No artigo do último fim de semana (“Trump infecta a recuperação dos mercados”), discutimos por que consideramos válido aproveitar os ralis para vender, mesmo com o mercado reagindo nos suportes. Recebi diversos e-mails por causa desse comentário, principalmente depois de mostrar que os mercados geralmente ficam positivos em anos de eleição. Por exemplo:
“Lance, estou confuso. Uma hora você diz que os investidores devem usar qualquer rali de curto prazo para balancear os riscos. Outra hora você fala que os mercados tendem a ficar positivos em anos eleitorais, na maioria das vezes. Estou na dúvida sobre o que fazer." – KC
É uma excelente questão que me leva ao cerne do nosso processo de gestão de risco.
Vamos começar com nosso comentário da newsletter:
“O rali desde as mínimas recentes eliminou grande parte da condição sobrevendida anterior, dando sinal de compra no MACD na sexta-feira.
Isso sugere que podemos ver mais compras na próxima semana. Mas, novamente, a falha na média móvel diária de 50 (MMD50) indica a continuidade do uso dos ralis para reequilibrar devidamente o risco."
Gráfico atualizado até o fechamento de segunda-feira:
A boa notícia é que, de fato, vimos uma aceleração de “compras adicionais” na segunda-feira, o que permitiu que o mercado superasse a MMD50. Isso faz com que as máximas de setembro voltem a entrar no contexto do rali que começou há duas semanas.
A má notícia é que os investidores perseguiram o mercado na esperança de um maior estímulo e na vitória de Biden na próxima eleição. Existe uma probabilidade razoável de que um ou ambos os eventos não ocorram.
Por fim, como mostramos abaixo, embora os aspectos técnicos de curtíssimo prazo sejam altistas, as medidas de médio prazo ainda não reverteram. Isso pode limitar o potencial de alta em relação aos níveis atuais.
Informações conflitantes
Se analisarmos melhor o comentário e os gráficos em seus pontos críticos, teremos maior clareza do cenário.
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O mercado rompeu a resistência (altista)
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O MACD fez um cruzamento positivo, emitindo “sinal de compra” (altista).
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O mercado rompeu a MMD 50 (altista)
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A tendência geral desde as máximas de setembro é negativa (baixista).
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O MACD voltou ao nível de sobrecompra (neutro a baixista)
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Os sinais de venda no médio prazo ainda continuam firmes (baixista)
Percebe-se que os mercados retornaram a um território mais neutro e, como ressaltamos anteriormente, a correção ocorreu de forma ordenada.
“Nas últimas semanas, falamos sobre a correção que está acontecendo nos mercados. Como mostramos abaixo, o declínio ocorreu de forma ordenada e sem ter sido induzido pelo pânico.” – A liquidação passou do ponto.
Por que, então, deveríamos usar os ralis para vender?
No curto prazo, continuamos com viés de alta nas carteiras. Mas há diversas preocupações importantes no médio e longo prazo.
Psicologia
Apesar da recente correção, a volatilidade continua enormemente suprimida. O excesso de confiança dos investidores no mercado é um indicador divergente que acompanhamos de perto. Como observamos acima, o recente declínio não mostrou sinais de que os investidores estivessem vendendo em pânico, mas tudo indica que ficaram ainda mais complacentes.
É possível ver que, apesar de a recente correção ter reduzido nosso índice de medo-ganância, ele permanece elevado. Novamente, assim como a volatilidade, o posicionamento geral dos investimentos não mostra “medo” de uma correção mais profunda. Se bem que o indicador esteja agora em um território mais ‘neutro”, ele sugere que os ganhos devem ser limitados no curto prazo.
O mesmo se aplica ao posicionamento de investidores profissionais. Como o posicionamento voltou para um território mais neutro, qualquer rali no mercado deve ser limitado.
As atuais condições psicológicas sugerem que o fundo do mercado no curto prazo permanece intacto. Porém, dado que a maior parte da euforia altista ainda não foi eliminada, o espaço de alta pode ficar confinado nas máximas anteriores.
Como salientamos, grande parte do ímpeto do rali foi a esperança de mais estímulo. Ocorre que, atualmente, há poucas evidências de mais uma lei Cares antes da eleição, principalmente com o Senado em recesso. Isso pode fazer com que os investidores desapontados desfaçam posições no curto prazo, especialmente com o crescimento econômico minguando.
Fundamental
No artigo “Os lucros não dão suporte à tese altista”, ressaltei que as estimativas eram baixas, segundo a Standard & Poors (a última atualização foi em 30 de setembro), e que os resultados continuam sendo revisados para baixo, apesar do comentário da mídia sobre uma forte recuperação econômica.
Permitam-se salientar alguns pontos críticos:
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Em janeiro e fevereiro, os investidores estavam comprando ações nas máximas históricas com base na previsão de lucros de US$ 171/ação ao final de 2021.
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Hoje os investidores estão pagando praticamente o mesmo preço pelos lucros de 2021, que estão cerca de US$ 30/ação mais baixos.
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Se bem que os resultados tenham sido revisados para cima no início de agosto, as estimativas até o fim de 2020 atingiram uma nova mínima apenas duas semanas depois.
Uma mensagem simples
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Em janeiro de 2020, os investidores compraram ações porque os valuations estavam baratos com base nas estimativas para 2021.
