriedade e de recebimento sobre um ativo, entre os quais os ativos reais. “Apesar de parecer um negócio complexo, é um veículo muito interessante que consegue desbloquear diversos valores para o investidor”, diz Salgado.
Um desses ativos é, paradoxalmente, obras de arte. Ou seja, um NFT que está associado no imaginário popular a um direito de propriedade sobre uma obra de arte digital pode ser perfeitamente destinado para o mesmo propósito em uma obra de arte do mundo físico.
E a inovação não para por aí. A tecnologia do NFT possibilita a democratização de acesso a investimentos antes destinados a pessoas com no mínimo 6 dígitos para investir, como as próprias obras de arte, classificadas como um ativo ilíquido.
Além da democratização, a tecnologia pode transformar esses ativos em líquidos, ou seja, o proprietário pode precisar de dinheiro antes de conseguir a valorização almejada e vender para outro investidor interessado antes da venda futura da obra.
Tokenização de obra de arte física
O investimento em obras de arte física via NFT ainda é incipiente. No Brasil, a Hurst Capital é a primeira empresa do mercado financeiro a oferecer esse tipo de investimento de forma acessível e líquida.
A fintech oferece tokens ao interessado em ser proprietário de um acervo de três obras do artista Abraham Palatnik (1928-2020). “[A Hurst] construiu o investimento para ter uma rentabilidade de 17,04% [no cenário ideal]”, diz Salgado.
Com R$ 10 mil de investimento, quem tiver interesse pode adquirir um conjunto de token principal, que acaba representando outros três tokens, um para cada obra. Assim, quem adquire os tokens se torna coproprietário das três obras e tem direito a receber o valor de vendas de cada uma delas. Após cada obra ser vendida, seu token correspondente é eliminado.
O processo de venda ocorre da seguinte forma: i) até o 6º mês não haverá transação; ii) do 7º ao 24º mês a obra será vendida se o valor de oferta for maior que o valor estimado; iii) do 25º ao 36º mês, venda em comum acordo com outros coproprietários do token; iv) a partir do 37º mês, venda em leilão.
“O que fazemos é diferente dos NFTs que vemos nas notícias, estamos tokenizando ativo real, um NFT que é uma representação digital de um ativo que existe”, explica Salgado sobre o ativo real da Hurst, que também está registrado no blockchain da Ethereum.