Em mais de uma década como analista de renda variável, sempre me impressionou a complexidade da carga tributária das empresas que estavam sob minha cobertura, e quanto esses inúmeros impostos, taxas e contribuições capturavam do valor que essas empresas adicionavam à economia. Não raro eu perdia um tempo precioso - que poderia ser dedicado a análises do negócio - em projeções e calls enfadonhos entendendo as nuances tributárias e suas constantes mudanças, e o quanto isso afetaria a capacidade dessas empresas em gerar valor.
Para qualquer um que acompanha o setor corporativo, independentemente de sua escala de atuação, fica claro que instabilidade regulatória, carga tributária e sua complexidade, qualidade dos fatores de produção e acesso a capital são elementos que jogam contra cronicamente em nosso ambiente de negócios. Não vou aqui entrar no debate de qual deveria ser o papel ideal do Estado em nossa economia mas analisar seu peso nos resultados de grandes empresas no contexto em que ele atua como regulador, financiador e por vezes operador.
Em levantamento realizado em um grupo de 50 companhias abertas e integrantes do Ibovespa, observa-se que a participação do Estado no “valor adicionado” através do pagamento de “Impostos, Taxas e Contribuições” em 2016 foi aproximadamente três vezes maior do que a remuneração do capital próprio, a remuneração do acionista. Lembrando que a geração de lucro de uma companhia ou sua expectativa futura são os principais elementos financiadores de seus reinvestimentose no consequente círculo virtuoso da economia.
A “demonstração do valor adicionado” é um relatório financeiro interessante que divide o “valor adicionado” gerado pela companhia entre quatro principais stakeholders: i) trabalhadores ii) capital de terceiros iii) Estado e iv) acionistas. Em 2016, ao Estado foi reservada a maior parcela desse valor adicionado, equivalente a 41%, seguido de trabalhadores, 25%, capital de terceiros, 20% e os acionistas com 14% (vide tabela abaixo).
É dramático constatar que ao Estado aparentemente pouco importou a rentabilidade desse grupo de empresas, provavelmente em função da ampla forma de recolhimento indireto de impostos e de impostos incidentes sobre o faturamento e produção (insensíveis à lucratividade da operação). Comparando o mesmo grupo de companhias entre os anos de 2010 e 2016 (valores nominais), enquanto a remuneração do capital próprio desaba em 25% (vitimado principalmente pela queda de margens operacionais e aumento de alavancagem financeira) o Estado aumenta sua arrecadação em 52%. Ou seja, o Estado segue generoso consigo mesmo à revelia do resultado de seu financiador.
Um subgrupo interessante e que merece destaque dentro dessa amostra são as empresas controladas pelo governo. Essas companhias são a caricatura perfeita apresentando alta distribuição do resultado aos Impostos, Taxas e Contribuições e uma parcela ínfima a seus acionistas (o próprio governo e seus minoritários). Na média entre os anos de 2010 a 2016, o Estado capturou 6,5 vezes mais do que o resultado dos acionistas e no ano de 2016, impressionantes 45 vezes! Enquanto os Impostos, Taxas e Contribuições cresceram 31%, o resultado de seus acionistas declinou 94%.
Aos colegas investidores que dizem não ter preconceito em investir em estatais uma mensagem simples: deveriam!
Fora desse grupo outro caso interessante é o da Duratex (SA:DTEX3), companhia controlada pelos grupos Itausa (SA:ITSA4) e Ligna e líder nos segmentos de painéis de madeiras e louças e metais sanitários voltados ao mercado interno. Enquanto o resultado do acionista colapsa 94% entre os anos de 2010 e 2016, Impostos, Taxas e Contribuições permanecem praticamente inalterados caindo apenas 1%. Apesar da deterioração dos resultados da companhia, o Estado segue estavelmente financiado. Nesse caso em 2016 a parcela do Estado no valor adicionado pela Duratex foi 20 vezes maior do que a de seus acionistas.
Apesar da amostra relativamente pequena de empresas em um período conturbado fica a reflexão: existem formas mais racionais de alinhar o nosso principal sócio ao retorno da economia que o financia? Essa complexa rede de tributações poderia ser substituída por um único imposto incidente sobre o valor adicionado à economia?
O mercado financeiro costuma definir como “gato gordo” aquele sócio que se beneficia do resultado geral apesar de pouco produzir. O Estado brasileiro tem sido o pior dos gatos gordos: você não o enxerga no contrato social e ele não depende de accountability para sobreviver. Um gato gordo que não se importa em matar a própria galinha dos ovos de ouro.