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Em setembro de 2020, os investidores estavam comprando os mesmos papéis, ou seja, pagando mais por menos.
Mas isso não é uma novidade. Isso aconteceu nos últimos dois anos, como mostra a análise de atribuição de retorno total do S&P 500.
Os investidores estão apostando cada vez mais na promessa de um crescimento econômico mais forte. Mas esse não tem sido o caso, já que os lucros corporativos se enfraqueceram, o crescimento econômico desacelerou, e os valuations não pararam de se expandir.
Os resultados segundo princípios contábeis geralmente aceitos, em comparação com o PIB, explicam o problema. Não é de surpreender que, como as ações são uma função da economia, existe uma boa correlação entre o crescimento econômico e os resultados corporativos. Isso ocorre porque, sem crescimento econômico, os consumidores não têm renda para continuar consumindo e, portanto, gerando lucros para as empresas.
Essa também é a razão para continuarmos preocupados com a persistente lacuna entre o mercado acionário e os lucros corporativos.
Em algum momento, os dois voltarão a se conectar por qualquer um dos seguintes cenários:
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Os preços das ações caem como em 2008;
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O mercado fica estagnado enquanto os lucros sobem; ou
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Uma combinação de ambos, como em 2002-2003.
Preocupações técnicas
Do ponto de vista puramente técnico, o mercado continua com um desvio de longo prazo em relação às tendências históricas. O problema com a análise de tendências de longo prazo, assim como a de valuations, é que “os mercados podem ficar irracionais por mais tempo do que a lógica pode prever”.É durante esses períodos de irracionalidade que os investidores começam a acreditar que "desta vez é diferente" e que a moderação não importa mais devido às intervenções do banco central.
Essas crenças, sem exceção, acabaram custando caro para os investidores, mais do que jamais imaginaram.
Como observamos acima, no curto prazo, se o mercado conseguir superar a MMD50, sem dúvida não é possível descartar um rali de volta às máximas históricas.
Mas, ao olhar para os tempos gráficos de mais longo prazo, os riscos ficam muito mais evidentes. Como podemos ver no gráfico semanal, o desvio em relação às médias de longo prazo continua em níveis extremos. Historicamente, esses desvios acabam gerando correções.Esse retorno à média pode ocorrer por um período prolongado, como em 2015-2016. Ou ainda pode ocorrer rapidamente, como em 2018 e 2020.
O que é essencial compreender é que, ainda que seja difícil resistir à “tentação” altista de curto prazo, é preciso ficar atento à regularidade de tais eventos de reversão à média. Eles também tendem a acontecer quando a mídia menos espera.
Se adotarmos uma visão de longo prazo, o gráfico mensal confirma a análise da mesma forma. O índice de força relativa continua com divergência negativa, a participação segue fraca, e os mercados permanecem bastante desviados das médias de longo prazo.
Navegando a dicotomia
Para muitos, é difícil compreender como é possível haver duas visões tão opostas simultaneamente. No curto prazo, os mercados estão com viés de alta, o que mantém as alocações de carteira inclinadas para o risco. Entretanto, no prazo mais longo, claramente temos um pano de fundo baixista a considerar.
Essa dicotomia é o que faz com que investir seja tão difícil. Como os investidores teimam em adotar uma perspectiva de curto prazo, onde toda a “ação” está, acabam perdendo de vista o longo prazo totalmente. Infelizmente, isso tem gerado resultados muito ruins.
Por enquanto, por todas as razões expostas, nossos processos de gestão de carteira mudaram de “caiu, comprou” para “subiu, vendeu”.
Permitam-me ser claro. Isso não significa vender tudo para ficar líquido.
As regras
Nossa intenção é usar os ralis para:
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Reavaliar as exposições gerais em carteira. As exposições a ações estão alinhadas com a dinâmica atual do mercado e os riscos relacionados?
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Fazer caixa conforme necessário.(O caixa é uma proteção de carteira sem risco quando oportunidades claras não estão disponíveis).
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Revisar todas as posições (vender perdedoras/ajustar vencedoras)
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Buscar oportunidades em outros mercados e ativos.(Não existe uma regra que diga que você só pode comprar ações. Títulos, commodities, moedas, investimentos alternativos, etc., precisam ser contemplados).
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Adicionar proteção às carteiras.
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Operar de acordo com as oportunidades.(Sempre existem variações das quais podemos tirar vantagem)
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Encurtar as ordens de stop-loss.(Stops mais curtos reduzem movimentos inesperados de baixa).
Como discutimos anteriormente, o momentum do mercado é algo difícil de acabar.Mas quando isso acontece, a força começa a agir na direção contrária.
Se aqueles que acreditam na alta estiverem certos, é uma oportunidade de remover proteções e realocá-las de volta ao risco se for o caso.
Mas, se os investidores acreditarem que existem riscos para o mercado de alta, um portfólio mais conservador protegerá seu capital no curto prazo. A menor volatilidade permite uma abordagem lógica para fazer ajustes à medida que a correção fica mais aparente.(O objetivo é não ser forçado a entrar numa situação de venda por pânico).
Isso também lhe permite comprar a valores extremamente descontados.
Por todas essas razões, continuamos usando os ralis como oportunidade para rebalancear o risco, seguir nossas regas de gestão de carteira e proteger nosso capital conforme necessário.